As metáforas da crise política

Desde que a crise política entre os Poderes do Estado se instalou, ou melhor, foi artificialmente criada em nosso país, tem pululado na imprensa e entre os agentes políticos uma série de metáforas para descrever a situação. Desde que Bolsonaro começou a ensaiar o golpe que nunca dará, passamos a ouvir expressões como “jogar fora das quatro linhas da Constituição”, “esticar a corda”, “avançar o sinal”, “cruzar o Rubicão”, “enquadrar o STF”, “panela de pressão prestes a explodir”, “queimar as pontes entre o Executivo e o Judiciário”, “jogar para a plateia”, “fazer cortina de fumaça” e algumas outras.

“Jogar fora das quatro linhas da Constituição” faz referência a uma partida de futebol, em que só são válidas as jogadas que ocorrem dentro de campo; portanto, fora das quatro linhas, temos o desrespeito à Constituição e, consequentemente, o arbítrio.

Também do futebol vem a expressão “jogar para a plateia”, em que o jogador está mais preocupado em fazer jogadas bonitas do que eficientes, logo em encantar o público e não em ganhar o jogo. Nesse sentido, ao fazer suas bravatas, o Presidente insufla sua torcida, isto é, seus apoiadores, mas não rompe de fato com o estado de direito.

Já “esticar a corda” remete ao cabo de guerra, esporte em que cada grupo de competidores puxa uma das extremidades de uma corda, vencendo aquele que conseguir derrubar o grupo adversário. Muito praticado pelos militares, e por isso mesmo relacionado ao universo de Bolsonaro, é um exercício de medição de forças. Ou seja, ele e o Supremo Tribunal Federal estariam disputando para ver que é o mais forte. Depois de suas declarações de ontem em Brasília e em São Paulo por ocasião do Sete de Setembro, o capitão Bolsonaro teria, segundo analistas, não apenas esticado, mas rompido a corda, num processo sem volta.

Também do vocabulário militar vêm as expressões “fazer cortina de fumaça” e “queimar as pontes”. A cortina de fumaça é uma fogueira que as tropas fazem para que, encobertas pela fumaça, o inimigo não possa vê-las. Assim, a própria crise entre os Poderes seria uma tática diversionista para desviar a atenção da opinião pública dos reais problemas do país: má gestão da pandemia, com quase 600 mil mortes; má gestão da crise hídrica, em grande parte causada pelo próprio descaso do governo com a destruição da Amazônia (sim, amigos, o desmatamento é o principal responsável pela falta de chuvas no Sudeste e Centro-Oeste); alta do dólar; alta dos combustíveis; alta da inflação; desemprego em massa; fome; corrupção no governo; reformas ruins e que, mesmo assim, não andam no Congresso (agora devem andar menos ainda), y otras cositas más.

Por outro lado, quando uma tropa atravessa um rio, ela queima a ponte por onde passou para que o inimigo não possa alcançá-la. Por isso, “queimar as pontes” é ao mesmo tempo romper a comunicação e destruir qualquer possibilidade de retorno. É exatamente o que faz o Presidente.

“Avançar o sinal” é evidente metáfora do trânsito, em que ultrapassar o sinal vermelho é infração gravíssima, assim como desrespeitar ou tentar destruir a ordem democrática.

“Cruzar o Rubicão” alude ao episódio da história de Roma em que, tendo conquistado a Gália, Júlio César atravessou um rio chamado Rubicão, que separava a Gália Cisalpina da Itália, marchou com seu exército sobre Roma, o que era proibido pela lei romana, e declarou guerra ao Senado. Nessa ocasião, proclamou: alea jacta est, “a sorte está lançada”. A partir de então, “cruzar o Rubicão” passou a significar “tomar uma decisão arriscada e irreversível”.

A “panela de pressão prestes a explodir” é uma óbvia analogia a situações de grande tensão emocional das quais qualquer ato explosivo pode repentinamente surgir, como a ruptura institucional, por exemplo.

Por fim, “enquadrar o STF” ou “enquadrar o ministro Alexandre de Moraes” remete a colocar a pessoa ou instituição dentro de uma moldura, como um quadro, de modo que ela não possa sair e fique confinada a esse espaço. No caso em questão, trata-se de limitar o poder de ação do(s) ministro(s) do Supremo, especialmente em ações que possam atingir Bolsonaro ou seus apoiadores.

O recurso à metáfora é uma das estratégias comunicativas mais antigas que existem. Eu arriscaria dizer que ela surgiu praticamente junto com a própria aptidão linguística do ser humano. Prova disso é que grande parte das palavras que usamos são metáforas desgastadas das quais já não nos damos mais conta. Tanto que acabei de empregar uma: desgastar uma metáfora é empregá-la com tal frequência que ela deixa de ser sentida como figura de linguagem, do mesmo modo como se desgasta uma ferramenta de tanto usá-la até que ela perca sua funcionalidade. Infelizmente, o cenário atual nos tem brindado com mais metáforas do que com saídas para a crise.

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Agora uma consideração política: apoiar Bolsonaro neste momento é, a meu ver, trabalhar para eleger Lula no próximo ano. Se o capitão sofrer impeachment, o segundo turno da eleição de 2022 será disputado entre Lula e o candidato da terceira via, seja ele quem for. E esse candidato, seja ele quem for, terá grandes chances de derrotar Lula, dada a grande rejeição que o petista e seu partido têm no eleitorado brasileiro. Já uma disputa de segundo turno entre Lula e Bolsonaro evidentemente favorece o primeiro. Portanto, os bolsonaristas podem estar involuntariamente fazendo campanha para seu arqui-inimigo. Ou, para usar mais uma metáfora, dando um tiro no próprio pé.

No dia da Independência, a origem da palavra

Acho nossa data nacional, o Sete de Setembro, uma expressão bastante sonora e, portanto, retumbante como devem ser as datas nacionais. E é retumbante talvez pela reiteração do número sete no nome do mês – em documentos medievais, setembro chegava a ser grafado como 7bro –, embora saibamos que setembro não é o sétimo e sim o nono mês do ano. A explicação para esse desencontro entre número e mês o leitor pode conferir no vídeo “Abril tem a ver com abrir?”, no meu canal do YouTube.

Mas hoje quero falar sobre a origem da palavra independência. Segundo a maioria dos dicionários, independência deriva por prefixação do substantivo dependência, que por sua vez provém do adjetivo dependente, por sua vez do verbo depender, sendo este empréstimo do latim dependere.

Na verdade, as palavras independência, dependência e dependente vieram todas do francês, cujos registros mais antigos são anteriores aos nossos. Mas, de fato, depender, assim como o francês dépendre, proveio do latim dependere, formado de de‑, “para baixo” e pendere, “pender, estar pendurado”. Portanto, “depender” é literalmente “pender para baixo, estar pendurado (em algo ou alguém)”.

É muito interessante essa visão da dependência como a situação de alguém que só se sustenta em pé ou no ar na medida em que pende (por uma corda, por exemplo) de alguém ou de algum lugar. Isso significa que o dependente pode cair a qualquer momento se a pessoa ou coisa que o sustenta retirar seu apoio, mais ou menos como cabides pendem de um varão, roupas pendem de um varal ou filhos menores dependem dos pais. Isso vale também para a dependência química, em que a abstinência provoca intenso mal-estar.

Como resultado, independência é a condição de quem não está amarrado a nada, de quem não precisa de nada ou ninguém em quem se pendurar. O que me faz questionar se somos de fato uma nação independente. Mas isso já é outra história.

Bom final de feriado a todos!