A globalização da linguagem neutra de gênero

A onda da linguagem neutra de gênero não atinge só a língua portuguesa. O inglês, que, por sinal, é o idioma pátrio do politicamente correto, tem nos dado diversos exemplos disso, facilitados pelo fato de que a própria gramática da língua não distingue gêneros a não ser em situações muito específicas. Assim, teacher pode referir-se tanto a um professor quanto a uma professora; doctor, a um médico ou médica; e assim por diante.

No entanto, há algumas profissões que admitem masculino e feminino. Aquelas terminadas por man, por exemplo, como postman (carteiro), milkman (leiteiro) e chairman (presidente) permitem a substituição de man por ‑woman – embora isso não fosse muito comum até as mulheres passarem a exercer as funções de carteira (não confundir com o objeto em que se guarda dinheiro), leiteira e presidenta (esta última principalmente depois do mandato da inesquecível Dilma Rousseff).

Além dessas profissões, temos waiter (garçom) x waitress (garçonete) e actor (ator) x actress (atriz). Não obstante, já há algum tempo a imprensa e a Wikipédia vêm empregando o termo actor indistintamente para nomear homens e mulheres (algo parecido aconteceu na língua portuguesa, que decidiu aposentar poetisa e chamar a mulher que verseja de poeta).

Pois Cate Blanchett, que foi a presidente/presidenta do júri do Festival Internacional de Cinema de Veneza deste ano, afirmou que sempre foi “ator”. Durante a coletiva de imprensa de abertura do evento, quando perguntada sobre o que achou da decisão do Festival de Berlim de dar “prêmios neutros” em gênero em vez das tradicionais categorias de “melhor ator” e “melhor atriz”, respondeu:

— Não é um posicionamento político, mas eu sempre me referi a mim mesma como ator. Eu acho que não temos uma linguagem de gênero específica e sou de uma geração em que a palavra “atriz” era sempre usada de modo pejorativo.

Sua colega, a atriz Tilda Swinton, acrescentou:

— Eu fiquei realmente muito feliz em saber dessa decisão de Berlim e acho inevitável que todos venham a fazer o mesmo. É algo tão óbvio para mim.

Faz algum tempo que a língua inglesa também neutralizou a palavra dog para designar tanto cães quanto cadelas. É que a palavra específica para “cadela” em inglês, bitch, assumiu a conotação depreciativa de “prostituta” – quem já foi xingado de son of a bitch sabe bem disso.

O inglês também modificou sua gramática em função da neutralização de gênero. Com isso, uma frase como “Todo mundo sabe o que quer”, que antes se dizia Everybody knows what he wants, hoje é formulada como Everybody knows what they want, ou seja “Todo mundo sabe o que querem”, pois they é pronome pessoal único de plural e corresponde tanto ao plural de he quanto ao de she.

Enquanto isso, no Brasil, alguns malucos propõem substituir ele e ela por ile, aquele e aquela por aquile, este e esta por iste, e assim por diante. Vocês se imaginam falando desse jeito? Eu não.

2 comentários sobre “A globalização da linguagem neutra de gênero

  1. Não entendo por que algumas mulheres não querem ser chamadas de “poetisa”. Acho essa palavra tão bela e original. Não consigo escrever ou dizer “poeta” quando se trata de mulher. Então temos de chamar mulher de “sacerdote”, “papisa” de “papa”, “profetisa” de “profeta”, “diaconisa” de “diácono”? Dizem que Cecília Meireles se negou a ser chamada assim. Daí a palavra passou a ter conotação pejorativa. Não sei se isso procede. Da mesma forma, “actress” ser chamada de “actor” é horrível. Tempo estranho este em que vivemos. Este prefixo, “-isa”, tem algum significado, prof. Aldo?

    Curtido por 1 pessoa

    1. De fato, Patrick, tempos muito estranhos em todos os aspectos: político, econômico, social, ambiental, cultural e… linguístico.
      O sufixo -isa veio do grego -issa via espanhol e serve para formar substantivos femininos a partir de masculinos. Os sufixos -esa (de duquesa) e -essa (de condessa) também têm essa mesma origem.

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