Os processos cognitivos e o funcionamento da mente

O que é a mente? Essa questão vem inquietando há séculos os filósofos e os cientistas. Sabemos que a atividade mental é uma das características que distinguem os animais das plantas e dos seres inanimados e que, nos animais superiores, como nós humanos, essa atividade produz algo ainda mais intrigante, que é a consciência.

Para muitos pensadores do passado (e ainda alguns do presente), o conceito de mente se confunde com o de alma ou espírito. O fato de percebermos a realidade, pensarmos e sentirmos é visto por eles como algo divino, sobrenatural, um dom dado por Deus a certas criaturas e não a outras. Já para a moderna neurociência, a mente nada mais é do que o cérebro em funcionamento: são as reações químicas e as descargas elétricas que ocorrem nas sinapses de nossos neurônios cerebrais que produzem em nós a consciência e, com ela, sensações, emoções, imagens mentais e nosso discurso linguístico interno.

A atividade da mente consciente pode ser explicada pelo modelo dos processos cognitivos enunciado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung no livro Tipos psicológicos.

Os processos cognitivos dividem-se em dois tipos: processos de percepção e processos de julgamento. Os processos de percepção constituem-se nos canais de entrada das informações na mente. Fazendo uma analogia com um computador, podemos dizer que os processos de percepção correspondem ao input, isto é, à entrada de dados na máquina, como quando digitamos algo no teclado ou inserimos um pendrive. Há dois tipos de processos de percepção: a sensação e a intuição.

A sensação consiste nos cinco sentidos básicos do ser humano: visão, audição, tato, olfato e paladar. Portanto, percepções sensoriais são estímulos produzidos pelos fenômenos físicos externos ao nosso corpo e que este é capaz de reconhecer por meio dos órgãos dos sentidos e enviar ao cérebro, como a luz que chega à nossa retina e, através do nervo óptico, é levada como impulso elétrico à região do cérebro responsável pela sua “tradução” em termos de imagem. O mesmo vale para o som em relação aos ouvidos, o tato em relação à pele, e assim por diante.

A intuição, por vezes chamada erroneamente de “sexto sentido”, manifesta-se por meio de lembranças, lampejos, insights, atos de imaginação, momentos de inspiração, sonhos, delírios, alucinações, etc. Todos os conteúdos mentais (imagens, sons, palavras, sensações) que afloram à nossa consciência e não provêm diretamente de estímulos externos (sensoriais) ou do raciocínio são fruto da intuição.

Ela é tecnicamente a emergência ao nível consciente de memórias estocadas (Freud diria “recalcadas”) no inconsciente. Afinal, tudo o que vivenciamos a cada instante de nossa vida é registrado por nossa consciência, mas a maior parte dessas informações não fica nela nem em nossa memória de curto prazo: elas vão direto para o inconsciente e lá ficam guardadas por toda a vida. Por sinal, é justamente porque não podemos nos lembrar de tudo o que vivenciamos que não ficamos loucos. Só que, de repente e de maneira inexplicável, num dado momento aflora à nossa lembrança um fato ocorrido muitos anos atrás e do qual já não nos lembrávamos até porque não tinha maior importância. Mas algo no momento presente suscitou o resgate dessa memória inconsciente.

Essas memórias, por serem inconscientes, não podem ser acessadas diretamente pela consciência, ao contrário das memórias subconscientes, que podem, a qualquer momento, ser recuperadas, como, por exemplo, meu nome, endereço, número de telefone e outras informações que, embora não estejam na minha consciência a todo momento, podem ser facilmente trazidas a ela quando requisitadas. Nesse sentido, podemos considerar as memórias subconscientes como a pasta “Meus Documentos” do nosso cérebro e a consciência como a tela do nosso computador cerebral. Quando precisamos de uma determinada informação (digamos, meu número de telefone), basta abrirmos uma espécie de arquivo “Meu_telefone.docx” da nossa pasta cerebral “Meus Documentos”, isto é, do nosso subconsciente, e o número do telefone desejado aparece na tela do nosso computador, ou seja, vem à nossa consciência.

Já o conteúdo do inconsciente corresponderia, grosso modo, àqueles arquivos ocultos do computador, aos quais não podemos ter acesso, mas que de alguma forma interferem no desempenho da nossa “máquina”. Esse conteúdo revela-se à consciência por meio de sonhos, práticas meditativas, e também pode aflorar aleatoriamente, como quando temos um “estalo” e descobrimos, de modo não intencional, algo de que até então não tínhamos nos dado conta. É o insight, a chamada inspiração. Não à toa, o que chega à nossa consciência a partir do inconsciente é uma combinação, por vezes aleatória, de informações lá arquivadas. Quando um compositor recebe a inspiração para uma nova melodia, isto é, começa a ouvir mentalmente uma música que até então não existe fora de sua mente, o que ele está ouvindo – e, portanto, criando – é uma nova combinação de notas e acordes que ele, como músico, já conhece porque já ouviu muitas vezes, uma espécie de recortar e colar de muitas melodias já existentes e já estocadas em sua memória. É por isso que um indígena do Xingu que nunca teve contato com o homem branco jamais sonhará que está regendo uma orquestra sinfônica. Ele provavelmente sonha todas as noites com caçadas na floresta, animais e plantas de seu habitat, com sua aldeia, seus familiares, e outras coisas do gênero.

Uma vez que a consciência tenha captado informações provenientes do meio externo através dos sentidos ou do inconsciente por meio da intuição, a mente agora precisa processar essas informações. É aí que entram em ação os processos de julgamento. Eles são os responsáveis pelo processamento dessas informações no cérebro e equivalem, na metáfora computacional, ao throughput, isto é, ao processamento dos dados pelos softwares do computador. A mente humana processa as informações da consciência por meio de dois “softwares” básicos: a razão (isto é, o pensamento, o raciocínio) e a emoção (os sentimentos). Isso significa que, quando uma informação qualquer chega à nossa mente via sensações ou intuição, ela suscita em nós pensamentos e/ou sentimentos.

Os sentimentos ou emoções que surgem em nossa consciência, como alegria, medo, saudade, tédio, como resposta a percepções ou pensamentos são na verdade reações bioquímicas produzidas por hormônios e neurotransmissores como a adrenalina, a dopamina, a endorfina, a acetilcolina e outros. Por isso mesmo, muitas emoções que sentimos são acompanhadas de reações corporais, como arrepios ou suores.

Por sua vez, o que chamamos de pensamentos são o produto da nossa razão, ou raciocínio; pensamentos são, na prática, enunciados linguísticos mentais, algo como um diálogo interno entre nós e nós mesmos. Esse diálogo não necessariamente ocorre somente por meio da língua que falamos (o português, por exemplo); na verdade, o pensamento se processa numa linguagem puramente cerebral a que os neurocientistas e os linguistas dão o nome de mentalês, do qual falo em outra postagem, e na qual todas as línguas naturais, isto é, os idiomas humanos, se baseiam. Em linguagem computacional, o mentalês é o sistema operacional no qual rodam todos os “programas” que são as línguas. É como se, para executarmos o software “Português.exe” ou “English.exe”, precisássemos de um sistema operacional pré-instalado chamado “Mentalês®”. Nós, brasileiros, produzimos o tempo todo, ininterruptamente, nossos discursos mentais – uma pequena parte dos quais se transforma em discursos orais ou escritos que externamos aos outros seres humanos – no software “Português.exe”, que é como nosso processador de texto, e é nesse “Word” que redigimos mentalmente nossos pensamentos.

A resposta aos pensamentos e sentimentos que surgem em nossa mente (o equivalente ao output dos computadores) não é um processo cognitivo, mas uma reação aos estímulos que as informações do meio produzem em nós. É em geral uma conduta motora, isto é, uma ação. Por exemplo, ao ouvirmos (sensação auditiva) alguém nos pedir para fechar a porta, compreendemos intelectualmente esse pedido por meio do pensamento e respondemos com a ação motora de caminhar até a porta e fechá-la. Quando assistimos a um filme triste (sensações visual e auditiva), surgem pensamentos e emoções em nossa mente, aos quais podemos eventualmente responder com a ação de chorar. Mesmo ações reflexas, como desviar instantaneamente e sem pensar de uma pedra que é atirada em nossa direção, são respostas motoras a uma percepção sensorial (a visão da pedra se aproximando) e a um julgamento emocional (um susto).

Portanto, o que nossa mente faz o tempo todo, inclusive enquanto estamos dormindo, é captar informações do ambiente pelos sentidos e do inconsciente pela intuição e processá-los em forma de sentimentos e pensamentos. Numa palavra, são a sensação, a intuição, a razão e a emoção que comandam todas as nossas ações, sejam elas voluntárias ou involuntárias, conscientes ou inconscientes.

4 comentários sobre “Os processos cognitivos e o funcionamento da mente

  1. “Para muitos pensadores do passado (e ainda alguns do presente), o conceito de mente se confunde com o de alma ou espírito.”

    Interessante esse trecho pois no passado respirar ou, no caso, “spirare” era conduzir alma ou “animam ducere”.

    Os antigos acreditavam realmente no último suspiro. Quando a alma finalmente abandona o corpo. Não somente isso, a própria palavra ANIMAL é designada a todos os indivíduos que respiram ou que conseguem conduzir Anima.

    Tudo isso se torna mais interessante pois frequentemente presenciamos pessoas distinquido-nos dos animais, seja por considerarem que somos racionais e animais não, seja por motivos religiosos ao crer que as bestas não tem alma. Os antigos já tinham essa concepção que nós, modernos, não.

    Anima est aer quae in pulmones intrat et rursus e pulmonibus exit. Omnes qui spirant animalia sunt. Parva anima quam spiramus spiritus nominatur. Itaque, quis spirat animam ducit ac quisque animal semper animam et spiritum portat.

    1. Pois é, animal vem de anima, “alma”, que também se relaciona etimologicamente com o grego “anemós” (vento, sopro). A ideia de alma ou espírito está ligada em muitas tradições ao ato de respirar, já que, primitivamente, se associava a vida inteligente e consciente, portanto dotada de alma, à respiração.

  2. Eu já havia estudado os άνεμοι gregos, nunca havia associado-os com a palavra anima, o que enriquece muito mais o significado com o sentido de espirito como expiração. Seria interessante saber a visão do proto-indo-europeu sobre o assunto.

    1. A ideia da vida como sopro parece comum a muitas tradições antigas. A Bíblia, de origem judaica, portanto sem conexão histórica com o indo-europeu, também trata do “sopro de vida” que Javé dá às suas criaturas feitas de barro. O Golem, monstro da tradição judaica, ganhou vida após ter sido insuflado (sufflare = soprar).

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