Já falei mais de uma vez aqui neste espaço sobre esse assunto, mas parece que certos grupos não compreendem – ou melhor, não querem compreender, pois há razões políticas e ideológicas envolvidas –, e por isso sou obrigado a voltar ao tema, mesmo sabendo que, mais uma vez, de nada adiantará. Em todo caso, vamos lá.
A Associação dos Magistrados de Pernambuco (Amape) elaborou recentemente uma cartilha de 13 páginas intitulada Racismo nas Palavras, a qual sugere a substituição de dez expressões ou palavras tidas como “racistas”. Em vez de denegrir, a cartilha sugere difamar; no lugar de mercado negro, propõe mercado ilegal; em substituição a lista negra, teríamos lista de restrições, e ainda a coisa está preta daria lugar a a situação está difícil, dentre outras sugestões de mudança.
Essa cartilha provocou a reação de 34 magistrados filiados à Associação, que assinaram manifesto contra a introdução de pautas ideológicas na categoria profissional, o que poderia, segundo eles, levar a cisões internas.
Diz a certa altura o manifesto:
Por fim apresentamos esse MANIFESTO em repúdio à produção de cursos, lives, webinários, panfletos, cartilhas e similares que nos ponham em apoio a correntes ideológicas e provoque cisões internas, criação de subgrupos de juízes.
A juíza Andrea Rose Borges Cartaxo, uma das subscritoras do manifesto, afirma que a crítica não se dirige às causas de minorias. Segundo ela, “as causas são legítimas. O motivo do manifesto é que o estatuto da associação está sendo ferido”. E acrescenta: “A Justiça precisa ser cega, não abraçar causas ideológicas, e essa causa é de uma ideologia”.
Ou seja, segundo esses juízes “dissidentes” (a maioria dos associados concordou com a cartilha e a realização de cursos sobre o tema do racismo), o problema não é o combate de expressões supostamente racistas e sim o desvio de função da Associação.
Já para mim, o pecado da cartilha é outro: como já havia demonstrado em artigo anterior, o erro dessas cartilhas politicamente corretas é atribuir conotação racista a expressões que nada têm de discriminatórias à raça negra pelo simples fato de que elas contêm as palavras preto ou negro ou fazem alusão à cor preta, um matiz do espectro cromático como qualquer outro.
Ou seja, mais uma vez, os movimentos sociais e seus defensores partem de premissas falsas para sustentar suas bandeiras. Mas, se essas bandeiras são justas – e eu particularmente acho que são –, por que contaminá-las e enfraquecê-las com falsos argumentos? Por que não se ater a fatos reais (exemplos de racismo existem – infelizmente – aos montes em nosso país) em vez de criar inimigos imaginários?
Senão, vejamos: denegrir provém do latim denigrare, que significava originalmente “enegrecer, tingir de preto” e posteriormente “difamar, tornar negra a reputação de alguém”. Ora, esse verbo foi cunhado pelos romanos dois milênios antes da escravidão de africanos por europeus, portanto refere-se às conotações sombrias que a cor preta suscita, sem qualquer relação com tom de pele, mas sim com escuridão, trevas, morte, etc.
Eu poderia explicar a origem não preconceituosa das demais palavras e expressões proscritas pela dita cartilha, mas, como disse, já fiz isso em outro artigo e convido os leitores a lê-lo (basta clicar no link acima).
Ou seja, além do alegado gasto de recursos da Amape com empreendimento alheio à sua finalidade, os juízes que subscreveram o manifesto poderiam também ter questionado a falsidade dos argumentos apresentados na malsinada cartilha a respeito do cunho racista de certas palavras e expressões.
Pelo modo como a coisa anda, daqui a um tempo o próprio uso das palavras preto e negro será proibido, mesmo que você esteja se referindo meramente a um lápis de cor ou ao tom de um vestido.
Concordo! Aquilo que inventaram de fazer com a palavra “criado-mudo” é um crime etimológico!
E ainda há pessoas que, depois de ser explanada a etimologia do termo, ainda têm a audácia, a desfaçatez de dizer: “Sim, tudo bem, mas porque não substituir a palavra?”
Pois é…