O politicamente correto e seu mais novo rebento, a ideologia da neutralização de gênero, têm dado muito o que falar – mal, principalmente. Não à toa, tal a bizarrice dessa proposta, que, apesar de bem-intencionada, promete não chegar a lugar algum, pois suas bases lógicas, científicas e políticas são frágeis como bolha de sabão em espinheiro.
O problema é que a vida imita a arte, e vice-versa, e aquilo que achamos absurdo a ponto de virar motivo de piada de repente é levado a sério por gente insuspeita. Pois ontem o humorista português Ricardo Araújo Pereira publicou uma crônica satírica cuja leitura recomendo vivamente às minhas leitoras e aos meus leitores e que deveria fazer corarem as defensoras e os defensores do tal gênero neutro. Só que elas e eles não coram. Pelo contrário, elas e eles levam muito a sério uma ideia que não tem a menor possibilidade de prosperar. Tanto que elas e eles chegam a redigir documentos oficiais como a Carta Magna de um país de respeito nessa linguagem que nenhum ser humano ou ser humana em estado normal consegue falar.
Para verem que não estou mentindo, transcrevo abaixo a tradução para o português de um pequeno trecho da Constituição da República Federal da Alemanha, em sua redação mais recente, após a reunificação.
- O Governo Federal: O Governo Federal é composto pela Chanceler Federal ou Chanceler Federal e pelas Ministras Federais ou Ministros Federais. Juntos, elas ou eles compõem o Gabinete.
- O papel da Chanceler Federal ou do Chanceler Federal: A Chanceler Federal ou o Chanceler Federal tem uma posição de destaque no governo. A Chanceler Federal ou o Chanceler decide quem se torna membro do governo, pois só ela ou ele tem o direito de formar um Gabinete. A Chefe do Governo ou o Chefe do Governo escolhe as Ministras ou os Ministros e faz uma proposta vinculativa para a sua nomeação ou exoneração do Presidente Federal. Ela ou ele também decide sobre o número de Ministras ou de Ministros e define suas áreas de responsabilidade. A Chanceler Federal ou o Chanceler Federal determina os pilares da política governamental (Princípio do Chanceler).
- O papel da Ministra ou do Ministro: Embora a Chanceler Federal ou o Chanceler Federal tenha o direito de emitir instruções às Ministras ou aos Ministros, a Constituição também enfatiza que as Ministras Federais ou os Ministros Federais administram sua área de responsabilidade de forma independente e sob sua própria responsabilidade dentro do quadro político definido (Princípio Departamental).
Pois é, minhas amigas, meus amigos e mees amigues, cabe a todas, todos e todes vocês julgar se esse negócio de linguagem neutra de gênero faz algum sentido ou não – ou, como se diz lá em Minas: Tem base esse trem?
Pois é, Aldo. Se uma das maiores virtudes do estilo é a brevidade, fica-se muito longe disso com essa hipertrofia de flexões para atender ao que, ingenuamente, se supõe ser um ideal de igualdade. Chega de maltratar a língua!
Sensacional o artigo!
Sucinto e efetivo como sempre! Permita-me uma observação: a crônica de Ricardo Araújo Pereira não é de “ontem” ou anteontem, mas de 22 de fevereiro de 2018.
Obrigado, Júlio. Sobre a data, fui induzido ao erro pelo próprio site onde o artigo está publicado.
Lembrei agora de uma solução “sui generis” de defensores de pautas inclusivas para driblar o gênero masculino das palavras: substituir substantivos de gênero masculino por outros substantivos ou locuções femininas. Há algum tempo, um conhecido “progressista”, num artigo de jornal, em vez de dizer “os franceses derrubaram a Bastilha”, disse “AS PESSOAS FRANCESAS”. Desde que a palavra incômoda não seja de gênero masculino, não há problema. Ninguém implica com “testemunha”, “vítima”, “criança”…
Pois é, meu caro, pois é…
Prof. Aldo, então “o politicamente correto e a neutralização de gênero” é um fenômeno mundial?
Infelizmente, sim. A coisa surgiu nos EUA na década de 80 e segue firme e forte até hoje.