Um dos mitos mais arraigados entre os falantes do português é o de que só a nossa língua tem uma palavra para denotar o sentimento de tristeza causado pela ausência de algo ou alguém. Em primeiro lugar, é bom ter em mente que, se nem mesmo dentro de uma língua é possível encontrar sinônimos perfeitos, muito menos quando passamos de um idioma a outro.
No entanto, há expressões equivalentes em várias línguas para o sentimento que chamamos de saudade. Por exemplo, o espanhol tem añoranza, o inglês tem longing e yearning, o alemão tem Sehnsucht e Heimweh… Dizem mesmo que o polonês tem um equivalente exato (embora seja arriscado falar em exatidão em matéria de línguas) para o português “saudade”: é tęsknota.
E para expressar a falta de alguém querido, temos expressões como te extraño (espanhol), I miss you (inglês), tu me manques (francês), e assim por diante. Sem falar em nostalgia, palavra presente em muitos idiomas e originária do grego, em que quer dizer “saudade do lar, desejo de regressar” (de nóstos, “volta para casa”, e álgos, “dor”), sentimento experimentado pelos navegantes que passavam anos longe de casa e da família, como Ulisses na Odisseia (esse sentido também está presente no alemão Heimweh, de Heim, “lar”, e Weh, “dor”). Evidentemente, a nostalgia é, pelo menos para os falantes de português, um tipo específico de saudade: a que sentimos do passado, de um tempo em que éramos – ou pensávamos ser – mais felizes.
Seja como for, a nossa saudade provém do latim solitatem, “solidão”, a mesma palavra que deu o espanhol soledad. O que significa que a saudade estava originalmente ligada ao sentir-se só, abandonado, distante dos entes queridos. Para muitas pessoas, por sinal, estar longe de quem se ama é o mesmo que estar sozinho, ainda que em meio a uma multidão.
Quanto à separação silábica de saudade, os dicionários atuais só admitem sau-da-de. Entretanto, dicionários mais antigos, especialmente lusitanos, admitiam sa-u-da-de, com hiato – e muitos poemas até a época parnasiana trazem grafada a palavra como saüdade, para acentuar a separação entre o a e o u. Essa escansão se deve em parte às necessidades da métrica clássica e em parte a uma aproximação sonora com saúde e saudar (que se conjuga saúdo, saúdas, saúda, etc.). Aliás, o latim solitatem passou primeiro ao português soidade e só depois se tornou saudade. A explicação para essa passagem é obscura, mas uma hipótese plausível é que, assim como temos as variantes louro e loiro, coisa e cousa, soidade admitisse a variante dialetal soudade, que, por dissimilação ou influência de saudar, resultou na nossa saudade. O fato é que, embora o português e o espanhol sejam línguas irmãs, cada uma desenvolveu sua maneira própria de denominar esse sentimento.
Ótimo texto, Aldo! Sehnsucht, termo vinculado ao idealismo alemão, designa uma saudade indefinida, não se sabe de quê. Seu foco é o Objeto Perdido da psicanálise. Costuma-se distinguir a nostalgia (saudade do que se teve) da melancolia (saudade do que não se teve). A primeira pressupõe uma perda; a segunda, uma falta.
Penso que me sinto nostálgico quase que o tempo todo. Será que um dos motivos é porque o país sempre piora?
Alguém mais se sente nostálgico aqui?
Atavismo
As crianças, os poetas e talvez esses incompreendidos, os loucos, têm uma memória atávica das coisas. Por isso julgam alguns que o seu mundo não é propriamente este. Ah, nem queiras saber… Eles estão neste mundo há muito mais tempo do que nós!
Mario Quintana
Bom, isso é natural do ser humano; a infância de qualquer pessoa é sempre uma época melhor e, mesmo na fase adulta, quanto mais para trás, mais sonhos que ainda se queria realizar e menos planos frustrados.
Postagem ótima!
Caro Aldo,
Empatia tem cara de palavra antiga, de raiz grega óbvia, mas é jargão recente da psicologia, que se difundiu para a linguagem comum afetada, correto?
Como Vieira expressava a mesma ideia? Vieira está aqui como metonímia: refiro-me a todos que nasceram, viveram e morreram antes de nos convertermos, pouco a pouco, em psicanalistas de botequim, com os nossos traumas, a nossa depressão (ninguém sente mais apenas melancolia, que dizer então de uma singela tristeza), os nossos complexos etc.
Não concluo sem antes confessar que detesto a palavra empatia. E detesto também gratidão, em vez de obrigado, embora não me esqueça que obrigado nasceu como fórmula pedante, em lugar da então vernácula (qual era: agradecido, grato ?).
Talvez fosse “graças” mesmo, pois ainda hoje temos expressões como graças a Deus ou “graças a Fulano, consegui tal coisa”.