“Graal”: um verdadeiro fóssil linguístico

Algumas palavras podem se conservar na língua como fósseis vivos, tendo a sua evolução “congelada”. Por exemplo, a palavra “graal” (do latim gradalis) era de uso corrente na Idade Média e designava um tipo de cálice. Ficou particularmente conhecida por causa do Santo Graal, taça em que Jesus supostamente bebeu na última ceia e que também teria sido usada para recolher o seu sangue na cruz. Essa narrativa deu origem até a uma epopeia medieval francesa, depois traduzida para outras línguas, dentre as quais o português, em que ganhou o título de A demanda do Santo Graal (literalmente, “A busca do Cálice Sagrado”).

Essa palavra caiu em desuso logo após o fim da Idade Média e, por isso, parou de evoluir. No século XIX, com o avanço dos estudos literários e a volta do interesse por tudo que fosse medieval, a Demanda voltou à ordem do dia e a palavra “graal” do título voltou a ser usada, sempre em referência ao Cálice Sagrado. Hoje já existe um grande número de publicações, até mesmo na linha da autoajuda e do esoterismo, falando do graal. Esse termo também passou a ser usado em sentido figurado, como algo que se busca incessantemente para chegar à felicidade.

Se “graal” tivesse seguido a evolução natural da língua, hoje provavelmente seria “gral”. Como teve sua evolução congelada, permanecendo por séculos registrada apenas na epopeia medieval, manteve a forma fonética e gráfica que tinha na Idade Média, com os dois aa que normalmente teriam se fundido pelo processo da crase. É interessante que, hoje, “graal” soa como um estrangeirismo, muito embora seja um vocábulo legitimamente português. De fato, palavras vernáculas que permanecem fossilizadas em algum códice medieval e só vêm a ser “desenterradas” após vários séculos, tendem a ter o mesmo status de termos tomados de empréstimo a outras línguas.

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