O estilo “Carluxo” de Bolsonaro

Leio num site de notícias que no debate de hoje à noite na Rede Globo Bolsonaro deverá adotar o “estilo Carluxo”, isto é, aquela atitude mais radical, raivosa e aguerrida que, por sinal, notabilizou o presidente desde sempre e que contrasta com a imagem “Bolsonarinho paz e amor” que às vezes seus marqueteiros tentam vender ao eleitorado.

Esse tipo de postura política ganhou o nome de Carluxo por referência ao filho do presidente, Carlos Bolsonaro, principal idealizador e incentivador dessa postura, e cujo apelido – não sei se usado por ele próprio ou se a ele impingido pela imprensa – é um diminutivo carinhoso de Carlos. O que chama aqui minha atenção é a grafia com x desse apelido, a meu ver inadequada. Se a alcunha é utilizada pelo próprio Carlos e por seus íntimos, resta saber se o próprio filho do presidente a grafa com x. Se o faz, é um direito seu. Mas, se não, ou seja, se o apelido lhe foi dado pela mídia, então temos aí um deslize ortográfico. É que ‑ucho é um sufixo diminutivo, por vezes afetuoso, que ocorre em palavras como gorducho, pequerrucho, capucho, fofucho e outras e cuja grafia correta é com ch e não com x (falei semana passada sobre a questão da grafia com x ou ch de imbroxável; este é mais um caso em que a língua portuguesa nos coloca em situação de insegurança).

Mas por que o sufixo ‑ucho é com ch e não com x? Mais uma vez, temos de recorrer à etimologia para explicar. Acontece que esse sufixo é um empréstimo do sufixo diminutivo italiano ‑uccio, por sinal muito frequente em nomes de pizzarias como Micheluccio, Freduccio, etc. (Atenção: isto não é merchandising de pizzarias, ok?) Em italiano, o cc seguido de i soa como /tch/, portanto a pronúncia desse sufixo é /utcho/. Quando aportou em terras portuguesas, lá pelo século XVI, formando os primeiros derivados, o ch português também tinha som de /tch/, logo a transcrição de ‑uccio por ‑ucho foi natural. Somente tempos depois foi que o ch português perdeu o som /tch/ e assumiu a pronúncia atual, que se confunde com a do x. Mas a ortografia manteve o ch mesmo assim, pois nosso sistema é parcialmente fonético (melhor seria dizer fonológico) e parcialmente etimológico. É por isso, por exemplo, que eliminamos o h dos dígrafos th, rh, ph, mas mantivemos o h de hora, hoje, etc.

Conclusão: o colérico filho de Bolsonaro deveria ser Carlucho e não Carluxo. A menos que o próprio, como disse acima, prefira a grafia com x. Aí é uma escolha dele, e ninguém tem nada com isso.

Bom debate hoje à noite!

Rei Charles ou rei Carlos?

A recente ascensão do príncipe Charles, filho primogênito da falecida rainha Elizabeth II do Reino Unido, ao trono britânico, fez com que toda a imprensa brasileira passasse a chamá-lo de rei Charles III (houve dois outros monarcas ingleses com esse nome antes dele).

Em Portugal, o príncipe foi chamado de Carlos desde sempre, assim como a rainha era Isabel II, e os filhos de Charles, a saber, William e Harry, são Guilherme e Henrique. O mesmo princípio de tradução de nomes de soberanos vale para os países de língua espanhola, francesa, italiana e alemã.

Mesmo no Brasil é costume referir-se aos monarcas  e papas pelas traduções portuguesas de seus nomes originais. Assim, falamos do rei Luís XIV de França, de Henrique VIII de Inglaterra, do imperador Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico, do papa João Paulo II, e assim por diante. Inclusive os dois supracitados reis ingleses homônimos de Charles são conhecidos no Brasil como Carlos I e Carlos II. Portanto, o mais lógico seria que desde já passássemos a nos referir ao novo rei da Grã-Bretanha como Carlos III e não como Charles III. Aliás, a expressão “rei Charles”, que tem sido veiculada na mídia falada (rádio, TV e podcasts), gera certa confusão com Ray Charles, o famoso cantor americano de rhythm’n’blues e soul.

Quanto a Elizabeth, poderia ter sido aportuguesado para Elisabete, uma vez que o nome em inglês da rainha Isabel de Castela é Isabella e não Elizabeth, o que indica que se trata de dois nomes distintos, ainda que tenham a mesma origem hebraica. O mesmo ocorre com Diogo, Diego, Tiago, Iago, Jaime e Jacó, que são nomes diferentes (por exemplo, ninguém se refere a Santiago como São Jaime ou São Jacó), embora se originem todos do hebraico Ya’akov.

O palíndromo dos números

Ontem, dia 22 de fevereiro de 2022, ocorreu um fenômeno numérico e uma efeméride chamada capicua. Trata-se de uma data que, lida de trás para frente ou de frente para trás, dá no mesmo. Confiram: 22/02/2022. A capicua é o equivalente numérico do palíndromo. Para quem não sabe, palíndromo é uma palavra ou frase que pode ser lida igualmente em ambas as direções. Por exemplo, as palavras ovo e reviver são palíndromos em português. Igualmente, a frase “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos” é um palíndromo.

O termo palíndromo vem do grego pálin, “para trás, de volta, inversamente”, mais drómos, “corrida, percurso”. Já capicua vem do catalão e significa “cabeça e cauda”.

Pelos meus cálculos, a próxima capicua será no dia 32 de fevereiro de 2023 – só que essa data não existe! Mas nunca se sabe, né? Eu, por exemplo, jamais imaginei que um dia o Carnaval fosse cair em abril.

Lançamento do meu novo livro

Pessoal,

Acaba de ser lançado o meu novo livro “O UNIVERSO DA LINGUAGEM – Sobre a Língua e as Línguas”. A sinopse é a seguinte:

“A linguagem tem uma importância crucial em nossas vidas e há uma imensa curiosidade sobre muitas questões ligadas à língua. Por que falamos? Como e quando a linguagem surgiu? Por que as línguas evoluem? Como nascem as palavras? Como a mente processa a linguagem? Como as línguas funcionam? Qual a relação entre a língua que falamos e o modo como vemos o mundo? A língua está mesmo se degenerando? Os outros idiomas são uma ameaça ao nosso? Este livro reúne diversos ensaios que tratam do português e das línguas em geral, bem como de questões, como essas, ligadas à linguagem humana e suas relações com a mente, a sociedade, a cultura e a civilização.”

E o anúncio de divulgação é este:

“Sem a linguagem não seríamos os humanos que somos. Assim, entrar nesse complexo universo é fascinante. Este livro trata tanto de questões mais gerais, como “Por que falamos?”, “Como nascem as palavras?”, até das mais específicas, como “Nossa língua é machista porque usamos o masculino quando nos referimos a um conjunto de pessoas de ambos os sexos?”, “Só existe a palavra ‘saudade’ em português mesmo? E isso quer dizer que os falantes de outras línguas não lidam com esse sentimento?”. Obra fascinante para percorrer a beleza e a poesia contidas na linguagem.

Olivro O universo da linguagem parte dos conhecimentos construídos pela linguística para apresentar, de modo acessível, diversas questões sobre o português, as línguas em geral e a linguagem. Escrita por Aldo Bizzocchi, a obra nos guia por esses questionamentos tão distintos e, uma vez mais, nos maravilha com as possibilidades e surpresas dessa faculdade tão essencial ao ser humano: a linguagem! Garanta o seu!!”

O livro já está à venda nas principais livrarias e também no site da Editora Contexto: https://www.editoracontexto.com.br/produto/o-universo-da-linguagem-sobre-a-lingua-e-as-linguas/4890530.

Se puderem, divulguem aos amigos. Obrigado!

Desvendando a caixa-preta – 1ª parte

Na pesquisa linguística, não é raro encontrar línguas sobre as quais nada se sabe, como ocorre com expedições que fazem contato com tribos indígenas pela primeira vez. Diante de uma língua que é uma verdadeira “caixa-preta”, sobre a qual não temos informação prévia (não sabemos nada de sua gramática ou vocabulário nem a que família pertence), por onde começar a estudá-la?

Para solucionar o problema, desenvolveram-se técnicas de análise, como a tagmêmica, proposta pelo americano Kenneth Pike na década de 1940 para estudar as línguas ameríndias. A tagmêmica e outras tecnologias similares partem do princípio de que todas as línguas, mesmo aquelas que ainda não conhecemos, têm características universais, como a presença de estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas que obedecem a certas leis gerais.

O primeiro passo nesse tipo de pesquisa consiste em gravar a maior quantidade possível de amostras de fala (línguas de comunidades tribais nunca têm expressão escrita) e analisar o material coletado, muitas vezes com o auxílio de softwares especiais.

Em primeiro lugar, procura-se reconhecer os sons da língua, isto é, as realizações articulatórias que se repetem sistematicamente nas amostras. A partir da comparação entre as falas de vários informantes, é possível determinar quais os sons distintivos de significado (ou seja, os fonemas) e suas variantes (chamadas de alofones). É possível até descobrir quais são variantes pessoais (ligadas aos hábitos articulatórios de um dado falante) e quais são contextuais (determinadas pelo contexto em que ocorre o fonema, isto é, os fonemas que o precedem ou sucedem). Num momento seguinte, pode-se deduzir a estrutura silábica da língua a partir das combinações recorrentes de fonemas.

Na medida em que certas sequências de fonemas se repetem na fala, deduzem-se as palavras. Há dois tipos de palavras que tendem a se repetir num ato de fala: as gramaticais, como artigos, pronomes, preposições, etc., e as palavras-tema, aquelas diretamente ligadas ao assunto da fala. É possível ainda depreender de certas sequências que diferem por um único elemento afixos, desinências e demais marcadores de flexão das palavras.

Reconhecidas as estruturas fonológica e morfológica do idioma em questão, passa-se ao reconhecimento das estruturas sintáticas: determina-se o limite das frases e, sabendo-se previamente quais são as palavras lexicais e gramaticais, procura-se descobrir como elas se combinam, num processo semelhante à análise sintática que se faz nas aulas de português.

Por fim, resta a semântica do texto. Quando pesquisadores interagem com os informantes a fim de obter o registro de sua fala, geralmente apontam objetos ou deixam que os falantes apontem. Com isso, começa-se a relacionar palavras com coisas: o processo evidentemente parte de conceitos mais concretos e corriqueiros até chegar a abstrações complexas.

Uma situação semelhante a esse tipo de investigação são os métodos de decifração de códigos secretos. A lógica deles é a mesma das tecnologias de descrição de línguas desconhecidas, com a diferença de que os códigos secretos se apresentam em mensagens escritas (geralmente numa simbologia também secreta).

Exemplo disso é o código Voynich, um misterioso manuscrito, datado pela técnica do carbono 14 como sendo do século 15 ou 16, escrito num alfabeto desconhecido e ilustrado com imagens de plantas, mapas astronômicos e mulheres nuas imersas em vasos de líquido escuro. O manuscrito leva o nome do livreiro americano de origem polonesa Wilfrid Michael Voynich, que o adquiriu em 1912 na Itália.

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O caso Voynich

O documento está redigido da esquerda para a direita (é possível deduzir isso a partir do alinhamento da última linha de cada parágrafo) num alfabeto de cerca de 40 caracteres, alguns dos quais aparecem uma única vez em todo o texto (mais ou menos como k, w e y aparecem raramente nos textos em português). Todas as tentativas de decifrá-lo fracassaram, até as dos maiores especialistas em criptografia que atuaram na Segunda Guerra Mundial.

Chegou-se a cogitar que o manuscrito não passasse de um embuste, um texto sem nexo escrito no século 16 num alfabeto fictício para ser oferecido às cortes europeias, que então pagavam fortunas por obras esotéricas. Uma carta de 1666 adquirida junto com o documento afirmava ter ele pertencido ao imperador germânico Rodolfo II e sido escrito pelo filósofo medieval inglês Roger Bacon. A novidade é que cientistas têm utilizado técnicas de estatística linguística para verificar se a distribuição dos caracteres e palavras no texto é compatível com o padrão das línguas naturais.

Um artigo publicado há alguns anos por físicos brasileiros na revista PLoS One (mais informações em revistapesquisa.fapesp.br/2013/08/13/o-codigo-voynich) explica como eles utilizaram algoritmos que permitem detectar palavras-chave no texto (mais ou menos como faz o Google em suas buscas), bem como elaboraram redes de dispersão que medem o grau de proximidade ou distância entre palavras.

Até agora, os resultados apontam para padrões compatíveis com os de textos dotados de significado. O problema, neste caso, é que o manuscrito Voynich não está relacionado a nenhum referencial externo – exceto as próprias figuras do texto –, o que dificulta o reconhecimento de uma semântica subjacente.

Muitas hipóteses já foram aventadas sobre sua origem, desde a transcrição fonética por um europeu, num alfabeto inventado, de um texto ditado por um nativo do Leste asiático, até a atribuição da autoria do manuscrito a sábios medievais e charlatães renascentistas. Recentemente, um historiador britânico afirmou ter descoberto a chave para decifrar o enigmático documento. Mas isso é assunto para a próxima semana.

O que importa é que a busca pelo significado do código Voynich tem representado um belo exercício de aplicação das teorias linguísticas a um fim particular – no caso, a decifração de um texto engenhosamente criptografado.

Qualquer que seja a língua na qual o código foi redigido, se é uma língua natural, então deve obedecer aos princípios fonológicos e morfossintáticos que regem todos os idiomas, e, portanto, a utilização de tecnologias de análise como a tagmêmica deve produzir resultados satisfatórios também nesse caso.

” No meio de uma crise política sem precedentes no Brasil contemporâneo, a nova novela das 23h da Rede Globo, ‘Liberdade, Liberdade’, de Mario Teixeira, faz um oportuno resgate histórico do nosso período colonial, propiciando ao público um maior entendimento acerca dos muitos vícios que se perpetuaram na nação. “

Foto: Pedro Carrilho/Gshow A frase célebre do poeta romano Virgílio “Liberdade ainda que tardia”, mostrada na primeira imagem da nova novela das 23h da Rede Globo “Liberdade, Libe…

Fonte: ” No meio de uma crise política sem precedentes no Brasil contemporâneo, a nova novela das 23h da Rede Globo, ‘Liberdade, Liberdade’, de Mario Teixeira, faz um oportuno resgate histórico do nosso período colonial, propiciando ao público um maior entendimento acerca dos muitos vícios que se perpetuaram na nação. “