Luiz Felipe Pondé e a pauta dos animais

Recentemente, o filósofo Luiz Felipe Pondé publicou um vídeo em seu canal do YouTube respondendo à pergunta “Por que não me preocupo com a pauta dos animais?”. Admiro muito Pondé por sua sensatez e equilíbrio na análise das mais diversas questões, desde as existenciais até as políticas, mas no vídeo em questão sou obrigado a dizer que o pensador tratou a questão de forma rasa e pouco sensível.

Logo de início, ele argumenta que a natureza é uma máquina de sofrimento e que, embora ninguém em sã consciência seja a favor do sofrimento, animais se alimentam de animais e que se deveria perguntar a um leão se ele é a favor do sofrimento. Mais adiante, ele questiona o que farão os veganos se um dia descobrirem que os vegetais também têm sentimentos: comerão o próprio corpo como única saída possível?

Todos sabemos que seres vivos se alimentam de outros seres vivos, sejam eles animais ou vegetais. Nisso a natureza é sábia, pois, se nos alimentássemos de minerais, que são recursos não renováveis, estaríamos devorando nosso próprio planeta. Portanto, até por ser uma lei da natureza, alimentar-se de animais não seria, em princípio, um problema ético. A questão é como o ser humano trata os animais que come.

O leão tem no antílope (eu ia dizer “veado”, mas algum militante LGBTQIAXYZ pode se sentir ofendido) seu alimento, mas, para comê-lo, ele precisa caçá-lo, e aí temos uma luta de igual para igual. Um dia é da caça, o outro do caçador, logo às vezes o leão mata e come o antílope, às vezes o antílope consegue fugir e sobreviver — para azar do leão.

Os índios (ou indígenas, ou povos originários) brasileiros costumam caçar para comer e até usam um meio um tanto desleal em relação aos bichos que caçam chamado arco e flecha; sim, com esse artefato tecnológico, levam certa vantagem sobre a presa, o que não aconteceria se caçassem só com as próprias mãos. Mesmo assim, jamais caçam além do que precisam para o seu consumo imediato, e algumas tribos ainda realizam cerimônias religiosas em memória dos animais que abatem, encomendando sua alma aos deuses num ato de gratidão.

Já nossa moderna civilização transformou os animais em mercadoria. Quando o dinheiro fala, qualquer princípio ético ou moral se cala — ou é calado. Nas fazendas de gado, tanto de corte quanto leiteiro, bem como nas granjas e avícolas, as condições de vida dos animais são absolutamente miseráveis e desumanas. As técnicas utilizadas no  abate de animais são de fazer inveja a qualquer administrador do campo de concentração de Auschwitz. A pesca predatória nos oceanos elimina muito mais peixes, moluscos e crustáceos do que aqueles que vão ser efetivamente comercializados e consumidos — o que já não seria pouco diante de uma humanidade de 8 bilhões de bocas ávidas de comida. Como resultado, temos a progressiva extinção de um grande número de espécies, o que vem causando um desequilíbrio ambiental irreversível.

Mas a pauta animal não se restringe ao veganismo: quem compra um cãozinho de raça está alimentando uma máfia de criadores inescrupulosos, para quem cachorro é dinheiro, e por trás de todo filhote fofinho há uma mãe (eles chamam desumanizadamente de “matriz”) maltratada, totalmente carente de cuidados, que dirá de carinho, cujo único propósito na vida é parir, e um pai (eles chamam de “reprodutor”) igualmente tratado como mera máquina de copular fêmeas. Quando não servem mais a esses propósitos capitalistas, são simplesmente descartados (mortos é uma palavra muito forte, né?).

Outro grande equívoco do Sr. Pondé em seu vídeo é associar a pauta animal a um modismo de comportamento. É mais ou menos o que faz a direita que enriquece vendendo armas e agrotóxicos ao dizer escarnecendo que “isso é coisa de esquerdista”. Nesse caso, a caridade, o pacifismo, o ambientalismo, a luta por justiça social e, mais ainda, a ética, a solidariedade, a gentileza, o amor ao próximo, tudo isso são pautas de esquerda, “coisa de comunista”. Sei que Pondé não é exatamente um direitista burro; suas posições políticas estão mais ao centro do que à direita, e burro é algo que ele definitivamente não é. Entretanto, sua crítica aos modismos de comportamento, à qual eu também faço coro (por exemplo, só nesta postagem zombei duas vezes da excrescência chamada linguagem politicamente correta), o levou desta vez a tecer um comentário raso onde ele poderia ser profundo, mesmo que seu vídeo ficasse um pouco mais longo. Talvez a pressa de produzir conteúdo toda semana para manter o famigerado engajamento (e a consequente monetização) o tenha levado à pouca reflexão, o que não é típico dele. Mas pode ser também que ele seja de fato um insensível, alguém a quem o excesso de leitura de filosofia, de gnósticos, estoicos até os cínicos, tenha embrutecido. Afinal, segundo a racionalidade fria da filosofia, a natureza é uma máquina de sofrimento, não é mesmo? E máquinas não têm sentimento. Por enquanto.