Anos atrás, a presidente (ou presidenta, como ela gostava de ser chamada) Dilma Rousseff regulamentou a profissão de turismólogo, o profissional de nível superior que, segundo a Wikipédia, “conhece, analisa e estuda o turismo em sua totalidade”. Esse termo, já corrente há algumas décadas, tinha um caráter informal, o que mudou com a recente regulamentação. Mas, assim como “turismólogo”, há outros nomes de profissões em que a terminação ‑ólogo se junta a um radical vulgar (isto é, nem grego nem latino) para denominar uma atividade que passou a ser de nível superior. Como as profissões universitárias têm em comum uma fundamentação científica, e as ciências costumam ser denominadas, desde a Antiguidade, por palavras terminadas principalmente em ‑logia e ‑nomia, a tendência é atribuir a qualquer nova profissão de nível superior tais terminações. O problema é que nem sempre essas profissões têm uma base realmente científica. Além disso, a composição híbrida entre radicais gregos e vulgares resulta por vezes em palavras que parecem mais gírias do que termos técnicos.
Um exemplo assim é “comunicólogo”. Como se sabe, os cursos de Comunicação Social formam basicamente jornalistas, publicitários, radialistas e relações-públicas. No entanto, alguns profissionais de comunicação fazem mestrado, doutorado e se tornam especialistas em algo que se convencionou chamar de “ciência da comunicação” (ainda hoje há um debate no meio acadêmico sobre se existe realmente uma ciência da comunicação com objeto e método próprios, mas isso é outra questão). A ciência da comunicação jamais ganhou o nome de “comunicologia”, mas os estudiosos da área são correntemente conhecidos (inclusive na universidade) como comunicólogos. O que fez com que, por extensão, qualquer bacharel em jornalismo, publicidade ou profissão correlata também passasse a ser chamado de comunicólogo. Aliás, é comum um bacharel em Comunicação Social que não exerça nenhuma função específica na área se autointitular assim. Como tantos outros cursos superiores que se dividem em várias habilitações, a Comunicação pressupõe uma formação genérica (comunicólogo) e depois uma específica (jornalista, publicitário, etc.).
A valer esse raciocínio, profissionais de Letras (professores de línguas, tradutores, intérpretes, críticos literários, redatores, revisores) também deveriam ser chamados de letrólogos, afinal o formado em Letras pode exercer qualquer dessas funções. E também os bacharéis em Direito deveriam chamar-se direitólogos, já que podem atuar como advogados, promotores, procuradores, juízes, delegados…
Se ‑ólogo é uma espécie de elemento de composição passe-par-tout, então o analista de sistemas passaria a ser sistemólogo, o cientista da computação seria computólogo (uma opção interessante seria ciberneticista), o cientista cognitivo cognitólogo, o neurocientista neurólogo, o cientista político politicólogo (como, por sinal, se faz em Portugal), e assim por diante.
Em certos casos, o profissional tem um nome “científico”, mas a profissão não. É exatamente o caso de “comunicólogo” e “turismólogo”. Já em outros, é a profissão que soa “científica”, como a biblioteconomia, cujo profissional não é o bibliotecônomo, mas o bibliotecário.
Algumas tentativas de dar aspecto acadêmico a profissões de mercado não pegaram. Na década de 1970, “mercadologia” e “mercadólogo” foram propostos como traduções do inglês marketing e marketer. Mas o fato é que até hoje usamos “marketing” em sua forma original e, para designar o profissional correspondente, cunhamos “marqueteiro”.
Muitas vezes, as terminações ‑ólogo e ‑ologia servem para distinguir entre duas atividades profissionais semelhantes mas diferentes. Por exemplo, o nutrólogo, especialista em nutrologia, é um médico; já o nutricionista, especialista em nutrição, não é. O podólogo é um profissional de nível técnico distinto, por seu conhecimento especializado, do pedicuro. Entretanto, nem sempre novas denominações representam novas profissões: o antigo contador (mais antigamente ainda conhecido como guarda-livros) agora é chamado de contabilista; o professor de artes agora é arte-educador (um decalque malfeito do inglês art educator talvez?) e o instrutor de educação física virou educador físico — termo mais conciso, há que se reconhecer. Mudaram as funções ou mudou apenas o status da profissão? Será que, como diria Zé Simão nos velhos tempos, tucanaram as profissões?
Além de etimologicamente inconsistentes, por misturar radicais gregos com outros das mais variadas origens, esses termos dão aspecto científico a algo que não é ciência. Afinal, um recurso muito usado por místicos das mais diversas seitas e charlatães de toda espécie é designar por nomes terminados em ‑logia e afins as pseudociências que praticam. E tome astrologia, ufologia, numerologia, grafologia, frenologia, iridologia, angelologia, demonologia, projeciologia, cientologia, radiestesia, radiônica, dianética…