Toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues. Ao que alguns arrematam com o argumento teológico: “Nem Jesus Cristo atingiu a unanimidade”. Qualquer que seja a posição defendida, sempre haverá apoiadores e detratores. Alguns economistas e analistas políticos são declaradamente de esquerda; outros são assumidamente neoliberais. Certos gramáticos são tradicionalistas, outros mais reformistas. O problema é que, tanto quanto a unanimidade, toda rotulação é burra: ninguém é só uma coisa ou só outra. E os rótulos resultam em geral de uma avaliação apressada, quando não preconceituosa. A discordância e o debate de ideias são absolutamente saudáveis numa sociedade democrática. Mais do que isso: são imprescindíveis. Entretanto, esse debate se vê empobrecido por certas posturas, que a internet ajuda a revelar.
Lendo notícias na web ou os blogs de meus colunistas preferidos, sempre dou uma olhada nos comentários que os leitores postam. Por sinal, antigamente o jornalismo era um monólogo: o articulista escrevia, o leitor lia, e pronto. Hoje, graças à tecnologia, a relação ficou mais interativa, de modo que é possível fazer o contraponto entre a ação e a reação. Para estudiosos do discurso como eu, é fascinante comparar o que o autor disse e o que os leitores entenderam. Mas, em muitos casos, é também decepcionante.
Se é verdade que alguns comentários são brilhantes, complementando e enriquecendo os argumentos do autor da matéria, bem como lançando perguntas que ensejariam um novo artigo, há outros para os quais vale a máxima chinesa “a palavra é prata, o silêncio é ouro”.
Em primeiro lugar, boa parte dos comentários postados em blogs e sites de notícias é bem mal redigida. E não me refiro apenas a erros de grafia ou gramática, mas à falta de concatenação das ideias, um vácuo mental de quem quer se expressar, mas não sabe fazê-lo. E como quem não se expressa com clareza em geral não pensa com clareza, é de se deduzir que tais pessoas dificilmente entendem o que leem – portanto atiram no que não veem. (Fico ainda mais estarrecido ao ler comentários desse tipo em blogs que tratam da língua portuguesa.)
Em segundo lugar, muitos leitores questionam as afirmações do texto de maneira superficial, apoiados apenas no senso comum, sem meditar mais profundamente sobre o tema, sem se informar a respeito para saber o quanto daquilo realmente procede. Em certos casos, leitores acusam de achismo ou viés pessoal informações objetivas, de cunho científico, fundamentadas por farta documentação (evidentemente, não é usual incluir bibliografia em matérias jornalísticas, o que não significa que ela não exista). A situação é ainda pior quando o artigo contrapõe a racionalidade ao senso comum, mostrando o quanto a intuição do leigo sobre a realidade é equivocada, quão estreita é sua visão, como frequentemente acontece em matérias sobre biologia evolucionária, cosmologia, política, economia e mesmo sobre a língua. Nesses casos, uma crítica vazia, sem embasamento, acaba produzindo exatamente o efeito inverso do que pretende, isto é, provando a estupidez do senso comum.
Mas há também o dogmatismo. Política, futebol e língua são assuntos-tabu tanto quanto a religião. Nesses casos, se o dogma está em desacordo com a realidade, errada está a realidade, não o dogma. Se o autor do texto é identificado, ainda que erroneamente (por leitura superficial ou rotulação burra), como adepto de uma linha de pensamento diferente da do leitor, este por vezes nem se dá ao trabalho de ler e já discorda a priori de tudo o que não leu.
Temos ainda a leviandade, irmã siamesa da arrogância, facilitada pelo suposto anonimato que a rede proporciona. Aí entra a acusação de se ter dito o que não se disse, a crítica pela crítica (mais raramente o elogio pelo elogio), e para tal vale de tudo, até desconsiderar todas as qualidades da matéria para se apegar a algum deslize perdoável do autor – ou do revisor.
Por último, há a pura e simples falta de polidez. Que o leitor discorde do conteúdo ou das posições do texto, não importa se com razão ou não, é um direito seu. Mas muitos abusam dessa fantástica possibilidade tecnológica de exercer online e em tempo real o direito à liberdade de expressão para insultar as pessoas citadas na matéria, quando não o próprio redator. Aristóteles, em suas Refutações Sofísticas, já alertava para a falácia do argumentum ad hominem: a grosseria é o argumento de quem não tem argumentos.
Em resumo, nunca tivemos tanta facilidade de debater ideias e opiniões na mídia como nos dias de hoje; nunca o receber e o transmitir informação foram tão fáceis e acessíveis como agora; e, no entanto, muitas pessoas desperdiçam essa oportunidade falando sem ter o que dizer.
Nossa formação baseada em educação ruim e cultura alienante deve ter-nos deixado assim. Pelos artigos que tenho lido e pelos comentários que lhes são apostos, chego à conclusão de que no Brasil não faltam cabeças pensantes: falta quem as compreenda.