Atualmente, usam-se cada vez mais expressões como “questão de gênero” quando se debatem problemas relativos à discriminação e aos direitos das mulheres, dos homossexuais e dos transexuais (já correntemente chamados de “transgêneros”). Já que não se trata de questão linguística, mas de diferença e discriminação entre os seres humanos quanto a seu sexo, é apropriado o uso da palavra “gênero” nesse caso?
Nota-se, de algum tempo para cá, a tendência a empregar a palavra “gênero”, antes reservada ao discurso da gramática, no sentido de “sexo” (masculino ou feminino). Existe uma óbvia diferença entre o gênero gramatical e o sexo biológico. Afinal, alguns idiomas atribuem gênero masculino ou feminino a substantivos inanimados ou assexuados, enquanto outros atribuem gênero neutro a esses substantivos ou então prescindem completamente da noção de gênero. Mesmo em línguas que fazem essa distinção, o gênero gramatical não necessariamente coincide com o sexo biológico: em alemão, por exemplo, Mädchen (“menina”) é do gênero neutro.
De onde veio, então, essa tendência a usar “gênero” em lugar de “sexo”? Vários fatores concorreram para isso.
Em primeiro lugar, a ambiguidade da palavra “sexo”, que tanto pode se referir à distinção masculino/feminino quanto ao ato sexual. (Há até algumas anedotas brincando com essa ambiguidade, como a do sujeito que, ao preencher um formulário, respondeu: nome – José da Silva; idade – 38 anos; sexo – 7 vezes por semana.)
Em segundo lugar, há uma pitada de “politicamente correto” nessa história, já que “gênero” seria, supostamente, uma palavra mais “neutra”, sem conotações sexistas.
Em terceiro lugar, temos a influência do jargão acadêmico, já que esse emprego surge primeiramente em textos de sociologia e antropologia, sobretudo em inglês. Aliás, é cada vez mais comum nos países de língua inglesa o uso de gender em lugar de sex em formulários e cadastros, tanto que o biólogo britânico Richard Dawkins, o maior evolucionista da atualidade, se levanta contra esse uso no livro Desvendando o arco-íris, até porque “gênero” em biologia designa outro conceito, o de subgrupo que reúne várias espécies de uma mesma família (por exemplo, o gênero Homo, ou gênero humano).
Ou seja, se um cientista do porte de Dawkins considera equivocado esse emprego, é algo a ser seriamente considerado. Outro dado a ser levado em conta é que a maioria dos dicionários ainda não abonou o emprego de “gênero” nessa acepção, exceto no discurso das ciências sociais. Daí porque, do meu ponto de vista, a acepção de “gênero” como “sexo” ainda está restrita ao jargão sociológico. Só que é cada vez mais comum que termos técnicos escapem do universo estritamente acadêmico para invadir até os bate-papos de boteco. Foi assim que “neurose” e “esquizofrênico” deixaram há muito de ser termos exclusivos do ambiente médico.
Em resumo, quando se emprega numa conversa ou em matéria jornalística a expressão “questão de gênero”, faz-se óbvia referência ao discurso sociológico. Não dá para dizer que esse uso está errado; no entanto, em hipótese alguma se pode afirmar que o emprego de “questão de sexo” esteja. Qualquer objeção nesse sentido não passa de patrulhamento ideológico.
Penso que a troca de um termo por outro tem também um propósito eufemístico. Falar em gênero predispõe à aceitação das identidades sexuais fronteiriças, não acha?. É como se a abolição da palavra sexo de alguma forma apagasse a (preconceituosa) visão tradicional.
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É verdade, Chico. Mas muitas vezes a linguagem politicamente correta troca seis por meia dúzia. Por exemplo, qual é a diferença entre homossexualismo e homossexualidade? E a diferença entre deficiente e portador de deficiência? A substituição de sexo por gênero (e de transexual por transgênero) me parece um desses casos: estigmatiza-se uma palavra inocente e põe-se no seu lugar outra palavra anódina, até que esta também fique prenhe de conotações negativas. Já antevejo o dia em que “gênero” também será considerada palavra sexista e acabará substituída por outro termo.
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Doutor Aldo, na escola em que trabalho, eu e meus colegas de Biologia não aceitamos que se fale em “questão de gênero” na sala de aula quando um aluno quer se referir ao sexo biológico de alguém, por acreditarmos que essa expressão é totalmente inadequada, pelos motivos que o senhor expôs tão bem no artigo.
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Acho que vocês precisam ler outros artigos para opinarem. Demonstram que não entenderam em nada o porquê do uso do termo gênero!
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