Carta ao presidente Lula

Prezado senhor presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, antes de mais nada, quero esclarecer que, no primeiro turno da eleição deste ano, não votei nem no senhor – ou melhor, em Vossa Excelência – nem no seu arquiadversário (ou deveria eu dizer “arqui-inimigo”?) porque não simpatizo com populistas nem de esquerda nem de direita. Por outro lado, neste segundo turno me vi obrigado a votar em V.Ex.ª, mesmo tendo de tapar o nariz para o odor fétido exalado do Mensalão, do Petrolão do triplex no Guarujá, do sítio de Atibaia e das inúmeras confissões de delatores e outras provas de corrupção pelo simples motivo de que, dos dois candidatos que chegaram ao segundo turno, V.Ex.ª era o “menos pior” e o fato é que nem toda a corrupção dos governos do PT se compara ao mal que Bolsonaro fez e continua fazendo ao Brasil. Em todo caso, parece que temos sempre de nos contentar com o menos ruim, já que o bom e o ótimo nunca estão ao nosso alcance.

Ainda assim, quero dar-lhe os parabéns pela vitória e desejar-lhe muita sorte em seu governo, esperando sobretudo que V.Ex.ª e não o Centrão ou os sindicalistas do PT governem este país.

Mas quero acima de tudo lhe fazer um pedido: cuide com especial carinho da educação de nosso país. Por favor, durante seu mandato, ofereça a todos os cidadãos a tão sonhada e necessária educação pública e gratuita de qualidade, pois só com ela, com bons e bem remunerados professores e boa infraestrutura escolar, conseguiremos sair de nossa triste condição de gigante eternamente adormecido, deitado em berço esplêndido, que assiste a outras nações emergentes, com muito menos riquezas e potencial do que a nossa, passarem à nossa frente enquanto permanecemos este país que não deu certo, esta eterna republiqueta bananeira disfarçada de grande nação.

Sim, Sr. Presidente, porque a educação é a solução para todos os nossos problemas. Não adianta falar em gerar empregos – claro, gerar empregos é importante para o país crescer, mas, mesmo com toda a crise econômica, não há falta de empregos, há empregos sobrando; o que falta é mão de obra qualificada para preencher essas vagas. Ou seja, falta educação, falta qualificação profissional. De nada adianta gerar subemprego, trabalho braçal com salário mínimo que jamais tirará o trabalhador da pobreza.

A única solução para acabarmos com essa vergonha que é nossa monstruosa desigualdade social é a educação de qualidade. Quando as crianças e adolescentes da periferia puderem estudar em tempo integral em escolas com três refeições diárias, banheiros limpos e decentes, biblioteca, brinquedoteca, laboratórios, quadra e ginásio de esportes bem equipados, consultório médico, dentário e psicológico, estiverem livres de violência (interna e externa) e puderem seguir assim até o fim do ensino médio, sem precisar interromper seus estudos para trabalhar ou para fugir de tiroteios, esses estudantes poderão entrar nas melhores universidades sem precisar de cotas sociais ou raciais – e poderão pleitear bons empregos. E, com bons empregos, poderão finalmente deixar a periferia.

Com isso, a própria periferia deixará de ser lugar de criminalidade, e os bandidos não terão mais onde se esconder nem como usar a população pobre como escudo humano contra a polícia. Com melhor educação, a pobreza e a violência diminuirão muito, e precisaremos gastar menos com assistência social e segurança pública.

Com melhor educação, e consequentemente melhor renda, as pessoas se alimentarão melhor e terão melhores condições de higiene; logo, precisaremos gastar menos com saúde pública.

Mais bem educadas e com melhor nível de vida, as pessoas precisarão recorrer menos a igrejas caça-níqueis que vendem falsas esperanças em troca dos suados dízimos. Com isso, nossa TV aberta e nossas rádios AM (e também algumas FMs) deixarão de ser dominadas por essas igrejas e seus pastores mercenários. Aliás, um povo bem educado é sempre um povo mais racional e secularista e menos propenso ao fanatismo religioso. Assim, sacerdotes picaretas deixarão de ter o poder que têm hoje de manipular multidões em seu próprio proveito e de amealhar fortunas em mansões e fazendas, canais de rádio e televisão, jatinhos particulares e contas milionárias no exterior. Consequentemente, também deixarão de ter o poder de eleger gigantescas bancadas nos legislativos que tentam impor a toda a população suas crenças e seu modo de vida como se o Brasil fosse uma teocracia.

Com mais e melhor educação, as pessoas não deixarão por certo de dar muita importância ao futebol, às telenovelas e ao Carnaval, paixões de nosso povo, mas compreenderão melhor o valor da pesquisa científica, da inovação tecnológica, da cultura e da arte de qualidade e não deixarão que essas áreas fiquem à míngua para que projetos eleitoreiros de ocasião sejam priorizados. Com mais e melhor educação, certamente deixaremos de ser este país brega que somos – e que no passado não éramos.

Numa nação mais bem educada e, portanto, mais desenvolvida, haverá menos feminicídios, menos homofobia, menos racismo, menos destruição do meio ambiente e menos tudo o que hoje nos envergonha perante as nações desenvolvidas.

Mas não é só isso: com mais educação, as pessoas saberão votar com mais consciência e escolher melhor seus governantes e representantes. Desse modo, os políticos fisiológicos do Centrão, os coronéis latifundiários do Nordeste, a bancada da bala, a bancada ruralista, a bancada da Bíblia, tudo isso será reduzido a seu devido tamanho, e os parlamentos (federal, estaduais e municipais) refletirão de fato a composição do povo brasileiro em gênero, cor, etnia e idoneidade.

Sr. Presidente, V.Ex.ª não pode errar desta vez como errou no passado, deixando o poder subir-lhe à cabeça e sentindo-se acima do bem e do mal, senão todos sabemos quem poderá voltar ao poder. Tudo é uma questão de como V.Ex.ª deseja passar à História: como o estadista que fez a grande revolução que nosso país precisa ou como mais um político que apenas passou pelo poder enquanto o Brasil permanece o país do futuro – que talvez nunca chegue.

4 comentários sobre “Carta ao presidente Lula

  1. Esta carta é de utilidade pública!

    É nisto que também acredito: educação. Especialmente investimento na educação básica.

    Infelizmente, meus sentimentos são de tristeza e desesperança. Tristeza por quanto desperdiçamos; desesperança por esse cenário que vemos.

  2. Ele precisa muito ler sua carta,professor!!! O único caminho de salvação desse país,sem dúvida,educação de qualidade para quem não pode pagar por uma!

    Parabéns!!!👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾

  3. Caro Aldo:

    Há, em economia da educação, diversos estudos que mostram que os países enriquecem primeiro e educam depois. A Inglaterra da Revolução Industrial e, como ela, toda a Europa Ocidental, enriqueceu primeiro e educou depois a população. A Índia atual prova que, para enriquecer um país, basta educar uma ínfima parcela da população.

    Isto para dizer que a importância da educação não está atrelada ao seu contributo ao desenvolvimento econômico. A educação é importante ainda que pouco contribua para ele.

    E olhe que não sou de esquerda, dos que criticam a mercantilização do ensino e a sua submissão aos interesses do mercado: eu sou liberal em economia e nos costumes e conservador em política (contrário a mudanças institucionais abruptas gestadas por intelectuais de gabinete). E, pense o que quiser de mim por causa disso, votei no Bolsonaro, apesar dos muitos pesares, por não votar na esquerda nem sequer para supostamente “salvar” o Estado Democrático de Direito, que corria mesmo um risco muito alto por causa das bravatas de Twitter do Bolsonaro…

    Mas não quero desviar do tópico.

    Educação também não é necessariamente antídoto ao fanatismo religioso. Uma pessoa analfabeta com propensão a ser mais cética está mais protegida contra o fanatismo do que um pós-doutor com maior propensão a crenças totalizantes que dão conforto psicológico. Há pessoas extremamente cultas que, a despeito disso, são extremamente radicais, fanatizadas nas suas próprias crenças. É o caso de alguns padres que conhecem profundamente a teologia e a filosofia cristãs e a história da igreja, e, no entanto, são ultraconservadores, capazes de defender, consistentemente, o seu ultraconservadorismo.

    Educação é importante para a vida cívica, ou melhor, e para que não haja dúvidas sobre o sentido da expressão, para a civilidade na vida em sociedade.

    Eu, na verdade, acho muito prejudiciais esses discursos grandiloquentes, mas crivados de lugares-comuns, e aqui não quero ser desrepeitoso, mas apenas contundente na crítica, porque hiperbolizam os problemas na educação, cujas soluções dependem mais de gestão do que de inundar escolas e universidades de dinheiro (os economistas Cláudio Moura e Castro e Gustavo Ioschpe escreveram sobre isso anos a fio na imprensa geral, mas há, nos EUA, uma montanha de linhas de pesquisa nessa linha). Mais dinheiro, hoje, com as gestões de hoje ( e não falo da porcaria do MEC do Bolsonaro, mas das gestões das universidades e escolas), escorreria pelo ralo, se não houvesse, por exemplo, e para ficar no básico, remuneração variável por desempenho e exoneração dos maus docentes.

    Eu fiz dois cursos concorridos numa das 5 melhores federais do país e, além disso, fui laureado num deles, por ter tido a média mais alta na graduação. Saí da faculdade, não obstante, um ignorante. Não eram poucos os professores que faltavam ou se atrasavam mais que 15 minutos. (Uma se atrasava mais que meia hora; começamos a ir embora, porque o eatatuto da universidade permitia isdo sem que tivéssemos falta; ela passou a chegar atrasada em 29 minutos cravados.)

    Enfim, não há investimento nem lei nem nada que nos salve de nós mesmos, do nosso elevado grau de indigência intelectual e moral; indigência que nos levou a escolher dentre as duas piores alternativas que se apresentaram, e pouco importa qual fosse a menos ruim, porque ambas eram suficientemente ruins para que devessem ter sido descartadas no primeiro turno.

    Eu tenho 40 e, quando meu avô, morto aos quase 90 no ano passado, me perguntou, há uns 3 ou 4 anos, pessimista, sobre o futuro, me obriguei a avaliar as perspectivas sob o ângulo mais otimista que encontrei, porque achei uma maldade avalizar o extremo pessimismo de alguém que estava para se ir embora. Mas a verdade é que não tenho nenhuma esperança no futuro do país.

    Um abraço,
    Rodrigo.

    1. Rodrigo, concordo em grande parte com as suas ponderações. Na verdade, os pontos que coloco na minha “carta” sobre qualidade da educação não dependem de mais dinheiro (embora os cortes que a pasta da educação tem sofrido não se justifiquem) e sim de melhor gestão, o que equivale a uma gestão profissional e não política (isto é, de apadrinhados políticos do governo), mas isso é tremendamente complicado em termos de Brasil e seu presidencialismo de coalizão. Por sinal, Gustavo Ioschpe seria o meu ministro da educação se eu fosse presidente. A esse respeito, convido-o a ler um post meu do ano passado (https://wp.me/p6Nigb-jf) em que defendo algo na mesma linha do que você propõe.
      Quanto à questão religiosa, é certo que há pós-doutores fanáticos e analfabetos céticos, mas também é certo que os países em que o nível educacional da população é o mais alto, como a Coreia e os países escandinavos, são também os que têm maior índice de secularismo e mesmo de ateísmo. Em contrapartida, as populações mais fanaticamente religiosas são também as mais pobres (vide o mundo muçulmano, por exemplo).
      Para concluir, partilho com você o pessimismo sobre o futuro do nosso país, senão do mundo.

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