O que calma tem a ver com calor?

Nesse calorão que anda fazendo, é preciso beber muita água e manter a calma. Mas o que a calma tem a ver com o calor? Ao contrário do que possa parecer, tem muito a ver.

Tudo começa com o grego kaûma, “calor”, parente de palavras que deram em português cáustico, cautério e cauterizar, portanto termos que remetem à ideia de “fogo, queimar”. Kaûma passou ao italiano como calma, em que o u foi trocado pelo l por analogia com as palavras caldo, “quente”, e calore, “calor” — ocorreu aí a famosa pseudoetimologia, do mesmo modo como o nosso redemoindo virou rodamoinho por se acreditar que tenha algo a ver com rodar (afinal os redemoinhos são ventos que rodam).

Pois bem, o italiano calma significava originalmente o mesmo que o grego kaûma: calor. Mas, por uma metonímia do tipo “efeito pela causa”, passou a designar a pasmaceira provocada pelo calor, e daí quietude, falta de movimento, de agitação. Essa calma era especialmente a ausência de ventos no mar, a calmaria que impedia os navios de navegar ou os obrigava a utilizar remos. Daí para o sentido de tranquilidade enquanto ausência de tensão nervosa foi um pulinho. E daí também surgiram o adjetivo calmo e o verbo acalmar. Posteriormente apareceu o medicamento contra ansiedade chamado calmante.

Pois é, nestas noites quentes, abrasadoras, cáusticas, tem gente até tomando calmante para conseguir dormir.

Cabelo tem a ver com pelo?

A pergunta do título admite duas respostas. Do ponto de vista biológico, a resposta evidentemente é sim: cabelos nada mais são do que os pelos que recobrem a cabeça, mais precisamente o couro cabeludo. Já do ponto de vista etimológico, há controvérsias. Há quem defenda que o latim capillus, “cabelo”, é o resultado da composição (com truncamento) de caput, “cabeça”, e pilus, “pelo”. Ou seja, cabelos nada mais seriam do que os pelos da cabeça. Mas estudos etimológicos mais rigorosos parecem desmentir essa hipótese tão intuitiva.

Em primeiro lugar, é difícil explicar porque capillus tem dois ll enquanto pilus tem um só. É bem verdade que o latim também tinha a palavra pilleus (com dois ll), que designava um barrete (espécie de boina) feito de lã de ovelha não tosquiada (portanto peluda) e que é da mesma origem de pilus. Ocorre que pilus provém da raiz indo-europeia primitiva *pil-, ao passo que pilleus vem da raiz derivada *pils- (com sufixo ‑s – o encontro consonantal ls passava a ll em latim). Então capillus teria a ver com pilleus em vez de pilus? Não parece ser o caso. Além disso, a composição entre caput e pilus daria algo como *capitipilus e não capillus.

Em segundo lugar, a raiz indo-europeia que originou caput em latim, a saber, *kap-ut, admitia também formas com l: *kap-(e)lo-. Desta segunda provêm, dentre outros, o sânscrito kapála, “tigela, panela, crânio”, e o antigo inglês hafola, “cabeça”.

Em face disso, muitos etimólogos e indo-europeístas acreditam que capillus é uma derivação da raiz *kap-(e)lo-, representando um antigo adjetivo referente a “cabeça” que depois passou a ser usado como substantivo. Então capillus significaria originalmente apenas “capilar” (subentendido “pelo”), nada tendo a ver com pilus.

Curiosamente, o espanhol até hoje denomina “cabelo” mais frequentemente por pelo, embora também disponha da palavra cabello. E nas línguas germânicas, o mesmo vocábulo denomina “pelo” e “cabelo”, como vemos, por exemplo, no inglês hair.

Em resumo, a semelhança entre pilus e capillus em latim pode ser apenas fortuita, uma dessas coincidências que dão pano para a manga em matéria de pesquisa linguística e, portanto, mais uma peça que a evolução cega das línguas nos prega.

Do telefone celular ao besouro

Do telefone celular ao besouro

Aprendemos na escola que a célula é o elemento básico constitutivo de todos os seres vivos, o tijolo da construção da vida. Então por que o telefone celular tem esse nome? O que ele tem a ver com a célula?

Na verdade, em relação à célula sobre a qual aprendemos em biologia, nada. O que acontece é que, para que a telefonia móvel funcione, é preciso que o território seja coberto por um grande número de antenas que atingem com seu sinal uma determinada porção desse território à qual os engenheiros idealizadores da tecnologia deram o nome de célula. Portanto, em matéria de telefonia móvel, uma célula é uma região (por exemplo, um conjunto de ruas da cidade) atendida por uma antena. Quando nos deslocamos ao longo do território, vamos passando sucessivamente de uma célula a outra, o que quer dizer que deixamos de receber o sinal de uma antena e passamos imediatamente a receber o sinal de outra.

Mas por que cada uma dessas regiões cobertas por antenas se chama célula? Obviamente não perguntei aos criadores da tecnologia, nem tenho como, mas a ideia parece evidente: o mapa do território atendido por uma operadora desse tipo de serviço aparece dividido em um sem-número de pequenas áreas, que estão justapostas como as células de um organismo (outra metáfora possível seria a dos favos numa colmeia).

Agora vem a pergunta mais importante (pelo menos para um etimólogo como eu): por que a célula se chama célula? Esse vocábulo veio por via culta, mais precisamente pela linguagem da ciência, do latim cellula, diminutivo de cella, que quer dizer “cela”, lugar pequeno em que se oculta alguma coisa, pequeno esconderijo, e também despensa ou celeiro (note que este último termo deriva de cela). A cella latina também era o local recluso em que os monges dormiam – aliás o fazem até hoje. E, mais recentemente, cela passou também a significar o recinto em que ficam presos os detentos.

A palavra latina cella (anteriormente *celna) provém do verbo celare, “ocultar”, que também aparece na forma celere. Esta última tem um derivado ob- + celere = occulere, cujo particípio é justamente occultus, “oculto”. Todas essas formas radicam no indo-europeu *k̂el-, que significa “ocultar”, e aparece também no latim clam, “às escondidas”, que deu clandestino, bem como no grego calyptós, “oculto”, donde apocalipse, isto é, revelação (retirada da cobertura do que estava oculto).

Como já deu para perceber, a raiz indo-europeia *k̂el- tinha um significado primeiro de “cobrir”, do qual decorre o de “ocultar”. Nesse sentido de cobrir, saíram as palavras latinas color, “cor” (originalmente “tinta”), isto é, aquilo que cobre uma superfície, pintando-a, e cilium, “cílio” (o que cobre o olho). Dessa raiz também nos chegou a palavra de origem germânica elmo – para quem não sabe, o capacete da armadura medieval, ou seja, aquilo que cobre e protege a cabeça.

De lá saiu também o inglês hell, “inferno, lugar subterrâneo e escondido”, bem como hole, “buraco”. Por fim, daí veio o grego koleón ou koleós, “vagina” (acho que não é preciso explicar por quê), do qual nasceu o termo científico coleóptero, um tipo de inseto mais conhecido como besouro.

Quantos significados diferentes se ocultam nessa simples raiz, não? E tudo começou com o nome do telefone celular. Nome, aliás, que esse aparelho tem no Brasil. Em Portugal, chama-se telemóvel. Curiosamente, o nome americano do celular é cell phone, também fazendo referência à ideia de célula, ao passo que seu nome britânico é mobile phone, ou simplesmente mobile. Ou seja, enquanto brasileiros e americanos ressaltam a conexão do aparelho às acima explicadas células, portugueses e ingleses destacam o aspecto móvel dessa tecnologia.

A cítara e a guitarra

Outro dia, um amigo meu que é roqueiro e toca guitarra elétrica me perguntou a origem da palavra guitarra. Como acho que essa pode ser também a curiosidade de outras pessoas, resolvi responder à sua pergunta neste espaço.

A palavra portuguesa guitarra, que aqui no Brasil empregamos como sinônimo de guitarra elétrica (ou violão elétrico, como se dizia antigamente), significa originalmente apenas “violão”. Esse é o sentido da palavra no português lusitano e também em outras línguas (francês guitare, inglês guitar, italiano chitarra, etc.). O inglês, por exemplo, faz distinção entre electric guitar (a nossa guitarra) e acoustic guitar (o nosso violão).

Aliás, em Portugal o termo guitarra também é empregado para designar um tipo particular de instrumento de cordas característico da música portuguesa – quem já escutou algum fado na vida com certeza ouviu o som da guitarra portuguesa.

Essa palavra nos chegou do espanhol guitarra, igualmente significando “violão” – aliás, a Espanha é o berço do violão moderno, este que conhecemos e que substituiu o alaúde como instrumento de música popular. Mas o espanhol tomou essa palavra do árabe kītâra ainda nos tempos da dominação islâmica na península Ibérica. E agora o mais incrível: o árabe kītâra é empréstimo do grego kithára, que quer dizer… “cítara”. Isso mesmo, a guitarra, elétrica ou não, é neta do alaúde e bisneta da cítara grega, aquele instrumento musical semelhante a uma lira (que, por sua vez, é semelhante a uma pequena harpa).

Um dado interessante: o italiano chitarra proveio diretamente do árabe, ao passo que, nas demais línguas, a origem é o espanhol. É que, na Idade Média, os italianos, em especial os venezianos, comerciavam diretamente com o Oriente, de onde trouxeram a palavra e também o instrumento.

Dobrando as palavras

Boa tarde, não sei se a pergunta chega valer um artigo em seu blog, mas aí vai: queria saber qual o significado da raiz “plic” (ou ao menos me parece ser uma só raiz). Percebo que tem um monte de verbos com essa raiz, mas não consigo discernir um conceito comum entre eles. Só agora de cabeça, lembro de: aplicar, complicar, explicar, replicar, suplicar, implicar. Lembro também dos baseados em números, como duplicar e triplicar, mas imagino que estes não sejam da mesma raiz, pois vêm de adjetivos como duplo e triplo, a não ser que os adjetivos é que venham dos verbos…
Um abraço,
Cleverson

Caro Cleverson, sua pergunta vale sim um artigo! E aqui vai ele.

Todos os verbos que você menciona vêm do latim e são derivados de plicare, que significa “dobrar”. É desse verbo que saiu o português prega (de vestido), que é uma dobra no tecido.

Além dos verbos applicare, complicare, explicare, replicare, supplicare, implicare, duplicare, triplicare, etc., também temos em latim os adjetivos formados a partir do elemento de composição ‑plex, ‑plicis, como, por exemplo, simplex, “simples”, duplex, “dúplice”, triplex, “tríplice”, e assim por diante. Ou seja, adjetivos com o sentido de “dobrado uma, duas, três, etc. vezes”.

A par desse elemento ‑plex, há também o elemento ‑plus de simplus, duplus, triplus, que deu em nossa língua duplo, triplo, etc. E ambos os elementos radicam no indo-europeu *‑pel, “dobrar”. Esse radical também aparece no grego haplós, dyplós, etc., que igualmente significa “simples, duplo” e que aparece em português em palavras como haplologia, haploide e diploide.

Agora algumas curiosidades: os apartamentos duplex e triplex (inclusive o do Guarujá) na verdade deveriam chamar-se dúplex e tríplex, mantendo, portanto, a acentuação latina. (Na verdade, é assim que eles se chamam segundo a gramática normativa, que nenhum corretor de imóveis segue.)

E mais, “dobrar” é plegar em espanhol, plier em francês e piegare em italiano, todos provenientes do latim plicare. E também o inglês fold, o alemão falten e o sueco fålla, “dobrar”, são parentes distantes de plicare, já que também provieram do indo-europeu *‑pel.

O nosso verbo chegar também veio de plicare. Mas o que chegar tem a ver com dobrar? É que na Roma antiga a expressão plicare vela significava “dobrar as velas do navio ao atracar no cais”. Com o tempo, plicare passou a significar “chegar ao cais” e, por extensão, “chegar” (a qualquer lugar).

Curiosamente, em romeno, outra língua neolatina, o verbo a pleca quer dizer exatamente o oposto, ou seja, “partir”. É que no latim dos soldados romanos plicare tentorium era “dobrar a tenda” e plicare sarcinam, “dobrar (isto é, fechar) a mochila”, duas atitudes de quem desmonta o acampamento para ir embora.

O que o câncer tem a ver com o caranguejo?

Este fim de semana foi marcado pela tristeza de duas grandes perdas: a morte da atriz Eva Wilma e a do prefeito de São Paulo Bruno Covas, ambas causadas pelo câncer.

Falar sobre essa doença ainda é tabu para certas pessoas, que, imbuídas da chamada concepção metonímica de signo, acreditam que o nome é a própria coisa nomeada e que, portanto, pronunciar o nome é invocar a coisa. Por isso muitos ainda dizem que fulano morreu da doença ruim, daquela doença ou mesmo daquilo.

Mas por que o câncer tem esse nome? Em latim, cancer quer dizer simplesmente “caranguejo”, da mesma forma que o grego karkínos (de carcinoma, por exemplo). Aliás, em alguns horóscopos, o signo de câncer é mencionado como caranguejo. Mas os médicos da Antiguidade já atribuíam à doença esse nome. A explicação corrente é que o tumor canceroso se espalha pelo corpo como as patas e pinças do caranguejo, ou que as próprias ramificações do tumor lembram os membros desse crustáceo.

No entanto, o etimologista Mário Eduardo Viaro, meu colega na USP, propõe outra explicação para essa denominação. Segundo ele, o que motivou a analogia não foi propriamente o caranguejo e sim a craca, um outro crustáceo, que adere à superfície do primeiro e ali vive como parasita. Esta sim, a craca, teria o aspecto similar ao de um tumor maligno. Tanto que uma certa doença que atinge os chifres dos bovinos e os deixa com aspecto apodrecido também é chamada de craca, embora não tenha nenhuma relação biológica com a craca marinha.

Mas de onde vem a palavra latina cancer? A hipótese mais provável é que proceda de um latim arcaico *carcros por dissimilação dos dois rr, em que o primeiro deles se transformou em n. Isso se confirma pelo testemunho do grego karkínos (de *karkrínos, igualmente com dissimilação) e também do sânscrito karkaṭaḥ, “caranguejo”,  e karkaraḥ, “duro”. Todas essas palavras remontam à raiz indo-europeia *kar-, “duro”, que deu também o inglês hard. Ou seja, trata-se de uma referência à carapaça dura do crustáceo.

A própria palavra portuguesa caranguejo provém do latim vulgar cancridium, diminutivo de cancer. É interessante que em Portugal a doença, cujo nome técnico é neoplasia maligna, se chame cancro, denominação que se dá no Brasil a outro tipo de doença, de natureza venérea. Aliás, essa distinção brasileira entre câncer e cancro também é feita em francês e inglês, línguas em que temos cancer e chancre.

A origem da palavra “trabalho”

Hoje, Dia do Trabalho, o assunto não podia ser outro se não ele mesmo, o trabalho – ou melhor, a palavra trabalho. Se hoje se acredita que o trabalho dignifica o homem (isto é, o ser humano, o que inclui evidentemente as mulheres), a origem da palavra não é tão digna assim. Afinal, durante muito tempo, a ideia de trabalho esteve ligada às classes mais baixas da sociedade, ou seja, escravos, servos e operários. Tanto que trabalho se origina do latim tardio tripalium, um instrumento de tortura formado de três estacas de madeira cruzadas (tripalium quer dizer literalmente “três paus”), em que os escravos eram amarrados para ser açoitados.

Essa palavra latina também passou a outras línguas românicas como o espanhol trabajo, o catalão treball e o francês travail, sempre com o sentido de “trabalho”. Do francês, passou ao inglês travel, “viajar”, pois, segundo consta, as estradas inglesas na Idade Média eram tão ruins que viajar por elas era um verdadeiro suplício.

Menos estigmatizada que trabalho era a palavra lavor, do latim labor, tanto que os intelectuais não se referiam à sua atividade como um trabalho e sim como um lavor do espírito.

Labor e seu derivado laborare deram em português, além de lavor, o verbo lavrar (isto é, trabalhar a terra para semeá-la) e, deste, os substantivos lavra e lavrador, assim como lavoura (do latim laboria, derivado de labor). “Trabalho” em italiano é até hoje lavoro, derivado de lavorare, do latim laborare. Esse verbo também aparece em termos cultos como elaborar e colaborar, designativos de ações que implicam a ideia de trabalho: elaborar é criar do nada, e colaborar é trabalhar juntos.

O adjetivo “trabalhista” em espanhol é laboral e o partido trabalhista inglês é o Labour Party.

Mas também em outros idiomas a palavra para “trabalho” remete às classes baixas. Por exemplo, o alemão Arbeit provém de uma raiz indo-europeia *orbh, que significava “órfão” (por sinal, o português órfão vem do grego orphanós, que descende dessa raiz indo-europeia). Mas o que tem o órfão a ver com trabalho? É que, na Antiguidade e Idade Média, as crianças órfãs eram recolhidas pelas famílias na condição de serviçais, ou seja, não tinham os direitos que tem hoje uma criança adotada; os órfãos eram meros prestadores de serviços, em troca dos quais recebiam casa e comida, mas não tinham direito a herança. (E aqui vai mais uma curiosidade: a palavra alemã para “herdeiro” é Erbe, que também procede da raiz indo-europeia *orbh. É que o herdeiro só tinha acesso aos bens dos pais quando estes morressem, ou seja, quando se tornasse órfão.

Mas vou parando por aqui porque este texto está me dando trabalho, e hoje, Dia do Trabalho, é dia de descanso. Até a próxima!

As enganosas palavras do grego moderno

O grego moderno é bem diferente do antigo, mas muitas palavras continuam as mesmas. Por isso, é comum reconhecermos em manchetes de jornais gregos (isto é, supondo que saibamos transliterar do alfabeto helênico para o nosso, latino) palavras que já conhecemos. O problema é que essas palavras em geral têm significado diferente daquele a que estamos habituados. Por exemplo, Demokratía Hellás, que é o nome oficial do Estado grego, não significa “Democracia Grega”, mas “República Grega”. Em frente ao Parlamento, em Atenas, há uma praça que ficou famosa pelas manifestações contra o pacote de ajuste fiscal imposto pela União Europeia para salvar a Grécia da falência em 2015. É a Praça Sýntagma, ou Praça da Constituição. Só que para nós sintagma é uma figura de gramática. Aliás, a metáfora, outra figura presente em nossas gramáticas, aparece com frequência em caminhões-baú na Grécia. É que metaphorá quer dizer mudança.

Voltando a falar naquela crise financeira grega, quando o FMI e a União Europeia aprovaram o empréstimo bilionário ao governo grego, os partidos políticos tiveram de selar um acordo para a aprovação de duras medidas de austeridade. No dia seguinte, os jornais gregos estamparam a manchete “Acordo!”, que em grego é Symphonía!.

O que há de comum entre “doce” e “glicose”?

E aí, pessoal, comeram muitos doces nessas Festas? Todo início de ano, as pessoas prometem perder peso, trancar a boca, fazer academia, mas, na última semana do ano, o que elas fazem? Ganham peso! É claro que o doce não é o único vilão dessa história, mas datas como Natal e Páscoa são pródigos em guloseimas açucaradas.

Todo mundo sabe que o que dá o gosto doce aos alimentos é o açúcar. Ou melhor, os açúcares, já que se trata de um vasto conjunto de compostos químicos que atendem pelos mais diversos nomes científicos: glicose, frutose, lactose, sacarose…

A origem de termos como frutose e lactose é óbvia: açúcares extraídos respectivamente das frutas e do leite. Mas, de onde vêm sacarose? E glicose?

Sacarose (e também sacarina, sacarídeo, etc.) deriva de um radical grego sakkharon, que significa “açúcar” e provém do páli sakkhara, este por sua vez procedente do sânscrito sárkara, “areia”. Portanto, na origem do nome está uma interessante metáfora, em que os grãos do açúcar são comparados aos da areia. (Não por acaso, já vi arear panelas com açúcar, se bem que, após o advento da palha de aço, nem areia se usa mais para esse fim.)

A própria palavra açúcar é da mesma origem, embora nos tenha chegado por outro caminho. Neste caso, o sânscrito passou ao persa shakar, que passou ao árabe sukkar. Este deu o italiano zucchero, e daí o alemão Zucker, mas também o francês sucre (e deste o inglês sugar). Já o português e o espanhol tomaram a palavra diretamente do árabe, e com a incorporação do artigo, pois al sukkar significa literalmente “o açúcar”. Por assimilação, al sukkar evoluiu para assukkar, que para entrar no português só precisou de uma adaptação ortográfica.

Curiosamente, “açúcar” em romeno é zahar, o que denuncia a origem da palavra diretamente no grego ou em alguma língua do Oriente.

E o radical glico-, de glicose, que também se diz glucose, de onde veio? Havia em indo-europeu uma raiz *dluk, “doce”, que, por dissimilação (e, evidentemente, por maior facilidade de pronúncia) deu em grego gluk, de onde vieram glicose, glucose, glicemia, glicogênio, etc. Em latim, *dluk deu dulk, também para facilitar a pronúncia (convenhamos que esse encontro consonantal dl não é dos mais fáceis de pronunciar). E de dulk veio o adjetivo dulcis, que produziu em português doce, edulcorar, Dulcora (uma antiga marca de balas e drops), dulçor, o nome próprio Dulce, e assim por diante.

Uma última curiosidade: em muitas línguas, “doce” é sinônimo de “macio” (por exemplo, em francês chiffon doux quer dizer “pano macio”), provavelmente porque o gosto doce é percebido como suave ao paladar. Por isso mesmo, um homem apaixonado oferece bombons à amada; espinafre não teria o mesmo efeito romântico… Mas, voltando à etimologia, a raiz indo-europeia *swad, que significava indiferentemente “doce” ou “macio”, é a origem do grego hedús, de hedonismo, do latim suavis, “suave”, e do inglês sweet, “doce”.

Então, pessoal, partiu 2019, bora malhar!

A origem do nome “Jesus Cristo”

Já que estamos a exatamente uma semana do Natal, festa máxima da cristandade, gostaria de fazer um comentário sobre o nome do principal personagem dessa comemoração: Jesus Cristo.

Quando eu era criança, achava que Cristo era o sobrenome de Jesus, algo assim como Jesus da Silva ou Jesus Pereira. Mais tarde, aprendi que Cristo é um epíteto dado a Jesus e significa “ungido” em grego. Mas qual era o verdadeiro nome de Jesus? Como judeu que era, ele tinha um nome aramaico (o aramaico, derivado do hebraico, era a língua falada pelos judeus do século I da nossa era): Yehoshua (ou Yeshua) ben Youssef, isto é, Josué, filho de José.

Mas Jesus também era conhecido como Jesus de Nazaré, ou Jesus o Nazareno, em razão de sua cidade de origem. Ao ter sido batizado no rio Jordão e reconhecido como o mensageiro de Javé que viera libertar o povo judeu da opressão romana (Yehoshua significa “Javé salva”), Jesus recebeu o epíteto de Mashiach (“Messias”), que em hebraico quer dizer “ungido”. Como o Novo Testamento foi redigido num grego tardio chamado koiné, o nome Yeshua Mashiach foi traduzido para Iesoûs ho Khristós, literalmente “Jesus o Ungido”.

À medida que o Cristianismo se disseminou por Roma, chegando ao ponto de assumir o latim como sua língua oficial, o nome grego de Jesus foi latinizado para Iesus Christus (o latim não tem artigos), donde o português Jesus Cristo, o espanhol Jesucristo, o inglês Jesus Christ, e assim por diante. Mas, se “ungido” em latim é unctus, por que Jesus não ficou conhecido em Roma como Iesus Unctus? É que o prestígio da língua grega em Roma era muito grande, e o fato de os Evangelhos terem sido escritos em grego pesou decisivamente para que o epíteto grego Khristós não fosse traduzido, mas apenas adaptado para Christus. Por essa razão, mesmo os cristãos falantes do latim chamavam seu mestre de Christus e não de Unctus, o que, diga-se de passagem, foi ótimo. Já pensaram se a figura central do Cristianismo se chamasse Jesus Unto?