O nascimento de uma língua

Toda língua evolui. Este é um dos mantras da linguística desde os seus primórdios, ainda em princípios do século XIX. Na verdade, desde que a espécie humana começou a falar, nunca houve solução de continuidade na história da linguagem, portanto toda língua é a continuação histórica de algum sistema linguístico precedente, e um sistema se transforma em outro lenta e imperceptivelmente, num lavor de séculos ou milênios. Sendo assim, pode a qualquer momento surgir uma nova língua? É possível que uma comunidade humana invente um idioma sincronicamente, sem tê-lo herdado de seus antepassados?

Pois foi descoberto alguns anos atrás em Lajamanu, um pequeno vilarejo de 700 pessoas no norte da Austrália, um novo idioma, chamado warlpiri rampaku, ou warlpiri rápido, língua falada exclusivamente por menores de 35 anos.

A pesquisadora Carmel O’Shannessy, da Universidade de Michigan, que descobriu o idioma, afirma tratar-se realmente de um novo sistema linguístico, pois, embora majoritariamente composto por palavras e estruturas gramaticais de outros idiomas, esses elementos se combinam de modo sistemático e inovador, como numa língua natural que fosse produto da evolução.

Os habitantes de Lajamanu falam warlpiri (língua aborígine australiana), inglês e crioulo (mistura de warlpiri e inglês), mas, curiosamente, metade da população fala o warlpiri rápido, alguns como primeiro idioma.

Essa nova língua está sendo comparada à linguagem usada pelos adolescentes, com seus termos próprios, incompreensíveis aos adultos. Mas com a diferença de que, ao contrário do que acontece com as gírias infanto-juvenis, que são abandonadas à medida que os jovens crescem, neste caso os falantes continuam utilizando o mesmo código depois de adultos, e a próxima geração o aprende desde o nascimento.

Segundo O’Shannessy, o surgimento dessa língua deve ter-se dado porque os pais, sendo bilíngues, misturavam os idiomas ao falar com os filhos.

Em sua opinião, a aparição de novas línguas é mais comum do que se imagina, embora o fato nem sempre seja detectado por linguistas. Para ela, a ocorrência do fenômeno é mais provável em comunidades em que haja muitas pessoas multilíngues, especialmente jovens.

Apesar de recém-nascido em termos da escala evolutiva das línguas, o warlpiri rápido apresenta grande vitalidade. Como língua minoritária dentro da Austrália, não é possível saber por quanto tempo sobreviverá, mas o simples fato de estar sendo falada, inclusive como língua materna, por um número considerável de pessoas atesta que línguas podem, sim, ser criadas sincronicamente, e não como meros experimentos de laboratório, como é o caso dos idiomas artificiais, mas como sistemas efetivos de comunicação cotidiana.

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