Nenhum ou nem um?

Bom dia.
Quando usamos “nenhum” e “nem um”? Se possível aplicação em frases.
Muito obrigado.
Atenciosamente,
Rodrigo da Silva Gonçalves

O emprego de “nenhum” e “nem um” pode, de fato, causar confusão, já que as duas expressões têm significados próximos e pronúncia idêntica. Aliás, etimologicamente, “nenhum” provém de “nem” + “um”, embora essa combinação se tenha dado ainda na fase latina vulgar: nec (ou neque) unum, “nem mesmo um, nem um sequer”.

O fato é que “nenhum” é pronome indefinido que se opõe a “algum” (assim como “ninguém” se opõe a “alguém” e “nada” se opõe a “algo”), ao passo que “nem um” é a combinação da conjunção “nem” com o numeral “um”. Portanto, se “nenhum” indica inexistência em sentido mais geral, “nem um” se aplica somente a substantivos contáveis (isto é, aos quais se pode antepor numerais cardinais, como um, dois, três…). Por sinal, esse é um bom critério para distinguir quando usar – ou não – um ou outro. Por exemplo, “dinheiro” é um substantivo incontável (também chamado de contínuo), pois não posso quantificá-lo por numerais (dizer “um dinheiro”, “dois dinheiros”, etc., seria absurdo). Já “moeda” é contável (ou descontínuo): é perfeitamente possível dizer “uma moeda”, “duas moedas”, e assim por diante.

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Aqui cabe um adendo: narra a Bíblia que Judas delatou Jesus por 30 dinheiros, o que tornaria o substantivo “dinheiro” contável. Errado: nas Escrituras, dinheiro não é empregado com o significado de “capital, verba, numerário”, como fazemos hoje em dia, mas trata-se da tradução incorreta da unidade monetária romana, o denarius. Ou seja, Judas corrompeu-se por 30 denários, valor, por sinal, muito baixo em comparação com o dinheiro encontrado na cueca de certo senador.

Mais um adendo: o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, costuma falar em “dinheiros públicos”; nesse caso “dinheiros” quer dizer “verbas” e só por isso admite o plural.

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Pois bem, se “nenhum” se correlaciona a “algum” e “um” se correlaciona a “dois”, “três”, etc., um teste simples para saber se devemos empregar “nenhum” ou “nem um” é fazer a substituição dessas expressões por suas correlativas.

Não tenho nenhum dinheiro na carteira. = Não tenho dinheiro algum.

Você tem algum dinheiro? Não tenho nenhum.

Não tenho nenhuma moeda na carteira. = Não tenho moeda alguma.

Você tem algumas moedas? Não tenho nenhuma.

Como vemos, “nenhum” funcionou tanto com “dinheiro” quanto com “moeda”. Testemos agora “nem um”, lembrando que essa expressão equivale a “nem um só, nem um sequer, nem mesmo um”:

Você tem algumas moedas aí com você? Não tenho nem uma moeda. (Isto é, não tenho uma só moeda, uma moeda sequer, não tenho nem uma, nem duas, nem três.)

Tentemos agora com “dinheiro”:

Você tem algum dinheiro aí? *Não tenho nem um dinheiro. (O asterisco indica que essa construção é inaceitável em português.)

Ora, “dinheiro” é incontável, logo não faz sentido falar em “um dinheiro”, “um só dinheiro”, “nem um dinheiro sequer”. Como resultado, “nem um” jamais pode ser aplicado ao substantivo “dinheiro”.

Portanto, se o termo em questão puder ser substituído por “algum”, trata-se de “nenhum”; se puder ser substituído por “nem mesmo um” ou “nem um só”, trata-se de “nem um”.

Outra dica: embora “nenhum” e “nem um” tenham a mesma pronúncia, não têm a mesma entonação. Como vimos, “nem um” significa “nem mesmo um”, “nem unzinho sequer”, logo sua entonação é mais enfática, com elevação do tom e aumento do volume da voz no “nem”. Repita em voz alta e perceba a diferença: “Não tenho nenhuma moeda, só notas de papel” x “Não tenho nem uma moeda, que dirá duas!”.

Um comentário sobre “Nenhum ou nem um?

  1. Tenho a impressão de que, em “Não tenho nem uma moeda”, daria ênfase a “um”, e não a “nem”, justamente porque se contrapõem “uma” e “duas”: “Não tenho nem uma moeda, que dirá duas”.

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