Dor de cabeça e dor na cabeça

Tempos atrás, surgiu um debate dentro do grupo de Whatsapp dos colaboradores da página do Facebook Língua e Tradição (www.facebook.com/linguaetradicao), da qual faço parte, em torno de uma postagem cuja imagem aqui reproduzo.

A pergunta da autora do post é: por que dizemos “dor de cabeça”, “dor de barriga”, mas “dor NO braço” e não “dor DE braço”. Na ocasião, apresentei a teoria de que “dor DE” se refere a dores internas, sobretudo as provocadas por disfunção orgânica, ao passo que “dor NO” se refere a dor externa, provocada por contusão ou mau jeito. Por exemplo, “dor de cabeça” é a chamada cefalalgia; já “dor na cabeça” pode ser fruto de uma pancada. A dor de cabeça em geral é uma dor no cérebro, assim como a dor de barriga é uma dor no intestino. Já uma dor na cabeça ou na barriga afeta os músculos ou os ossos imediatamente abaixo da pele.

Meu colega e amigo Chico Viana complementou: “Parece que a preposição ‘de’ introduz um determinante que alude a algo conhecido, consensual. Ouvir de alguém próximo que está com ‘dor de cabeça’ não preocupa tanto quanto dele ouvir que está com uma ‘dor na cabeça’. Esta última pode ser um sinal de algo mais grave. O mesmo se aplica, por exemplo, a ‘dor de barriga’ e ‘dor na barriga’. A preposição ‘em’ acena ao desconhecido e sugere a necessidade de procurar logo um médico”.

E nosso outro colega e amigo, Rafael Rigolon, acrescentou: “Temos ainda o caso fantástico da ‘dor de cotovelo’ (o despeito amoroso) e a ‘dor no cotovelo’. A primeira é terrível. Só não é pior do que a ‘dor de olvido’ (Millôr)”.

Em resumo, “dor DE” é uma dor conhecida, como a dor de cabeça, de barriga ou de cotovelo, cujas causas são rotineiramente as mesmas. Já “dor EM” é uma dor cuja causa pode ser conhecida ou não, mas nunca é a usual. Por isso, o filhinho de três anos da Carina, autora da postagem, que ainda não é proficiente nessas sutilezas da língua portuguesa, falou em “dor de braço” por analogia com essas dores mais comuns que sentimos cujo nome começa com “dor de”. Toda língua tem essas nuances sutis que só dominamos à medida que vamos nos tornando falantes fluentes. E que um falante não nativo às vezes nunca chega a dominar.

A título de exemplo, o inglês também distingue entre uma dor corriqueira, de causa rotineira, como a dor de cabeça, e uma dor de causa diferente, pouco comum, como uma dor na cabeça: a primeira se chama headache; a segunda, pain in the head.

4 comentários sobre “Dor de cabeça e dor na cabeça

  1. Professor, bom dia.
    Escrevo aqui de longe, do Japão. Sempre gosto de acompanhar seu “diário” porque me reaproxima de casa, da pátria língua mater.
    Este texto em particular me lembrou de meu falecido pai. Quando criança, se eu dizia estar com dor de barriga, ele perguntava “dor DE barriga ou dor NA barriga?”. Parece-me que ele fazia a seguinte distinção: dor DE cabeça e dor DE barriga referem-se às dores “próprias” da barriga e da cabeça: cefaléia e diarréia, ou apenas a necessidade normal de obrar. Não se tratava, em nossa família, de conhecer ou ter que investigar a causa. Esta poderia ou não ser conhecida, a gravidade também poderia variar (uma dor de cabeça poderia ser sintoma de algo mais preocupante, ou não).
    Eu poderia ter um dor NA cabeça porque bati na cabeceira da cama e cresceu um galo. Essa é diferente da dor neural que sinto por uma virose, ou por ter lido sem meus óculos. Eu posso estar com dor na barriga porque levei um soco, ou por causa desconhecida… mas não preciso correr para o banheiro.
    O mesmo se dá com dores DE dente (cárie) ou No dente (mordi o garfo com força). E até a dor NO cotovelo (bati na quina da mesa) ou DE cotovelo (pelo amor perdido).
    No caso do filho da autora da postagem, não haveria uma dor própria do braço, não haveria uma dor “DE/DO” braço… daí a estranheza. Pelo menos na forma como entendemos em nossa família (notando que somos de Salvador-BA, e tendemos a omitir o artigo definido, raramente usando “do/da”, mas apenas “de”, como em “gosto do blog DE Professor Aldo”, “fui no site DE Professor Aldo”).
    Abraço e desculpas por ser prolixo no comentário.

  2. A [dor de x] é “própria de x”, e de nenhuma outra coisa mais; já a [dor em x], por outro lado, é uma eventualidade (aconteceu naquele ponto, como também poderia ter acontecido em outro). Se existir “dor de braço”, a expressão [dor de braço] é legítima, embora não seja da alçada de um falante de 3 anos perceber este dado.
    Agora, tem um problema: as normas linguísticas não são confiáveis. Vamos, por hipótese, crer que possa haver dores específicas do braço, mas que a linguagem, em determinada sincronia, vai desconsiderar, por alguma razão, muitas vezes fugidia, aleatória, e assim por diante.

  3. A propósito, o que tem a ver a [dor de cotovelo] com a [paixão não-correspondida]? É que a dor de cotovelo não existe, assim como a paixão não-correspondida é uma “invenção” da mente iludida. É uma ilusão desprovida de bom senso. Inicialmente, a dor de cotovelo era uma desabafo (“o que você tem”? Pra chatear, se dizia “dor de cotovelo”). Aí, a moda pegou…

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