Recentemente, o filósofo Luiz Felipe Pondé publicou um vídeo em seu canal do YouTube respondendo à pergunta “Por que não me preocupo com a pauta dos animais?”. Admiro muito Pondé por sua sensatez e equilíbrio na análise das mais diversas questões, desde as existenciais até as políticas, mas no vídeo em questão sou obrigado a dizer que o pensador tratou a questão de forma rasa e pouco sensível.
Logo de início, ele argumenta que a natureza é uma máquina de sofrimento e que, embora ninguém em sã consciência seja a favor do sofrimento, animais se alimentam de animais e que se deveria perguntar a um leão se ele é a favor do sofrimento. Mais adiante, ele questiona o que farão os veganos se um dia descobrirem que os vegetais também têm sentimentos: comerão o próprio corpo como única saída possível?
Todos sabemos que seres vivos se alimentam de outros seres vivos, sejam eles animais ou vegetais. Nisso a natureza é sábia, pois, se nos alimentássemos de minerais, que são recursos não renováveis, estaríamos devorando nosso próprio planeta. Portanto, até por ser uma lei da natureza, alimentar-se de animais não seria, em princípio, um problema ético. A questão é como o ser humano trata os animais que come.
O leão tem no antílope (eu ia dizer “veado”, mas algum militante LGBTQIAXYZ pode se sentir ofendido) seu alimento, mas, para comê-lo, ele precisa caçá-lo, e aí temos uma luta de igual para igual. Um dia é da caça, o outro do caçador, logo às vezes o leão mata e come o antílope, às vezes o antílope consegue fugir e sobreviver — para azar do leão.
Os índios (ou indígenas, ou povos originários) brasileiros costumam caçar para comer e até usam um meio um tanto desleal em relação aos bichos que caçam chamado arco e flecha; sim, com esse artefato tecnológico, levam certa vantagem sobre a presa, o que não aconteceria se caçassem só com as próprias mãos. Mesmo assim, jamais caçam além do que precisam para o seu consumo imediato, e algumas tribos ainda realizam cerimônias religiosas em memória dos animais que abatem, encomendando sua alma aos deuses num ato de gratidão.
Já nossa moderna civilização transformou os animais em mercadoria. Quando o dinheiro fala, qualquer princípio ético ou moral se cala — ou é calado. Nas fazendas de gado, tanto de corte quanto leiteiro, bem como nas granjas e avícolas, as condições de vida dos animais são absolutamente miseráveis e desumanas. As técnicas utilizadas no abate de animais são de fazer inveja a qualquer administrador do campo de concentração de Auschwitz. A pesca predatória nos oceanos elimina muito mais peixes, moluscos e crustáceos do que aqueles que vão ser efetivamente comercializados e consumidos — o que já não seria pouco diante de uma humanidade de 8 bilhões de bocas ávidas de comida. Como resultado, temos a progressiva extinção de um grande número de espécies, o que vem causando um desequilíbrio ambiental irreversível.
Mas a pauta animal não se restringe ao veganismo: quem compra um cãozinho de raça está alimentando uma máfia de criadores inescrupulosos, para quem cachorro é dinheiro, e por trás de todo filhote fofinho há uma mãe (eles chamam desumanizadamente de “matriz”) maltratada, totalmente carente de cuidados, que dirá de carinho, cujo único propósito na vida é parir, e um pai (eles chamam de “reprodutor”) igualmente tratado como mera máquina de copular fêmeas. Quando não servem mais a esses propósitos capitalistas, são simplesmente descartados (mortos é uma palavra muito forte, né?).
Outro grande equívoco do Sr. Pondé em seu vídeo é associar a pauta animal a um modismo de comportamento. É mais ou menos o que faz a direita que enriquece vendendo armas e agrotóxicos ao dizer escarnecendo que “isso é coisa de esquerdista”. Nesse caso, a caridade, o pacifismo, o ambientalismo, a luta por justiça social e, mais ainda, a ética, a solidariedade, a gentileza, o amor ao próximo, tudo isso são pautas de esquerda, “coisa de comunista”. Sei que Pondé não é exatamente um direitista burro; suas posições políticas estão mais ao centro do que à direita, e burro é algo que ele definitivamente não é. Entretanto, sua crítica aos modismos de comportamento, à qual eu também faço coro (por exemplo, só nesta postagem zombei duas vezes da excrescência chamada linguagem politicamente correta), o levou desta vez a tecer um comentário raso onde ele poderia ser profundo, mesmo que seu vídeo ficasse um pouco mais longo. Talvez a pressa de produzir conteúdo toda semana para manter o famigerado engajamento (e a consequente monetização) o tenha levado à pouca reflexão, o que não é típico dele. Mas pode ser também que ele seja de fato um insensível, alguém a quem o excesso de leitura de filosofia, de gnósticos, estoicos até os cínicos, tenha embrutecido. Afinal, segundo a racionalidade fria da filosofia, a natureza é uma máquina de sofrimento, não é mesmo? E máquinas não têm sentimento. Por enquanto.
Aldo, obrigada por nos presentear com mais um texto. Amo ler suas postagens aqui e na página Língua e Tradição.
Acho que o Pondé, nesse vídeo, focou apenas na questão do veganismo, nos argumentos (também rasos) de alguns militantes. Talvez o tenha feito por birra, daí não se aprofundou e não tocou em pontos importantes como os que você menciona.
Concordo com você quanto às críticas ao tratamento dos animais nesses matadouros (outro nome pesado, não é?) da vida e do uso indiscriminado de agrotóxicos (mas esse nome não é bom para o marketing, eles gostam de “defensivo agrícola”).
Até mais.
Fernanda, essa página “Língua e Tradição” é do prof. Aldo? É do Facebook?
Patrick, “Língua e Tradição” é uma página do Facebook cujo endereço é https://www.facebook.com/linguaetradicao e na qual eu publico mensalmente.
Todo bom vegetariano aplaude de pé!
Dois comentários ao seu comentário:
1) Eu debocho da linguagem politicamente correta, não das causas que ela defende.
2) Seu argumento sobre o preço da carne só faz reforçar o que eu disse no texto: “Quando o dinheiro fala, qualquer princípio ético ou moral se cala”.
Tenha um bom dia!
Caro Aldo:
O seu segundo comentário é mera lacração, se me desculpa a franqueza, porque há mais de um princípio ético, e, não raramente, um ou mais princípios conflitam. Quando conflitam, é preciso sopesá-los, o que pode ocorrer de muitos modos, conforme diferentes teorias, de variados e, não raramente, muito divergentes fundamentados.
Eu, por exemplo, não ponho, como o Peter Singer, os animais em pé de igualdade com os seres humanos. Para o Singer, comer um animal é, no limite, eticamente equivalente a comer um ser humano, já que distinguir entre animais igualmente sencientes é, na visão dele, especismo, equivalente ao racismo e merecedor, sempre segundo ele, do mesmo opróbio.
Enfim, poderia discorrer, longamente, sobre por que não seria ético incorrer num aumento de custo do preço da carne para evitar ao máximo o mínimo de sofrimento aos animais, fingindo preocupar-me menos com o meu próprio deleite à mesa que com a alimentação dos mais pobres, a quem o custo da carne se tornaria (ainda mais) proibitivo, mas os que põem animais em pé de igualdade com os seres humanos, ou mesmo apenas um pouco abaixo que eles, não me exigem, por enquanto, que me dê ao trabalho, porque os carnívoros somos e seremos, até onde a vista alcança, larga maioria.
Que assim continuemos.
Tenha um ótimo dia,
Rodrigo.
* fundamentos
Obrigado, prof. Aldo!
Grata pela pagina, os argumentos dos carnivoros são sempre os mesmos e por demais debatidos e superados, negam nossa própria biologia que é muito mais semelhante a dos herbivoros ( dentição, comprimento do intestino, etc) do que aos carnivoros, enfim, ninguém quer sair de sua zona de conforto, inclusive o Pondé do alto de toda sua sapiência, aliás bem questionável pela superficialidade das afirmações, há tempos não assisto o jornal da Cultura quando ele é comentarista.
Ô, capitão! Lá em cima, é “opróbrio”, não *opróbio.
Ô, capitão! Lá em cima, é “opróbrio”, não *opróbio.
em primeiro lugar, uma boa noite a todos que lerem esta página. agradeço cordialmente pela oportunidade virtual de podermos tomar conhecimento destas discussões e, nalgum nível, interagir.
em segundo lugar, não venho aqui propor coisa alguma, mas tão-somente expor algumas ruminações solitárias; tampouco fico navegando na rede para tentar “converter”, verborragicamente, quem não pensa como eu. provavelmente o texto não está lá muito bem escrito e organizado logicamente do ponto de vista argumentativo da esfera filosofídica… portanto há repetições, ideias embaralhadas e retomadas de tópicos. como supracitado, apenas opiniões pessoais minhas.
acho que há outras questões interessantes e muito pouco lembradas nessas discussões: será que todos os que defendem esses usos exploratórios absolutamente exploratórios de animais (não-humanos) pela cadeia industrial, em suas manifestações monstruosas, seriam capazes de trabalhar em matadouros, laboratórios de testes em animais, frigoríficos, etc etc etc? sentir-se-iam confortáveis com a violência quotidiana ao lidar efetivamente pelas próprias mãos com aquilo de que dizem gostar de comer, uma vez que é o objeto máximo para seu deleite estritamente individual? como pouco se importam mesmo com os bichos nesses lugares, eu gostaria de perguntar, então, se já se informaram das condições de trabalho das pessoas, nossos semelhantes da espécie, de fato, nesses ambientes e dos enormes conflitos psicológicos pessoais dos funcionários desses “empregos”? seguindo essa linha, facilmente alguém surgirá para justificar que alguém deve fazer o trabalho pesado e sujo, pois é obviamente uma cadeia produtiva, e que se essas pessoas encontram-se trabalhando em tais estabelecimentos é porque seriam seres humanos de categoria inferior, talvez… ao analisar os perfis dos funcionários, não surpreende encontrar “classes” bastante sofridas, realmente. e cheios de acidentes de trabalho, lesões musculares e mentais permanentes, além da baixa remuneração, quando comparada ao vivenciar da rotina de matança – para surpresa de ninguém.
nós outros, que moramos em cidades altamente urbanizadas, estamos, aparentemente, muito confortáveis com a invisibilidade dessas realidades, até por conta da distância em que ocorrem, não à toa para evitar o choque e o horror das nossas sensibilidades, tanto masculinas quanto femininas (ainda que os machões de plantão não assumam o desinteresse em pôr suas mãos na massa – neste caso, uma massa de carne, sangue, fezes, pelos e inúmeras doenças transmissíveis a nós mesmos, humanos civilizados); imaginem se crianças e famílias em frente à televisão, por exemplo, tivessem de assistir, sem escapatória, o processo de produção de laticínios, aves poedeiras, cosméticos finíssimos e alguns testes laboratoriais mais agressivos, para citarmos uns poucos usos desses seres vivos dotados de sistema nervoso central, não é mesmo? sem dúvidas, há muitos que na hora riem, acham graça ao ver animais apanhando, sendo cortados, agonizando; compreendo também que a maioria não é de psicopatas, mas de covardes, como me parece ser da natureza humana em grandes sociedades; é mais cômodo delegar a outros aquilo que não queremos fazer, quando o podemos, de preferência bem longe da nossa vista, para justificar, com floreios intelectualistas e mercadológicos, tais como os referidos rasos argumentos do professor pondé, nossos pequenos e variados caprichos.
esta minha resposta não é tanto de crítica ao filósofo, a quem costumo escutar e com quem concordo em muitas coisas, ainda que não me agrade ouvi-las; apesar disto, não deixo de notar que essa manifestação dele não fugiu ao que ele próprio disse numa entrevista ao programa roda viva da tv cultura ao responder sobre sua função de intelectual público, qual seja, mais ou menos, o seguinte: o papel do colunista é tocar fogo na discussão e fazer subir a temperatura do jornal – escusado comentar que está implícito aí o lucro do meio de informação jornalístico, claro. mas nada contra o lucro. nisso ele basicamente se sustenta, devido à sua atividade urbano-acadêmica-filosófica de leitura, interpretação, argumentação, etc, no cômodo posto dum comentarista e analista social, sem viver e experienciar no seu corpo os inúmeros problemas da vida real, em tantas facetas e aspectos, das mais diversas causas sociais, políticas, ambientais, sexuais, blá, blá, blá. e olhe que ele já disse que só se põe a falar do que conhece e entende, o que, em relação à dita causa ou pauta dos animais, podemos constatar que é falso; ele apenas repete ideias pouco trabalhadas, por mais bibliografia e horas de leitura que eventualmente nos apresente. no entanto, isto não é totalmente condenável, pois pessoa alguma tem a obrigação de tudo entender e saber “resolver” todos os sofrimentos do mundo, da vida, magicamente.
observações particulares: não digo que eu seja vegano (apesar de haver começado, há cerca de dez anos, com essas ideias ao resolver mudar minha alimentação e outros hábitos, achando que isto seria de fato alguma solução para os problemas do sofrimento que causamos no mundo), pois entendo que a cartilha deste ativismo implica um cuidadoso engajamento pessoal, corporal, em ações mais efetivas que gerem entendimentos e mudanças adequadas, conforme vislumbrados por essa pauta; do ponto de vista dietético sou, sim, um vegetariano estrito, além de evitar determinadas coisas (sejam roupas, calçados, cosméticos e diversos itens que não enumerarei por economia de espaço virtual e mental de quem ler estas linhas) que, sabidamente, dependam de altos graus desse tipo de exploração desenfreada conforme comentada ao longo do artigo e de comentários. aos poucos percebi que não gosto mesmo dos cheiros e sabores de alimentos produzidos à base de derivados de animais; tenho repulsa por sangue, gorduras, ossos, a lambança em que pode ficar a cozinha, o cheiro que infesta a casa… o que dizer da sujeira (e dos gastos com limpeza) dos matadouros e frigoríficos, das fazendas e granjas? se eu dependesse de criar animais assim, de viver no meio desses odores não sei dizer o que eu faria. e não à toa acho muito mais fácil deixar de consumir tais produtos, creio que com todo o direito do mundo, porque não estou exigindo que outros ajam como eu…
uma palavrinha muito esclarecedora nesses debates é também um tema central das doutrinas da fé budista, de acordo com o que estudo dela: interdependência. na verdade estamos todos atolados juntos nesta vida (inclusive o professor e filósofo já falou algo neste sentido, ainda que não do ponto de vista religioso), e qualquer devaneio veganista de, “simplesmente”, eliminar toda a dependência que nós seres humanos temos dos referidos animais é, sim, uma utopia boba, um delírio tipicamente urbano, de quem mora em apartamento de cidade grande, geralmente adolescentes e jovens adultos relativamente imaturos; talvez o que se pode fazer é continuamente encontrarmos meios de diminuir, e com vontade, a violência gratuita que impingimos a tudo que nos cerca, sejam os animais, sejam as pessoas, sejam os recursos minerais – não esqueçamos a poluição dos rios, mares, lençóis freáticos e do solo, em geral. ainda que o mundo e/ou a vida de fato sejam absurdamente violentos, como todos podemos averiguar, faz bem criarmos uma perspectiva mais responsável de agir na e de usufruir da existência que nos cabe de maneira tão insignificante na face da terra; só por vivermos pouco não precisamos descontrolada e hedonisticamente ser violentos e maus, causando tanta dor psicológica em tanta gente (que muito possivelmente vai depender de atendimento psiquiátrico, lotando clínicas e incapacitando não só sua vida privada como a vida de inúmeros a seu redor); tudo que nos pomos a fazer gera reflexos, bons ou maus, querendo-os ou não. penso firmemente que essa tal pauta dos animais se refere igualmente à nossa forma de tratar os bichos, como manifestado pelo autor deste site, e como nos sentimos ao dividir espaços com eles; não é apenas uma problemática dos seres que estão à mercê do inegável poder humano, mas numa extrapolação vemos que há maior segregação de pessoas e mais alienação da realidade subjacente ao próprio sistema de consumo de proteína animal, para ficarmos só nos cortes de carne. se eu não me vejo trabalhando nessas atividades, então não quero servir-me complacentemente do que ela faz (pelo menos não tão diretamente, olhemos aí a interdependência); nunca fui tão sedento por esse tipo de comida, então consigo viver sem sentir “falta” disto ou daquilo, e me restrinjo a meus hábitos e minha conduta pessoal. são questões de gosto, não de imposição, e tenho a consciência de que o universo não muda para agradar alguém que se compadece da dor dos bichos, ou mesmo de outras pessoas iguais a nós, como as bandeiras tão caras aos movimentos sociais que lutam por melhorias sociais, de classe, de sexo, et cetera. impossível fecharmos um olho para a nossa própria situação e acreditar que só os animais estão sofrendo, ou que ele sofrem mais que nós, ou ainda que só os seres humanos sofrem e que os bichos são meros animais “criados para nosso deleite” porque, supostamente, seríamos superiores, em absoluto. nossas balanças são todas capengas, evitemos hierarquizar muitas coisas para descartar briguinhas.
e outra coisa, nunca me agradou a baboseira sentimentalista do discurso vegano (que faz parte, por sinal, do marketing anglo-saxão e puritano, vindos das culturas inglesa e norte-americana, para nosso infortúnio) ao querer igualar bichos e pessoas, nem coaduno com os exageros daqueles (não necessariamente simpáticos ao vegetarianismo e seus desdobramentos) que adoram humanizar cães e gatos, por exemplo, ao tratá-los como criancinhas, com roupinhas e brincadeirinhas devidamente registradas em mídias e redes sociais.
quem defende essa e outras causas decentes deve, sim, merecer atenção, diálogo, debate, argumentação e, pouco a pouco, melhorias reais naquilo que desejam fazer materialmente, acredito que para benefício de muitos, não só dos defensores dos direitos de animais não-humanos.
há bons textos na internet sobre a rotina de trabalho dos vários funcionários atuantes em matadouros e frigoríficos que eu sugeriria, mas não sei se vale a pena copiar e colar links; quem quiser, busque por si.
Prezado Alberto:
É verdade, muito obrigado, mas não se dê tanta importância por um identificar um errozinho miserável no texto de alguém que, obviamente, domina a norma culta da língua, tanto que não cometeu nenhum outro erro, relevante ou não, e ainda sabe pontuar bem, provavelmente muito melhor do que você é capaz.
Um abraço do “capitão”,
Rodrigo.
Caro Roger:
Você se diz preocupado com a rotina dos trabalhadores dos matadouros. Digamos que eu acredite em você.
Pergunto-lhe, no entanto, sobre a rotina dos servidores de limpeza encarregados de limpar vasos sanitários: será gratificante? Fazem um trabalho que ninguém diria gostar de fazer e são invisíveis à maioria das pessoas, que não as cumprimentam nem lhes agradecem pelo trabalho que fazem (até porque, se você for como a maioria das pessoas, deve entrar num banheiro para se dedicar aos afazeres urgentes da natureza e não para puxar papo).
Eu, sinceramente, acho que decente mesmo seria que cada um limpasse o sanitário depois de usá-lo: nem reis, nem presidentes, nem quem quer que seja é digno de que outro ser humano lhe limpe o vaso sujo.
Mas eu lhe confesso que a minha comodidade, a minha conveniência, ou, simplesmente, a minha preguiça dá graças a Deus que haja quem faça isso por mim, e dá graças a essas pessoas também, embora discretamente, em silêncio, porque não sinto necessidade de sinalizar virtude; muito pelo contrário, sinto necessidade de apontar a trave no olho do irmão que me aponta um cisco no meu.
Um abraço,
Rodrigo.
P.S.: Não dou importância a essas diatribes de internet. Sei que você, e a Karina, e a Fernanda, e não sei mais quem são todos gente bacana, são todos amigos dos amigos, bons pais, boas mães, bons filhos etc. E sei que, provavelmente, se a correção política travestida em moralismo militante se limitou a comer uma pequena parte do seu cérebro, vocês não terão, exclusivamente, amigos veganos, mas terão também muitos amigos onívoros (parem de ignorar que nenhum ser humano é carnívoro), a quem vocês talvez aborreçam desnecessariamente, de vez em quando, com a sua militância aborrecida, mas a quem certamente prezam. O problema é mesmo no meio virtual, quando “dialogam” com um rosto que não veem, de um desconhecido de quem não sabem nada e, por isso mesmo, sobre quem presumem, facilmente, toda a sorte de horrores apenas porque o leem dizer que é um comedor de carne com o mesmo peso na consciência que tem os seus amigos igualmente comedores de carne: zero.
tenho a vaga impressão de que nesse tipo de comentário podemos confirmar a capacidade humana desinibida de exibir o que há de pior, a asquerosidade , a arrogância e a má vontade com tudo aquilo que a inquietar. cada um lida como bem entender no seu íntimo pra continuar vivendo relativamente bem, não só em relação a bichinhos, mas também tudo o mais que aparecer pela frente; de algum modo precisamos ser fortes para enfrentar as oscilações do dia a dia.
continuo acreditando (desconfio que não apenas eu, mas muita gente que disponha de olhos e retina saudáveis e, portanto, nalguma medida razoavelmente lúcida, veja o que se passa à sua frente ) que há algumas notáveis diferenças entre o clima dum matadouro, por exemplo, e o processamento de frutas ou legumes numa instalação industrial, ou mesmo a colheita numa estufa dum outro vegetal que requeira maiores cuidados para produzir satisfatoriamente. uma coisa é plantar um repolho, depois colhê-lo ou arrancá-lo, cortando-o para o preparo dum refogado; outra experiência (bem gritante, literalmente) é investir na criação para abate de animais, tanto de pequeno quanto de médio e grande portes, mantê-los bem de saúde pelo meio mais barato possível, limpar todas as sujeiras que fazem, encaminhá-los para o momento final em que serão mortos e, subsequentemente em câmaras frias, destrinchá-los para venda e ainda ter de limpar todo o sangue que encharca roupas, paredes, maquinários… só pra ficar num dado, cito a diferença de espaço e recursos necessários pra cultivar campos de alimentos vegetais, dum lado, e pra manter rebanhos e granjas, do outro. quanto desperdício…
o que nos apavora ao tratar do assunto é a escala gigantesca e mecanicista dos tratamentos dispensados aos animais, que se mexem e caminham, tentam fugir e expressam, sim, bastante medo. a questão não é somente relativa às necessidades de quem quer comprar uma bandejinha com guisado, uma costela pro seu churrasco (muito provavelmente aos piores estilos possíveis, diga-se) ou uma caixa de quindins pra sobremesa; o drama é que ocorrem maus tratos quase no processo inteiro, muitos que trabalham com bichos fazem questão de descarregar suas raivinhas nos indefesos, neste caso os bichos, mas também noutras pessoas, mais fracas fisicamente que esses admiráveis machões que se dizem muito carnívoros e perpetuadores dos instintos da natureza e que são a “a maioria” e tal…
e a gente sabe que enquanto há quem esteja falando e tentando sensibilizar dalguma forma o conjunto da sociedade em que nos encontramos, as máquinas praticamente não dormem, os animais continuam sendo explorados de tantos modos quanto possíveis à imaginação das nossas técnicas; assim como as piores favelas controladas por narcotraficantes, os matadouros e frigoríficos, entre outros quejandos, são verdadeiros infernos na terra. novamente, quem sonha em viver e trabalhar nesses lugares?
posso dizer-lhes que sou extremamente grato por minha família, até onde a conheço, jamais ter-se envolvido com esse tipo de trabalho, e eu não haver crescido sendo sustentado por dinheiro proveniente dessas atividades específicas (ainda que haja muitos outros meios terríveis de sobrevivência financeira listáveis); assim, há alguma tranquilidade e propriedade no meu criticar de quem se ocupa, sem peso na consciência, dessa “vida” – e jamais me pergunte o que eu faria se viesse de tal meio de sustento.
obrigado por seu comentário e sua atenção!
Prezado Roger:
Asquerosamente arrogante é a pretensão de uma minoria da minoria da minoria em querer impingir aos restantes 99% da humanidade a sua má formação ou mesmo os seus desvios de personalidade.
Presumiu, incorretamente, que o meu sustento venha, ainda que indiretamente, deste honrado e respeitável negócio. Eu simplesmente gosto de comer carne.
E sustento o que digo: na maioria das fazendas de corte, o abate é certeiro, e o animal tomba na mesma hora.
Você ainda misturou à sua argumentação sobre o sofrimento animal problemas que ocorrem depois do abate e estão relacionados com higiene e desperdício. Aí a solução é, bem, simples e óbvia, é supervisionar o processo para que seja higiênico e reduza o desperdício.
Um abraço,
Rodrigo.
Caro Roger:
Deixei passar uma pergunta muito pertinente, mais que quaisquer outras que eu lhe tiver feito, se lhe fiz alguma:
O que você faria se tivesse vindo de tal meio de sustento? Sugere que outras pessoas que tenham vindo de tal meio de sustento façam a mesma coisa que você faria?
Você acha que onívoros (e não carnívoros) têm má vontade em lidar com o que os inquieta, mas não os inquietam argumentos de gabinete sobre o horror que é comer carne; mais inquietante será pensar a sério o que relevará a seu respeito as respostas a estas perguntas, se forem na linha que pareceu sugerir, nas entrelinhas.
Um abraço,
Rodrigo.
P.S.: Você conhece bastante bem a sua ascendência, digo, até o século XIX, pelo menos, e ainda antes disto? É brasileiro de ascendência ao menos parcialmente portuguesa, e não de ascendência exclusivamente italiana, japonesa, ou ítalo-japonesa, ou qualquer outra combinação de outras ascendências de imigrantes aqui chegados depois do século XIX? Já entendeu aonde quero chegar? Sua família, em sentido amplo, provavelmente veio de meios de sustento muito mais ignominiosos que o da pecuária com trabalhadores livres e pagos, ainda que mal pagos. Que você faria se descobrisse isto? Espero que nada, é apenas a História tal como ela foi.
* Revelará, e não relevará, antes que o Albertinho caça-pelos-em-ovos venha amolar.
Autoritário, soberbo e obcecado. Xô!
Quero ser tão sucinto quanto possível, pois não desejo atafulhar o blogue do linguista com infindáveis ponderações nem descambar para xingamentos, que não nos levam a lugar algum.
Deixei claro que há desordem no que escrevi, coisas misturadas na “argumentação”, tanto quanto o senhor se permite demonstrar seu pouco apreço por quem não concorda com sua perspectiva, inclusive acusando o autor do artigo de lacração, sem entrar numa análise mais contida do que realmente importa. Isso não é natural, ou esperável? Me parece inevitável quando discutimos aquilo que nos toca… Ainda assim, desconfio que haja uma leve diferença entre limpar vasos sanitários e limpar os estabelecimentos das suas fábricas de deleite à mesa, pra não falar novamente em quem deve de fato passar o dia (ou, ironicamente, a vida) matando animais, que são de carne, sangue e ossos, coisa bem diversa do que cultivar e cortar células vegetais. A ingenuidade, nesse caso, foi a infeliz comparação do filósofo entre uma coisa e outra – aí sim, pura lacração e polêmica midiática, só pra agitar e deixar alegrinho quem pouco se importa com a cadeia de produção de proteína animal e somente quer saber de comprar cortes mais baratos, o resto todo que se dane, não é mesmo? Não presumi que alguém nesta página viva de “tal negócio”. O senhor tem todo o direito de não acreditar no que escrevo, mas só posso dizer-lhe que não sou militante de coisa alguma, que não tenho intenção de fazer os outros aderirem ao que eu penso – e deixo claro que estou aqui apenas manifestando umas poucas impressões do pouco que já vi, li e inferi.
Não estou fingindo me importar com o quer que seja nem querendo sinalizar virtudes; tenho plena consciência de minhas limitações, estejam elas aqui, por escrito, ou na prática quotidiana. Repito que estou fora de articulações políticas, militâncias moralistas, coletivos; falo por mim mesmo quando posso e quero fazê-lo, sem compromissos. Assumo que não tomo parte nessas movimentações, por assim dizer, e mesmo fora de rodas de amigos, pois minha vida se concentra em torno do meu mediano núcleo familiar (e sim, até onde sabemos, embora eu não vá listar nominalmente, em casa, não viemos de negócios tão “honrados e respeitáveis”; felizmente tenho esta tranquilidade mais próxima na árvore genealógica, mas isto não nega que ancestrais remotos vieram de trabalhos tão ruins ou piores…).
Comento sobre o tema sem qualquer romantização ou pieguice, tanto quanto sobre outros assuntos, também largamente relevantes, mas que não me instigam tanto – e penso que não sou obrigado a me posicionar em todo e qualquer tipo de reivindicação ou pauta. Falemos sem ingenuidade, detesto aquela conversinha que iguala bicho e gente: não são a mesma coisa, é óbvio que temos força suficiente pra dominar a maioria das outras espécies (ainda que uma gripe ou bactéria microscópica qualquer possa nos matar sem grandes esforços), mas nem por isso podemos e/ou devemos fazer qualquer coisa com eles. Todas as partes envolvidas nos debates de direitos dos animais têm de estar abertas.
Sinceramente lhe peço perdão se o ofendi – se bem que, pelo que externam os oponentes dos veganos, quem é onívoro e mais agressivo ao falar destes assuntos, pouco se importa sentimentalmente com várias coisas, já que são muito fortes diante da violência natural do mundo; como eu disse, só estive aqui para comentar o assunto, sem pretensão de mudar as pessoas. Fiquemos bem.
Caro Roger:
Depois de tudo o que escreveu neste último post, somente lhe posso dizer, sem ironia, que tem não apenas a minha tolerância, porque, sim, eu apenas tolero militantes, mas também o meu respeito, porque entendi que você, depois de se informar sobre o assunto, fez uma escolha moral, baseada na sua própria reflexão, que não quer impingir a ninguém e que não o faz presumir sua própria superioridade ética, muito em ora se permita, como pode muito bem fazer, discorrer sobre o tema, inclusive para, eventualmente, persuadir consumidores mal informados do horror que, do seu ponto de vista, é consumir carne.
Como eu sou um consumidor muito bem informado que, todavia, tem uma reflexão de natureza ética bastante diferente, que me leva a conclusões muito diferentes, e como acho improvável que nos persuadamos do ponto de vista alheio, acho menos improdutivo e mais civilizado que concordemos em discordar.
Um abraço,
Rodrigo.
Rodrigo, fiquei curioso. Já vi várias pessoas fazendo o mesmo e eu também já fiz, mas não consigo perguntar ao “eu” do passado.
Você diz sobre comparar “humanos e animais”. Por que não dizer “nós, animais” ou “humanos e outros animais”?
Por que não reconhecer que somos animais, somos mamiferos e somos primatas?
Caro Luiz:
Sim, somos animais, e animais onívoros, que comem plantas e outros animais, a despeito de alguns de nós quererem fantasiar sobre termos mais características de animais herbívoros que onívoros, palavra que espertamente substituem por carnívoros, como se houvesse humanos que o fossem, exclusivamente, ou que se apresentassem como tais.
Um abraço,
Rodrigo.
[…] mais recente postagem gerou certa polêmica entre amantes dos animais e amantes de um bom churrasco. Na verdade, diante […]
Nos comentários apenas prolixos do textão. Que tédio.
Teve um certo que disse querer ser sucinto e surge com expressões vetustas com o quanto de locuções que poderia usar logo na primeira oração.
Infelizmente, nem todos os filósofos estão preocupados o tempo inteiro com a coerência lógica do seu pensamento. Às vezes, o comodismo cria preconceitos e a visão do filósofo não atinge o exterior da caverna…