O português é dessas línguas que costumam adaptar a grafia de palavras importadas ao seu próprio sistema ortográfico. Evidentemente, isso não acontece em todos os casos. Palavras como site e internet têm passado incólumes por esse processo – e olhe que já se vão lá quase trinta anos desde que surgiram em português. Às vezes, o aportuguesamento não se deu porque o empréstimo é ainda muito recente; às vezes, porque a adaptação gráfica resultaria numa forma estrambótica demais para ser assimilada pacificamente (pense-se em pitça e blutufe em lugar de pizza e bluetooth). Em alguns casos, como no universo da moda e da tecnologia, a manutenção da grafia original se deve ao status que esta carrega: imagine cordon bleu, termo chique (ou chic) de culinária, grafado cordomblê e sendo confundido com candomblé!
Mas alguns termos recém-chegados à nossa língua já estão sendo devidamente nacionalizados. É o caso de tuitar e tuíte, do inglês tweet, que significa tanto o verbo “piar” quanto o substantivo “pio”. Ao mesmo tempo, o nome da rede social que popularizou esses termos, o Twitter, permanece com sua grafia original, provavelmente por ser nome próprio, marca registrada e sobretudo um termo de difusão internacional.
Que o verbo inglês to tweet tenha dado tuitar e não tweetar em português parece natural. Afinal, toda palavra derivada de estrangeirismo costuma ter a grafia aportuguesada. Por isso, Corinthians é com th mas corintiano não; por isso, marketing é com k, mas marqueteiro, com qu, e assim por diante.
Mas como de tuitar se chega a tuíte? Aqui há duas explicações possíveis – e, a rigor, não há como saber qual delas é a verdadeira: ou o substantivo inglês tweet deu o nosso tuíte por empréstimo direto (evidência disso é que nas primeiras ocorrências da palavra ainda víamos a grafia tweet) e posterior aportuguesamento por analogia com tuitar, ou tuíte seria uma derivação regressiva de tuitar, assim como repasse vem de repassar, achincalhe de achincalhar, desfrute de desfrutar, etc. É claro que a primeira hipótese é a mais provável, principalmente porque a forma aportuguesada do termo surgiu na imprensa especializada em informática, cujos redatores não desconhecem a matriz inglesa da palavra. Mas nada impede que, daqui a alguns anos, professores de português e gramáticos ensinem que tuíte deriva de tuitar. E como os falantes têm memória curta (às vezes acho que gramáticos também), todos aceitarão passivamente essa explicação, que dá de ombros à história da língua. Especialmente porque, quando se trata do admirável mundo novo da tecnologia, o passado – isto é, uns poucos anos atrás – simplesmente não existe.
Pensando bem, talvez daqui a alguns anos o próprio Twitter não exista mais, suplantado por novidades tecnológicas ainda mais mirabolantes, o que fará tuitar e tuíte serem lançados ao arquivo morto dos arcaísmos ultra-antiquados, e então essa discussão sobre o ovo e a galinha (ou sobre o pio e o piar) não fará o menor sentido. É esperar para ver.
Delicioso e instrutivo texto, Aldo. Já vi pessoas grafarem “saite” (o que seria natural), mas parece que a moda não pegou. Só não concordo com “sítio”; acho que não colheremos muita coisa desse uso.
Pois é, Chico. Aliás, vou publicar em breve um texto sobre essa questão do aportuguesamento de palavras estrangeiras. Um abraço!
Prof. Chico, não ouço ninguém dizer “sítio” para falar de “site”, mas parece que em Portugal existe esse uso. A confirmar. Em vários dicionários, sítio pode ser sinônimo de “site”. Quanto à grafia “saite”, já vi várias vezes, escrita inclusive por professores.
Prof. Aldo, gostei muito do texto. Como o senhor vai escrever sobre aportuguesamento de palavras estrangeiras, aproveito para sugerir algum comentário sobre a palavra “short”, que já vi grafada “xorte”. Além dessa palavra, gostaria de saber se é permitido, afinal, grafar “saite”, como citou o prof. Chico Viana. Outro dia, fui surpreendido ao encontrar “funque”, aportuguesamento de “funk”, em texto de outro colega. Esse foi o mais estranho que já vi.
[…] semana passada, tratei aqui neste blog (ou blogue) do aportuguesamento da palavra inglesa tweet, que resultou no substantivo […]