Os coletes amarelos, o Museu Nacional e os milionários

Neste último fim de semana, os chamados “coletes amarelos”, manifestantes contra o governo francês conhecidos pelos coletes usados em suas manifestações, voltaram às ruas de Paris, desta vez não para protestar contra o preço dos combustíveis e sim contra o fato de inúmeros magnatas – inclusive a filantropa e socialite brasileira Lily Safra – estarem doando vultosas quantias ao fundo de reconstrução da catedral de Notre-Dame em vez de usarem seu dinheiro para combater a fome no mundo, especialmente na África.

Esse protesto segue, à primeira vista, uma lógica bem-intencionada e humanitária, portanto digna de louvor, ao mesmo tempo em que exporia o egoísmo e a indiferença dos milionários, mais preocupados com edifícios históricos do que com pessoas. No entanto, um exame mais profundo da questão revela que, por trás desses protestos, há um misto de idealismo romântico e falta de uma melhor compreensão da nossa realidade mundial.

Imagine que você disponha de 88 milhões de reais, quantia doada a Notre-Dame pela Senhora Lily, e deseje acabar com a fome na África. O que você faria? Procuraria o presidente de algum país africano para oferecer-lhe a generosa doação? E quem você encontraria? Provavelmente, um ditador com uniforme militar e o peito cheio de medalhas, que está há décadas no poder vivendo uma vida de luxo enquanto seu povo passa fome. Você entregaria seu dinheiro a esse indivíduo?

Mas, vamos supor que, em vez disso, você crie uma organização encarregada de distribuir os recursos diretamente à população. Você poderia fazer duas coisas: entregar às pessoas carentes sua ajuda em forma de alimentos ou entregá-la em dinheiro para que as próprias pessoas comprassem seus alimentos. Isso acabaria com a fome e a miséria na África? A meu ver, certamente não. O que mais provavelmente aconteceria é que, uma vez gastos todos os recursos, o povo voltaria a passar fome. Na verdade, é isso que vem acontecendo há décadas com as doações feitas por países ricos aos países pobres, notadamente da África e da América Latina: ou caem nas mãos de tiranos corruptos, que gastam o dinheiro com luxo e ostentação pessoal, jamais em benefício de seu povo, ou são gastos em ações assistencialistas que dão o peixe, mas não ensinam a pescar.

O fato é que a África, especialmente a subsaariana, é pobre há milênios, jamais tendo assistido ao surgimento de alguma civilização. A maior parte da população africana não tem uma ideia clara do que seja o Estado, mais acostumados que estão com a noção de tribo. Por isso mesmo, os Estados africanos, em grande parte desenhados pelos colonizadores europeus, têm servido apenas para legitimar governos ditatoriais e corruptos. Com um quadro desses, a doação de dinheiro não é um investimento no futuro dessas populações, é simplesmente um gasto a fundo perdido. E os magnatas, assim como os líderes dos países ricos, sabem disso.

Outro argumento ingênuo é o daqueles que reclamam que os milionários, dentre os quais uma brasileira, estão colaborando com a restauração da catedral parisiense mas não com a do nosso Museu Nacional, consumido pelas chamas em setembro passado.

Mais uma vez, eu lhe pergunto: você teria confiança em entregar 88 milhões de reais nas mãos dos burocratas do Ministério da Educação? Nas mãos do reitor da UFRJ? Nas mãos do diretor do Museu Nacional? Nas mãos do governo brasileiro?

Que garantia você teria de que o seu dinheiro, uma vez entregue ao governo ou à Universidade curadora do Museu, seria realmente aplicado na reconstrução desse patrimônio? E como você, milionário capitalista, espera ser recebido e tratado por burocratas de esquerda, como o são os dirigentes da Universidade e do Museu, que declaradamente têm ódio e desprezo por capitalistas?

É por essas e por outras, que nosso Museu, assim como o povo da África, vai continuar por um bom tempo passando o chapéu – inutilmente.

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