É muito comum aos falantes de uma determinada língua, qualquer que seja, a ideia de que eles não têm sotaque, quem tem são os falantes das outras línguas. É que estamos tão acostumados com os sons do nosso idioma que eles não nos causam nenhuma estranheza. Também pudera, nós os ouvimos desde que nascemos, então nossos ouvidos e nossa mente estão condicionados a eles. Mais do que isso, estamos condicionados não só aos sons da nossa língua, mas aos sons da nossa variedade linguística regional. Assim, um paulistano não estranha a pronúncia de outro paulistano, mas estranha a pronúncia de um carioca ou de um nordestino.
Ao mesmo tempo, reconhecemos de imediato certas línguas estrangeiras mesmo que não saibamos falá-las simplesmente pela sua sonoridade. Quem, mesmo sem saber falar francês, não é capaz de ouvir alguém falando essa língua e matar imediatamente a charada: isso aí é francês! Pois é, só que não temos a mesma percepção em relação ao nosso próprio idioma por uma razão óbvia: porque, sendo falantes nativos que, portanto, compreendem cem por cento do que está sendo dito, prestamos mais atenção ao significado do que ao som das palavras.
Só que agora a inteligência artificial está permitindo que ouçamos a nossa língua abstraindo completamente o sentido dos enunciados e focando nossa atenção apenas nos sons. Como? Produzindo enunciados sem nenhum sentido, formado apenas de palavras que não existem, mas que obedecem à fonética e à fonologia do português. Uma fala sintetizada por computador que utiliza os sons do português e os combina na mesma ordem em que eles costumam aparecer em palavras reais, isto é, formando sílabas que seguem o padrão estrutural do português — excluindo, portanto, encontros consonantais que não seriam possíveis em nosso idioma.
O resultado desse experimento pode ser apreciado no seguinte link: www.tiktok.com/@iabotsinger/video/7228998392431545605. Como vocês poderão perceber, a sonoridade do áudio corresponde mais especificamente ao português da região central do Brasil, especialmente Sudeste e Centro-Oeste (eu até apostaria que o “sotaque” utilizado pelo algoritmo foi o paulista). De fato, o áudio não soa “chiado” como seria a pronúncia carioca ou nortista nem nasalado como seria a nordestina. Tampouco soa cantada como a de certas regiões do Sul do país ou como o paulistano do bairro da Mooca (o famoso “mooquês”) nem arrastado como o “caipirês”.
Por outro lado, se o experimento fosse feito com base no português lusitano, teríamos um resultado bastante diferente: muitos chiados, muitos encontros consonantais resultantes de vogais que simplesmente não se pronunciam, um ritmo bem mais rápido que o nosso. Tanto que o escritor português Eça de Queiroz disse certa vez que nós brasileiros falamos português com açúcar.
Surpreendente.
Bom dia, Mestre,
Particularmente, entendo que os nossos sotaques, hoje em dia, estão se tornando, digamos, mais homogêneos.
Atribuo o fato ao modo de falar dos que trabalham com TV.
O nordestino, por exemplo, ainda continua com seu horroroso sotaque, que, porém, já não é aquele do meio do Século XX.
E, meu caro, é o famoso efeito Rede Globo rs!
Mais uma coisa: não existem objetivamente sotaques bonitos ou horrorosos, tudo é questão de ponto de vista. O que há são pronúncias mais próximas do padrão – que, obviamente é estabelecido arbitrariamente, principalmente por razões políticas e econômicas – e outras mais distantes desse padrão.
Adorei! Eu me lembrei de italiano, mas a descrição na legenda do áudio (slavo tupiniquim) também é boa!
Ah! É tão doce ouvir/ler que falamos português com açúcar. <3
É literalmente o Português dos sonhos, o Português que toca na nossa cabeça durante os sonhos noturnos. 😀
Lembrou-me também que o Japonês costuma soar cacofônico em Português, talvez porque o modo de formar sílabas em Japonês é meio que um subconjunto do modo do Português. Outro dia por exemplo um contato comentou que é impossível assistir a uma série japonesa chamada “Kujira no Kora” sem fazer trocadilhos infames.
Ah, e tem um cara francês que criou um “pseudo-latim”, pegou um coro de cantores para soar como música medieval e misturou com elementos de música pop.
O japonês até que seria uma língua suave, pois não tem encontros consoantais, só uma sucessão de consoantes e vogais alternadamente. O problema é que eles falam aos soquinhos, como se estivessem brigando, e isso dá um tom agressivo à língua. O mesmo ocorre com o espanhol.
Falar em Espanhol, há algumas semanas teve aqui no Brasil aquele encontro com presidentes de países vizinhos e notei claramente que os presidentes de fala espanhola falavam muito mais rápido que o do Brasil, principalmente o do Uruguai se não me engano.
De fato, já li uma notícia, que agora não encontro, que fizeram uma medição e o Espanhol ficou próximo do Inglês como língua que os falantes falam o maior número de sílabas por segundo. Existe explicação conhecida para a diferença na velocidade de fala das línguas? Já li uma sugestão que seria coisa do clima, a temperatura ambiente, que faria as pessoas relaxar ou contrair mais os músculos da face etc.
Cleverson, o inglês e o espanhol falam um grande número de palavras por segundo por motivos diferentes. O inglês faz isso porque a maioria das palavras dessa língua é monossílaba. Já os espanhóis falam rápido mesmo.
Tenho o costume de falar assim, o que faz de mim um nordestino de sotaque sui generis. Agora entendi a razão pela qual algumas pessoas consideram-me pedante.
Nós, falantes nativos, somos espertos pra caramba. Se algo não estiver de acordo com a sonoridade esperada, vem a pulga atrás da orelha. Acho meio difícil a Inteligência Artificial nos enganar, mas…Agora, dizer que Nordestino é nasalizador… Conversa fiada! É só impressão dos Sudestinos, a gente não faz isso não!