O patético episódio da “carteirada” que o desembargador Eduardo Almeida Rocha Prado de Siqueira deu no guarda municipal santista Cícero Hilário Roza Neto, que, no último fim de semana, o multou por estar em público sem máscara, é mais um exemplo de que, em nosso país, todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas alguns se acham mais iguais do que os outros. Aliás, se neste país engenheiro civil é mais do que cidadão, o que dizer de desembargador?
O fato é que, muito mais do que um país racista, somos um país classista, isto é, uma nação dividida em classes sociais que não se misturam, tais como as castas da Índia. Nesse sentido, mais do que um racismo estrutural, temos um classismo estrutural. Os negros pobres são apenas a casta mais baixa, os párias dessa sociedade.
Mas o que me chama a atenção é que, não raro, a carteirada parte daqueles que por oficio deveriam ser os primeiros a respeitar e fazer cumprir as leis, ou seja, detentores de altos cargos de Estado, especialmente magistrados.
De fato, membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, policiais e advogados costumam estar entre os que mais estufam o peito ao retirar do bolso a carteira e mais empinam o próprio nariz ao esfregá-la no nariz do outro, em geral um também servidor público, mas de mais baixo escalão.
A pergunta que me faço é: como é que pessoas tão egocêntricas e tão mentalmente infantis, tão desprovidas de educação e de empatia, são admitidas no serviço público, ainda mais na função de juiz, que deve promover a justiça?
Parece que os concursos públicos para magistrado cobram muito saber jurídico e nenhuma postura moral. O referido desembargador Eduardo de Siqueira, em uma de suas carteiradas, desandou a falar francês com o fiscal que o multava, dizendo que é professor de Direito em universidade francesa, como se o convite para lecionar fora do país o isentasse de ter de cumprir a lei. Aliás, que direito esse senhor leciona na França? O direito dos mais bem galardoados de humilhar os de menor quinhão? Com que critérios esse douto senhor julga e sentencia os processos que lhe são submetidos? Pode promover a justiça um Estado que admite esse tipo de pessoa como guardião da lei?
No país do “você sabe com quem está falando?”, ou se é desembargador, engenheiro civil, empresário, rico e poderoso ou não se é nada, nem cidadão.
Detalhe: tanto o guarda Cícero quanto o fiscal ultrajado pelo engenheiro civil e sua esposa no Rio de Janeiro são pós-graduados. No caso do Rio, a formação acadêmica do fiscal é, por sinal, muito superior à do engenheiro. Só que as pessoas que têm realmente a carteira mais pesada não precisam dar carteirada em ninguém.
Aliás, está faltando cobrar postura moral e, acrescento, ética também. Mas sou bem pessimista quando se fala em Brasil: país que não deu certo.
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Sou igualmente pessimista, mas quanto à probabilidade de mudanças profundas em curto prazo, que é mesmo baixa.
Mas, se fizermos um recorte de 10 anos, não podemos dizer que vimos o que julgávamos que não veríamos no espaço das nossas vidas (e olhe que nem completei 40 ainda!)?
Se fizermos um recorte maior, de 30 anos, não podemos igualmente dizer que temos visto a continuidade, em linhas gerais, de uma política monetária que tem mantido relativamente estável a inflação?
E se fizermos o recorte da vida do meu avô, que fará 89 anos em setembro, não podemos dizer que somos um tantinho menos atrasados hoje que em 1931?
Eu, ao menos, não gosto de dizer que não demos certo, não porque ache que não seja o caso, mas por entreouvir nisto um sussurro de que nem tampouco vamos dar certo algum dia.
Se eu pensasse assim, não me daria ao trabalho nem sequer de debater neste espaço, assim como não compreenderia por que perde o Aldo o tempo dele com a nossa educação, ou por que ao Patrick importa o que quer que se relacione com este país irremediavelmente perdido.
Eu sei, nada disto está no seu comentário, Patrick, nem pode dele ser inferido senão por muita extrapolação. Se me permiti estender as conclusões muito além do que o comentário me permitiria foi porque eu, como todos os meus compatriotas, também carrego comigo esta sensação de que nos é impossível dar certo, de que somos atavicamente atrasados, mas luto contra ela por saber que permanecermos atrasados não é o nosso destino, e sim uma escolha que temos renovado e que podemos deixar de o fazer, se nos dispusermos a fazer os sacrifícios para tanto necessários.
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Rodrigo, entendi seu comentário. De qualquer forma, o país tinha de progredir em alguma coisa de 1931 para cá. Mas, quando penso na corrupção, na bandidagem, na tributação, nos políticos que temos (reflexo do povo), de como é difícil conseguir um bem em Pindorama, aí desanimo por completo. Nós perdemos o nosso precioso tempo fazendo comentários porque talvez seja uma forma de desabafar, compartilhar ideias e aprender alguma coisa com isso. Queremos aprender mais com pessoas inteligentes e preparadas que se dispõem a dialogar/ ensinar, como é o caso do prof. Aldo, que não sei por que motivo também perde tempo tentando ensinar e debater questões de Língua Portuguesa e do dia a dia. Ainda bem. Bom para nós.
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