O palíndromo dos números

Ontem, dia 22 de fevereiro de 2022, ocorreu um fenômeno numérico e uma efeméride chamada capicua. Trata-se de uma data que, lida de trás para frente ou de frente para trás, dá no mesmo. Confiram: 22/02/2022. A capicua é o equivalente numérico do palíndromo. Para quem não sabe, palíndromo é uma palavra ou frase que pode ser lida igualmente em ambas as direções. Por exemplo, as palavras ovo e reviver são palíndromos em português. Igualmente, a frase “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos” é um palíndromo.

O termo palíndromo vem do grego pálin, “para trás, de volta, inversamente”, mais drómos, “corrida, percurso”. Já capicua vem do catalão e significa “cabeça e cauda”.

Pelos meus cálculos, a próxima capicua será no dia 32 de fevereiro de 2023 – só que essa data não existe! Mas nunca se sabe, né? Eu, por exemplo, jamais imaginei que um dia o Carnaval fosse cair em abril.

Além do erro ortográfico

Estreou semana passada na Rede Globo a nova novela das 18 horas, Além da Ilusão, que conta a história do romance proibido entre um jovem ilusionista e uma moça rica. Mais uma vez, a Globo se esmera na reconstituição de época (anos 1930 e 1940), nos cenários, figurinos, locações, etc. – e mais uma vez escorrega na linguagem. Num dos capítulos, o mágico é preso injustamente e, ao ser fichado, aparece na tradicional foto de frente e de lado segurando uma plaquinha com seu nome e data de nascimento (hoje em dia, essas placas também trazem o artigo do Código Penal em que o suspeito está incurso). Pois não é que nessa placa aparece o nome Davi e a data de nascimento cujo ano é 1934? E o que há de errado nisso? É que em 1934, portanto antes da reforma ortográfica de 1943, o nome Davi se grafava David, com d final mudo. Ou seja, a Globo usou a ortografia atual numa novela de época, o que revela que, mais uma vez (casos semelhantes comentei no artigo A língua portuguesa e as novelas de época), a preocupação com a recriação realista de um momento histórico passado não se estendeu à língua. Falta à Vênus Platinada uma boa consultoria linguística – aproveito para avisar que estou disponível para prestar esse serviço – se for bem pago, é claro!

Ainda hoje há muitas pessoas com o nome David, da mesma forma como meu nome do meio é Luiz com z. Trata-se de uma grafia tradicional, assim como Mello, Mattos, etc. No entanto, pessoas de baixa cultura, que desconhecem ser essa grafia legitimamente portuguesa, costumam pronunciar o nome como Dêivid, achando que se trata de nome inglês. (Aliás, os de mais baixa extração social acham até chique essa pronúncia.) O desconhecimento dos mais jovens e dos menos letrados quanto à grafia antiga dos nomes portugueses faz com que se pronuncie consoantes que deveriam ser mudas, como o c de Victor e o p de Baptista. Só falta agora pronunciarem Jacob como Jacobe – se é que já não há alguém que o faça!