Ontem, com a cerimônia de entrega do Oscar 2022, ressurgiu a dúvida: qual é o plural de Oscar? Essa palavra é um daqueles nomes próprios que tendem a se tornar comuns, como gilete e band-aid (ou bandeide). No entanto, enquanto gilete pode ser qualquer lâmina de barbear, seja ou não da marca Gillette, o Oscar continua sendo por enquanto um prêmio único, conferido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, e não qualquer prêmio cinematográfico; por isso, muitos dicionários não o registram como substantivo comum (embora a Wikipédia em português traga a grafia Óscar e seu plural Óscares). O mesmo vale para o prêmio Nobel, cuja grafia nobel e plural nobéis não são reconhecidos pela maioria das gramáticas.
Como se pluraliza então um nome próprio estrangeiro? Nesse ponto, os gramáticos também divergem, mas, de modo geral, vale a regra do emprego da forma plural da língua de origem. Assim, o plural de blitz em português é blitze (como em alemão). Só que essa regra exige que o redator seja poliglota (será que todos sabem o plural dos substantivos em alemão?), razão pela qual se permite a formação de um plural à moda portuguesa (isto é, acrescentando-se s), como em pizza x pizzas (e não pizze, como em italiano), o que soa mais familiar para nós.
Por tudo isso, entendo que o plural óscares (como dólares) só é possível se tivermos um substantivo comum singular óscar. De fato, o VOLP – Vocabulário Oficial da Língua Portuguesa – registra essa forma, indicando que já se trata de um substantivo comum. Mas penso que ganhar um Oscar é como comprar um Ford: ninguém compra um forde, pois esse carro não existe. Logo, ou o sujeito ganhou “dois Oscar” (pois antropônimos em geral não admitem plural) ou ganhou “dois Oscars”, com plural à moda inglesa. Tenho notado que, na dúvida, os jornalistas costumam, nesse caso, dizer que o ator Fulano de Tal voltou para casa com duas estatuetas.
Professor, já pensei em lhe questionar precisamente sobre as referidas palavras, alemã e italiana; registre-se, ainda, que os substantivos no alemão iniciam sempre com maiúsculas, então Blitz/Blitze. No caso do italiano, tomando a grafia alemã como referência ao lado da interjeição putz, poderíamos escrevê-la pitza, plural pitzas, ainda que todos os três zês soem como esse (blits, blitses; pitsa, pitsas; puts). Pessoalmente não me oponho aos aportuguesamentos e abrasileiramentos, apesar de lembrar que o poeta Mário Quintana, que tenho em grande estima, lamentou em escrito seu, publicado em livro, que se adaptássemos todas as palavras estrangeiras desse modo (no caso que ele citava, a exemplo de boates, toaletes, quitinetes, ateliês e trotoar) “perderíamos” o pouco de cultura que temos. Mas concordo que há termos inadaptáveis e outros que ficam [ou ficariam] muito esquisitos.
Confesso também que, apesar de minha ascendência europeia pelo lado materno ser de um trisavô francês e uma trisavó alemã, pouquíssimo apreço tenho por essas línguas, bem como não me cativam a língua italiana, a maioria das outras neolatinas e germânicas e o russo, dentre outras eslavas próximas a essa última, pra ficarmos naquelas mais próximas ao famigerado “mundo ocidental”. Mas nos casos de empréstimos precisamos dalgumas inspirações e comparações com elas, inevitavelmente, por serem todas indo-europeias em variados níveis…
Por que não facilitamos desde o começo o caso de hamster, que poderia passar em português a hâmester, e avançar de Amsterdã para Amesterdã? Uma vez que não seguimos eme de outra consoante que não bê ou pê, estas acabam sendo exceções à nossa ortografia. Além disso, as gramáticas sempre assianlam que nosso agá, se não forma dígrafo, é mudo, mas virtualmente todo brasileiro fala RRanseníase e RRâmister! Já escutei um sujeito que leu RRagiografia, sendo que é um perfeito português hagiografia, com uma “consoante” inicial muda. Sei que isto se deve pela influência da presença da língua inglesa, mas essa ignorância das nossas práticas vernáculas centenárias e das prescrições geralmente equilibradas de inúmeros professores é de cortar o coração e espetar fundo nos ouvidos.
Roger, sei que escreveu para o professor Aldo. Porém, se me permite, hamster tem o “h” pronunciado por se tratar de palavra inglesa e, nessa língua, como deve saber, o “h” é pronunciado. Quanto à “hanseníase”, acredito que as pessoas pronunciam o “h” por ser essa palavra bem diferente de outras que começam com “h” em nossa língua, como “hora, horário, hoje, homem”, que não deixam dúvida com relação à pronúncia. Mesmo que não saibam (uma parte do povo brasileiro) que o substantivo “hanseníase” é formado do sobrenome do médico norueguês G. Hansen (com “h” pronunciado) e “-íase”, penso que intuitivamente as pessoas no Brasil são levadas a pronunciar o “h”, inclusive porque nos veículos de comunicação não me lembro de alguma vez ter ouvido “anseníase”.
Senhor Patrick, a origem da palavra hamster é alemã. Como há quem registre hâmster, isto seria um meio aportuguesamento, pois o acento circunflexo nessa primeira vogal acaba “fechando” seu timbre; só que ortograficamente não podemos ter a sequência /ms/.
Professor Aldo, se pensa diferente, compartilhe seu ponto de vista conosco, por favor.
Em princípio, não gosto muito do aportuguesamento de palavras estrangeiras. Admiro as grandes línguas da Europa, como o francês, inglês, italiano e alemão, que não mexem na grafia dos estrangeirismos, e, com isso, estes são imediatamente reconhecidos por qualquer leitor. Já as línguas ibéricas e as escandinavas, bem como as eslavas que utilizam o alfabeto latino, costumam adaptar a grafia das palavras estrangeiras, tornando-as às vezes irreconhecíveis (por exemplo, quem reconhece no sueco e norueguês “byrå” o francês “bureau”?).
Quanto à pronúncia do “h” aspirado, os brasileiros geralmente o pronunciam, já os portugueses geralmente não (em Portugal, até “Hitler” se pronuncia “Itler”). Parece que nesse aspecto somos menos xenófobos (ou prezamos mais a cultura). Eu particularmente acho lamentável que uma pessoa, sabendo que o “h” de certa palavra é aspirado, não a pronuncie por mero chauvinismo. Mas, em linguística, vale o moto de que o uso é o senhor da língua. Portanto, é natural que “hamster” e “hanseníase” se pronunciem com “h” aspirado; quanto à grafia “hâmster”, para mim ela faz tanto sentido quanto a grafia “státus”, que felizmente não existe.
Por fim, em português lusitano, o nome da cidade de Amsterdã é grafado “Amesterdão”, em total divergência da grafia de todas as demais línguas europeias (e até de extraeuropeias), que é “Amsterdam”. Com isso, a língua portuguesa se coloca em posição de verdadeiro isolacionismo linguístico, lembrando que nossa língua já é absolutamente periférica e praticamente irrelevante em termos europeus e ocidentais.
Obrigado.
Esqueci de dizer: prefiro “dois Oscars” a “dois Oscar”.