Olá, Professor! Gostaria de saber de onde vem o sufixo de palavras como “gentalha”, “parentalha” etc. Muito obrigado.
Wilberley Araújo Gomes
O português tem muitas palavras terminadas em -alha, como as citadas gentalha e parentalha, e também canalha, migalha, muralha, mortalha…
Também tem palavras terminadas em -ália, como genitália, parafernália e Tropicália. Ambos os sufixos provêm do latim -alia, plural neutro de -alis, sufixo que em português forma adjetivos como nacional, central, cultural, etc. A diferença é que -alha nos chegou por herança latina ou empréstimo de outra língua românica, enquanto -ália é forma culta, vinda do latim por empréstimo.
O sentido latino desse sufixo era plural e coletivo. Assim, se genitale era a redução por elipse da expressão genitale organum (“órgão genital”), o plural genitalia significava “os genitais” (novamente subentendendo “órgãos”). Igualmente, Saturnalia eram as Saturnais, festas em honra do deus Saturno (redução de Saturnalia festa, plural de Saturnale festum, “festa saturnal”). Como a festa durava vários dias, era natural que se usasse sua denominação no plural. E paraphernalia eram os pertences pessoais que a noiva levava para seu novo lar após o casamento. Muitas dessas palavras passaram ao português em sua forma erudita, introduzidas por literatos, como genitália e parafernália. Outras herdamos diretamente do latim e, nesse caso, houve evolução fonética transformando o l seguido de i na consoante palatal lh. Foi assim que o latim Parentalia, “festa anual em homenagem aos parentes mortos” (plural neutro de parentalis, derivado de parentes, “antepassados, parentes”) resultou no português parentalha, com o sentido de “reunião de parentes, conjunto de todos os parentes”. A partir daí, o sufixo -alha se tornou produtivo na formação de coletivos, especialmente depreciativos, como gentalha (reunião de gente baixa, populacho, ralé). Aliás, canalha, que nos chegou do italiano canaglia (o sufixo italiano -aglia tem a mesma origem e significados que o português -alha) também significa “ralé, populacho, escória”, portanto tem sentido coletivo, e posteriormente passou a designar também o membro dessa classe. E como a tradição costuma associar às pessoas de baixa extração social os piores defeitos, daí para “canalha” passar a significar “calhorda, patife” foi um pulinho. Da mesma forma, migalha é um diminutivo um tanto quanto depreciativo de miga, que já é por si só qualquer coisa insignificante.
Aqui um comentário: o italiano canaglia era um coletivo de cães (cane em italiano), não em seu sentido literal de matilha de cachorros e sim no de pessoas biltres. É que em italiano cane também significa “biltre, patife, calhorda”, como na expressão figlio di un cane, cujo equivalente em português acho que não preciso mencionar, né?
Portanto, nós seres humanos sempre atribuindo aos pobres animais os defeitos que são nossos e exclusivamente nossos!
O sufixo culto -ália se presta à formação de nomes designativos de reuniões de pessoas, como o movimento musical da Tropicália (reunião de músicos de um país tropical) ou a Carnavália, feira de negócios relacionados ao Carnaval (e também título de uma canção dos Tribalistas).
Mas atenção: nem toda palavra portuguesa terminada em -alha ou -ália possui esse sufixo. Palha vem do latim palea, tralha vem de tragula, fornalha de fornacula, navalha de novacula, e assim por diante.
Gostei deste artigo, foi elucidativo sobremaneira. Porém este trecho que segue aqui:
“Da mesma forma, migalha é um diminutivo um tanto quanto depreciativo de miga.”
O afixo -alha que foi referido logo no início do texto como o plural neutro do afixo latino -ilis, que são desinências derivativas de adjetivos, não tem a mesma origem do -lha de substantivos, que é o caso de:
Ovis > ovicula > ovic’la> ovelha
Apis > Apicula > apic’la > abelha
Mica > micacula > micac’la> migalha
Logicamente o sobrescrito foi um tentativa de condensar processo de adição de diminutivo latino, sícope, palatalização e sonorização de consoantes surdas.
Mica entretanto significava pedaços, fragmentos, decompostos de matérias podres (podre no sentido de friável, de puter, não putridus). Por sua vez, micaculas, farelos.
Curiosidade, hoje em portugal ainda existe um prato feito com pedaços de pães que são denominados migas portuguesas, daí temos o de uso corrente “migalhas de pão” como sendo fragmentos menores.
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Por favor, gostaria que você me indicasse a fonte dessa etimologia “micacula”, pois os dicionários etimológicos que consultei indicam que “migalha” deriva de “miga” (do latim “mica”) com o sufixo “-alha”. Nenhum deles aponta para um étimo latino “*micacula”. Além disso, o sufixo diminutivo latino “-culus, -cula, -culum” se aplicava a substantivos da 3ª, 4ª e 5ª declinações, como nos exemplos que você deu de “ovis” e “apis”. Nos substantivos de 1ª e 2ª declinações, o sufixo diminutivo era “-ulus, -ula, -ulum”, logo o diminutivo esperado de “mica” seria “*micula” e não “*micacula”. Um abraço e obrigado pelo seu comentário.
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É possível que de uma forma “micula” tenham vindo o substantivo feminino “micha” e o adjetivo “micho/a”, ou diretamente do latim ou através do francês “miche”, que é um tipo de pão rústico. O Caldas Aulete define “micha” como “migalha de pão” ou “pão feito de farinhas misturadas”.
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Acredito que fora no História da Língua Portuguesa de Paul Teyssier, posteriormente traduzido para o português por Celso Cunha.
Mostra a evolução da língua por fases desde o latim, período medieval, galego-portugues, até as variantes setentrionais lusitanas – mais conservadoras – e a meridionais com influência moçárabe.
Fala ainda da diferença hodierna do português brasiliano e lusitano atual. O português brasileiro é, por vezes, mais semelhante ao português clássico em relação ao lusitano atual, inclusive foneticamente.
Acredito que migalha foi justamente ao mencionar essa síncope de vogais fracas de diminutivos e palatalização posterior do P’L e C’L como em: chumbo, chama, chato, chegar.
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Se você conseguir encontrar a página exata do livro em que está essa etimologia, eu agradeço. Como eu disse, os dicionários etimológicos não registram esse étimo.
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Procurei nessa fonte e não consegui encontrar a referênci. Não foi nela que vi infelizmente.
Agora não recordo onde foi, pois vi outros exemplos desses que citei neste livro, como oculus > oc’lo> olho. Contudo, também não foi aqui que vi o de apicula e ovicula.
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O wiktionary tem uma pagina sobre essa reconstrução de micacula.
Inclusive menciona o sufixo -culus, ao invés de -ulus, -ula, -ulum, presente em palavras onde não há originalmente uma consoante de articulação glossovelar.
Exemplo
Os, oris > osculum
Lepus, leporis > lepusculus
Arbor, arboris > arbusculus
Esse conheço da área médica
Caro, carnis > caruncula
Ab Caruncula himenalis
Esse é mais conhecido vulgarmente
Clavis, Clavis > Clavicula
Segue o link para as duas explicações, as referências estão no sítio:
1.https://en.m.wiktionary.org/wiki/-culus#Latin
2.https://en.m.wiktionary.org/wiki/Reconstruction:Latin/micacula
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Apenas para complementar nosso bate-papo etimológico, fui ao ‘Französisches Etymologisches Wörterbuch’, de Wartburg, p. 71 ss., conforme indicado no link que você colheu no Wiktionary, e lá o autor fala sobre os diversos descendentes e derivados franceses do latim “mica”, inclusive “miaille”, cognato do nosso “migalha”, mas em nenhum momento ele apresenta o étimo “micacula”, que, aliás, que eu saiba, jamais foi documentado. Ou seja, parece que foi ‘viagem’ do Wiktionary rs.
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É uma pena que você não tenha encontrado a fonte. Em etimologia, nada é 100% certeza, mas, até o momento, a etimologia “miga” + “-alha” = “migalha” parece ser a mais forte (pelo menos é consenso entre os dicionários etimológicos), de modo que continuo a apostar nela.
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Sem problema algum. Essa discussão me retornou bons frutos em pesquisas aqui.
Não sabia o que significava carúncula himenal, em termos literais, apenas anatômicos devido uma de minhas formações acadêmicas.
Parva carne himenal.
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Ouso dizer quem em ciência alguma existe certeza, pois deixaria de ser ciência e viraria fé.
A dúvida é a motriz.
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