A semiótica, ou ciência da significação, é um poderoso instrumento de explicação e compreensão do sentido – tanto explícito quanto oculto – dos discursos. E para cumprir esse objetivo, uma das ferramentas da chamada semiótica greimasiana (proposta inicialmente pelo estudioso lituano Algirdas Julien Greimas) é o quadrado lógico-semiótico. Segundo sua teoria, todo discurso e, por extensão, toda ação humana (que para ele é discurso) se apoia na tensão dialética entre opostos. Seu quadrado semiótico baseia-se no quadrado lógico de Aristóteles, cujos vértices superiores representam dois conceitos contrários (por exemplo, vivo e morto), ao passo que cada um dos vértices inferiores representa o contraditório do atributo situado no vértice superior diametralmente oposto. Seriam eles, respectivamente, não morto e não vivo. Como é óbvio, um ser animado só pode estar num dos estados vivo ou morto. Já um ser inanimado, como uma caneta ou uma pedra, não está nem vivo nem morto.
Para compreender semioticamente a psique humana, vamos colocar nos vértices superiores do quadrado os contrários racionalidade e irracionalidade; teremos então quatro combinações possíveis de situações, conforme a figura abaixo.

Como podemos ver, a não racionalidade, contraditório da racionalidade, não é o mesmo que a irracionalidade. Quando dizemos que os animais são irracionais, na verdade queremos dizer que são não racionais, isto é, não agem segundo a razão, o raciocínio lógico (tenho sérias dúvidas disso); já irracional é toda atitude contrária à razão, como rasgar dinheiro, por exemplo.
A não irracionalidade é o estado de quem está, digamos assim, em seu juízo perfeito. É o que podemos chamar de sensatez ou equilíbrio mental. Já a não racionalidade envolve aqueles processos em que somos guiados por outras instâncias da mente, como a intuição e a emoção. Dito em outros termos, racionalidade é pensar com a cabeça, ao passo que não racionalidade é pensar com o coração. Todos nós fazemos ambas as coisas dependendo da situação. Ninguém responde a uma prova de matemática pensando com o coração: “Vou escolher a alternativa b) porque é a equação mais bonita” (até há alguns vestibulandos que fazem isso, mas não aconselho). Igualmente, ninguém é racional quando está apaixonado. Declarar seu amor ao ente amado com a cabeça em vez do coração certamente não funcionará.
Como resultado, quando somos racionais e não irracionais, portanto, sensatos, estamos no domínio da razão. Já quando não somos nem racionais nem irracionais, somos emocionais: estamos no domínio da emoção, do sentimento.
E quando alguém é ao mesmo tempo irracional e não racional? Essa pessoa está naquele estado que chamamos de loucura: só emoção, nenhuma razão, nenhuma sensatez. Essa loucura a que me refiro aqui não é só a condição patológica identificada pelos psiquiatras como psicose, aquilo que leva muitas pessoas a uma internação em clinicas psiquiátricas e manicômios (nos países em que ainda existem); trata-se na verdade de um estado em que todos nós podemos nos encontrar em determinados momentos da vida. Aquele indivíduo que vê seu bem mais precioso, que levou a vida inteira para conquistar, ser tomado por um assaltante e se atraca com o criminoso sem pensar que pode perder a vida se encontra nesse estado de loucura transitória. Aquele sujeito que, diante de uma situação banal como um arranhão em seu carro ou uma fechada no trânsito, parte para a agressão ou mesmo saca uma arma e mata também está nesse estado. Quem se encontra em depressão profunda e tenta o suicídio, idem. Quem frequenta um culto religioso cujo pastor grita histericamente durante vários minutos, onde se toca e canta música alta e repetitiva até que todos entrem em transe, costuma experimentar esse estado – sim, semioticamente falando, o transe é uma espécie de loucura, que, no caso em questão, leva facilmente o indivíduo a doar dez por cento de sua renda à igreja, dinheiro com o qual o pastor vai comprar sua mansão, seu jatinho particular, seu canal de televisão e vai formar sua bancada no Congresso Nacional. Ou seja, o fanatismo, quer religioso, quer político ou futebolístico, é uma forma perigosa de loucura.
Se razão é pensar com a cabeça e emoção é pensar com o coração, a loucura é o não pensar, o agir sem pensar, o agir por impulso, por instinto ou por perda das faculdades mentais.
Como se pode ver, a semiótica é um instrumento poderoso de explicação da realidade.
Professor Aldo, compartilho da mesma dúvida com relação aos animais, de tanto conviver com eles.
Eu particularmente acho os animais mais racionais que os humanos.
Também. Animais nunca nos decepcionam. Além disso, são leais e nos trazem uma alegria sem fim.
Excelente!
Caro Aldo:
Usando o quadro lógico, em que aresta estaria o agir por impulso não racional? Faço-me mais claro: em que aresta estaria aquela forma de pensar/agir a que o Daniel Kahneman chama, figurativamente, “sistema 1”, “responsável” por nos fazer “pensar” automaticamente 4 quando ouvimos 2 + 2 ou Paris quando ouvimos capital da França, ou até por fazer especialistas pensarem com a mesma rapidez numa resposta que exigiria o “acionamento” do “sistema 2” em não especialistas quando ouvem perguntas que, embora complexas para o leigo, são simples para os especialistas?
Não seria a aresta da emoção, suponho; mas não seria tampouco a da razão, já que é um processo rapidíssimo, automático, que nem sequer nos dá a sensação do homúnculo na mente que temos quando pensamos devagar (quando “usamos” o “sistema 2”); mas acho difícil que se encaixe na aresta da psique, já que um dos seus vértices é a irracionalidade. Na da loucura, muito menos.
Um abraço,
Rodrigo.
Caro Rodrigo, em outra postagem (https://diariodeumlinguista.com/2022/06/27/os-processos-cognitivos-e-o-funcionamento-da-mente), explico em maior detalhe os processos cognitivos da mente, dos quais razão e emoção são apenas dois. Explico também as instâncias da consciência, do subconsciente e do inconsciente. Atos reflexos também estão incluídos nesse modelo. Quanto a respostas rápidas como 2 + 2 = 4, são resgates que fazemos do nosso subconsciente, como você verá no artigo supramencionado.
O modelo semiótico que apresentei é um modelo básico, usado por semioticistas e não por neurocientistas, cujas preocupações são mais específicas.
Obrigado pelo esclarecimento, Aldo!