Qual é o correto: pulso ou punho?

Certa vez, tive uma dor no pulso, provavelmente causada pelo uso do computador, e procurei um ortopedista, que me corrigiu dizendo que eu não tinha dor no pulso e sim no punho, pois pulso é a pulsação cardíaca, que antigamente se media apalpando o punho (alguns médicos ainda fazem isso hoje).

Respeito muito a terminologia médica, embora ainda não tenha assimilado muito bem o porquê de certas mudanças, como a de rótula para patela ou de aparelho digestivo para sistema digestório, mas isso é outra conversa. Também compreendo que os médicos não queiram confundir o pulso, no sentido de pulsação, com o punho, parte do antebraço que se liga à mão. Mas o fato é que eu não estava errado ao chamar o punho de pulso, pois, primeiramente, os dicionários efetivamente registram no verbete pulso a acepção de “parte do antebraço”. Em segundo lugar, quase toda designação tem uma origem metafórica ou metonímica. Assim, o pulso enquanto parte do corpo tem esse nome justamente porque é nele que os médicos verificam a pulsação cardíaca. Logo, tomar o pulso passou a significar tanto “tomar, pegar o punho do paciente” quanto “tomar (isto é, examinar) a pulsação cardíaca”. Na verdade, faz-se o primeiro para fazer o segundo. Se devêssemos rejeitar a denominação pulso enquanto parte do corpo por ser uma metonímia, então também deveríamos rejeitar punho, já que vem do latim pugnus, que significa “soco” e deriva do verbo pungere, “bater”. Aliás, daí vêm os verbos impugnar, repugnar e propugnar, bem como pungir, pungente e punção. Por fim, teríamos de renomear o relógio de pulso para relógio de punho. Será que pegaria?

7 comentários sobre “Qual é o correto: pulso ou punho?

    1. Nem tanto. A desinência -ário/-ório/ -eiro – eira (lat. -arius, -aria, -arium) dá sentido daquilo que porta função de algo, seja producente ou armazenante.

      Exempli gratia:
      – Ferroviário, função de trabalho (érgon) em ferrovia;
      – Bibliotecário, função de trabalho (érgon) em bibliotecas;
      – Boticário, função de trabalho (érgon) em bodegas, botigas, boticas (que são locais de armazenação);
      – Cartório, função de armazenar papeis (charta);
      – Respirátório, função de trabalho (érgon) em espiração, inspiração, expiração, respiração;
      – Digestório, função de trabalho com disgestão, consupção de alimentos;
      – Loureiro, producente de Louro
      – Laranjeiro, producente de Laranja
      – Presidiário, não é quem está preso, mas aquele que trabalha no praesidium

      Voltando ainda para digestão, substantivo que significa “ato de digerir”, teremos que ver o significado por trás da palavra. Gestão é a ação de gerir, carregar, portar, “ferre”. Já o afixo di-/dis- possuem como um dos significados a idéia de separação. Divulgar seria tornar algo vulgar a vários vulgos (vulgus = populus). Difundir seria levar ao fundo (derramar), misturar, fazer fusão e difusão a todas as direções. Digerir seria portando gestar o alimento para verias partes do corpo, função feita pela degradação do mesmo no estômago, absorção pelo intestino e posteriormente carregando nutrientes pelos vasos mesentéricos.

  1. Como médico, também me questiono muito sobre algumas terminologias que alguns colegas usam. Nesse caso, porém, entendo pulso como o resquício do partícipio do verbo “pello, -ere” que significa bater, empurrar, exercer força contra alguma mídia, seja ela material, como no uso em questão, seja ela eletromagnética.

    Fica mais claro quanto lembramos do frequentativo resultante do supino ou do particípio, Pulsum, que converte a “pulso, -are”, o hodierno pulsar.

    Contudo, creio que ainda no sentido lato da palavra pulsar. Veja que no passado não se dizia “bater a porta” no sentido de que usamos para demonstrar que queremos que alguém a abra. Dizia-se “pulsare ianuam” e quem batia o fazia utilizando os punhos. Só que “pugnare aliquod” era uma coisa e “pulsare aliquod” outra coisa distinta.

    Voltando a questão médica, creio que ocorreu muita pretensão por parte do profissional. Veja, a linguagem médica é apenas um código, como tantos outros. Por isso, ele não pode assumir que a forma correta é simplesmente aquela. Outrossim, teríamos que rever nomes de doenças, sintomas e partes anatômicas mendaciosos como por exemplo fígado (ninguém tem figo no “Jecore”) ou acetábulo, osso que articula a cabeça do fêmur com o osso do quadril, afinal, falamos de um osso e não de um vasilhame portante de “acetum’ ou vinágre. Pior ainda, teríamos que corrigir os mais soberbos ortopedistas que chamam de úmero ao osso do “Bracchium”, uma vez que úmero é, de fato, nada mais nada menos que “ombro”.]

    Mais uma vez culpo esse desconforto, como tantos outros, a falta de interesse educacional em querer incluir humanidades, línguas clássicas, etc, nos conteúdos básicos. Pessoas inventam e reinventam termos sem nenhum senso crítico e as vezes sem conhecimento algum dos seus significados. A quantidade de conteúdo que poderia ser produzido se entendêssemos que nossa língua é flexional sintética; poderíamos nos comunicar criando cada vez mais termos e palavras sem termos que nos preocupar que alguém nos corrigiria com o frustrante “essa palavra não existe, não tá no volp”.

  2. Bom dia, Mestre.
    Eu, se fosse o senhor, enviaria ao ignorante uma cópia desse texto, sugerindo que a pendurasse ao lado dos diplomas que, por certo, exibe na parede da sala de espera.

  3. Pois é, Prof. Aldo… A existência de um vocabulário técnico (seja da medicina, da engenharia ou de qualquer outra área) não implica que os termos equivalentes da linguagem comum ou popular sejam errados, inadequados ou devam ser proscritos.
    A adoção do termo “patela” pelos biólogos e médicos não proíbe que o povo continue a dizer “rótula”. O peixe-boi não é peixe nem boi, e há séculos se sabe que o Sol não nasce nem se põe, o que não impede que continuemos a usar tais termos, que nos respectivos registros de fala são tão corretos quanto os outros.
    Certo estava Câmara Cascudo quando disse: “O povo conhece seu vocabulário”.

  4. A tentativa de “dar o nome correto” das coisas, tanto é uma necessidade técnica (no caso da medicina, não se pode produzir um relatório com base na linguagem comum, porque vai confundir, é lógico), quanto é uma indicação da língua padrão. Isto mesmo, a língua padrão se preocupa com
    “o nome certo’, fazendo concessões apenas quando acontece um processo metafórico cuja legitimidade depende do valor do falante (Machado de Assis pode, eu, não). Esta mentalidade, para além de ser uma providência pragmática, deriva da noção arraigada de que o nome tem a ver com a coisa, e vice-versa.
    Não tem como evitar, nunca vai ter como evitar tais contratempos, dado o caráter social de linguagem. [caneta], como signo, tem um endereço a que chamamos de {significado}, e, conforme a língua padrão, poucos estão autorizados a mudar esta relação.

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