A História como ciência

Há uma frase muito conhecida e propalada tanto no meio político quanto no acadêmico dizendo que a História é sempre contada pelos vencedores. Certo, fico imaginando como seria a história da Segunda Guerra Mundial contada pelos nazistas. Mas, de fato, essa frase tem um certo fundamento porque, durante muito tempo, a História não passou de uma narrativa feita sob encomenda dos poderosos para louvar seus feitos. As crônicas medievais, por exemplo, eram narrativas redigidas pelos chamados cronistas, escritores a serviço do rei incumbidos de enaltecer os feitos heroicos do soberano, às vezes até exagerando um pouco nas tintas — e omitindo seus fracassos e defeitos morais, é claro.

Atualmente, em tempos de politicamente correto e lugar de fala, tornou-se comum reivindicar que a História também seja contada do ponto de vista dos derrotados, isto é, das minorias oprimidas, como mulheres, negros, índios, homossexuais, etc. Até aí nenhum problema, parece uma reivindicação mais do que justa. Mas o ponto que quero destacar é: desde pelo menos o século XIX, a História se tornou uma ciência, com objeto bem definido e método próprio (o chamado método histórico), que consiste em procurar reconstituir o passado de uma sociedade da forma mais fidedigna possível com base no maior número de documentos a que se possa ter acesso. Portanto, se a História é de fato uma ciência e, como tal, fiel à realidade dos fatos e a seu objeto, então não há uma História contada pelos vencedores e outra contada pelos vencidos, há apenas História.

Afinal, se um suposto pesquisador homem, branco e heterossexual omitir em sua pesquisa todos os dados positivos em relação às mulheres, aos não brancos e aos gays, ressaltando apenas os pontos negativos desses grupos, esse indivíduo não é um historiador, é um mistificador, um embusteiro — numa palavra, um picareta.

Tenho notícia de alguns livros escolares de História, por sinal aprovados pelo Ministério da Educação, que retratam certos períodos históricos de forma maniqueísta, misturando fatos com juízos de natureza pessoal e ideológica e tomando partido por um lado ou por outro, portanto contando a História do ponto de vista ou do vitorioso ou do derrotado. Isso não é História, no sentido científico do termo, é doutrinação dos estudantes. Um historiador sério deve narrar os fatos tal qual eles ocorreram ou, pelo menos, tal qual se pode inferir que tenham ocorrido a partir dos registros de que dispomos. Como em qualquer ciência, onde é preciso manter a objetividade e a imparcialidade, não cabe ao historiador eleger mocinhos e vilões ou enaltecer os feitos de determinados governos e denegrir a imagem de outros segundo sua preferência político-ideológica. Não lhe cabe fazer juízos de valor, assim como não lhe cabe ressaltar os aspectos louváveis de determinada figura histórica e omitir seu lado obscuro ou vice-versa. Enfim, não cabe ao historiador que se preze e que faça História com perspectiva científica tomar o partido nem dos vencedores nem dos vencidos. Até porque, se a História é de fato uma prática científica, então não pode valer outra frase muito popular que é “a verdade não existe, o que existe são versões”.

O ocaso da civilização?

Nestas duas primeiras décadas do século XXI, temos visto o mundo passar por várias mudanças – a meu ver para pior. Como todos aqueles que têm um pouco mais de idade (no meu caso, nem tanta assim rs), sinto saudade dos meus tempos de infância e adolescência. Na verdade, acho que todo mundo já sentiu, sente ou sentirá saudade desses tempos de despreocupação com o futuro, algo ainda tão distante, e de quase nenhum passado a recordar, quando só o presente importa. E aí temos a tendência a achar que esses tempos foram os melhores não só para nós, mas para todas as pessoas. Olhamos para trás e achamos que nunca, nem antes nem depois, o mundo foi tão bom como naquela época em que éramos mais jovens. Não consultei muitas outras pessoas sobre isso, mas tenho para mim que essa sensação deve ser universal – exceto, é claro, para quem teve uma infância horrível, de privação e violência, por exemplo.

Todavia, no meu caso – e perdoem-me se estou sendo chauvinista –, fico achando que o tempo em que fui criança ou adolescente coincidiu de fato com a melhor época da humanidade, pelo menos nesta parte do planeta que convencionamos chamar de Ocidente.

Se fizermos um retrospecto do que foi a história da espécie humana e em particular a história de nossa civilização, talvez os amigos leitores concordem comigo. Comecemos pela Antiguidade clássica. A civilização greco-romana nos legou um inestimável patrimônio de cultura, arte, filosofia, ciência, fundamentos de ética e moral, mas era, ao mesmo tempo, uma sociedade escravagista, patriarcal, belicosa, xenófoba e dominada por tiranos – mesmo a chamada democracia ateniense não era assim tão democrática, já que excluía a maior parte da população. Portanto, foi uma época de muito arbítrio e pouca liberdade.

Então vieram os mil anos da Idade Média com seu obscurantismo, fanatismo religioso, guerras, fome, peste, falta de higiene, caça às bruxas, ódio a todo conhecimento que não estivesse de acordo com a Bíblia, fogueira aos hereges e nenhuma liberdade de pensamento.

As coisas parecem melhorar com o Renascimento e sua cultura do homem, mas a Santa Inquisição continua a postos, e ainda surgem os monarcas absolutistas. Há uma Revolução Científica acontecendo no século XVII, mas cientistas e pensadores ainda são condenados à prisão ou à morte (Galileu Galilei e Giordano Bruno que o digam). Há também um movimento chamado Iluminismo no século XVIII pregando o estado laico, a separação entre os poderes e o sistema democrático representativo. Mas ainda durante todo o século XIX pouco se pode falar de democracia. Mesmo os regimes republicanos que começam a surgir no Novo Mundo com a independência das antigas colônias europeias têm pouco de democráticos ou representativos. Talvez um pequeno respiro nessa sucessão de tragédias tenha sido a Belle Époque, breve intervalo entre guerras, de 1870 a 1914, em que floresceram as artes e as ciências, e o Ocidente respirou alguma liberdade.

Aí vem o primeiro grande abalo planetário com a Primeira Grande Guerra e seus milhões de mortos, seguida da epidemia conhecida como Gripe Espanhola. Esse conflito descortinou um período sombrio de crise econômica, com a quebra da bolsa de Nova York em 1929 e a subsequente recessão-depressão dos anos ’30, e de crise política, com a ascensão do fascismo e do nazismo, culminando numa convulsão global ainda maior, a Segunda Guerra Mundial.

A partir daí, apesar do início da chamada Guerra Fria e das tensões políticas dela advindas, a Europa ocidental, reconstruída pelo Plano Marshall, e a América vitoriosa começam a viver um período de paz, democracia, mobilidade social, secularismo, liberdade sexual, de costumes e de expressão e florescimento cultural nunca antes vistos: é a era da cultura pop, dos Beatles, de Woodstock, da televisão, da social-democracia e seu estado de bem-estar social. A Europa ainda é atormentada de vez em quando por alguns atentados terroristas de inspiração comunista, mas o clima em geral é de tranquilidade e de efervescência intelectual e artística. Além disso, é a época do conforto: da refrigeração, do aquecimento central elétrico, do chuveiro elétrico, dos eletrodomésticos…

A queda do muro de Berlim em fins dos anos ’80 e o consequente fim da Guerra Fria, aliados ao surgimento da globalização, parecem apontar o início de uma nova era de prosperidade e paz. Só parece. O atentado do 11 de Setembro de 2001 substitui o terrorismo de esquerda pelo terrorismo islâmico. Novos inimigos surgem no horizonte: o Estado Islâmico, a China, ditadura que desponta como a segunda maior potência econômica mundial, a Rússia de Putin e seu desejo de ser o novo imperador do mundo e de nos pôr à beira da Terceira Guerra Mundial. Paralelamente, democracias até então sólidas começam a periclitar: Orban na Hungria, Salvini e Meloni na Itália, Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil… A guinada à direita já se esboçava nos anos ’80 com Thatcher, Kohl, Reagan e João Paulo II, ladeada pelo retorno triunfante das religiões e do misticismo na virada do milênio e a progressiva derrocada do laicismo e ascensão de fantasmas como negacionismo, pós-verdade, fake news e outros venenos do esclarecimento.

Como cereja do bolo, chegam as modernas tecnologias, como a inteligência artificial, trazendo o emburrecimento das mentes e a robotização do ser humano, e o aquecimento global, causador das mudanças climáticas, querendo indicar que nosso modelo de civilização globalizado e consumista está chegando aos estertores.

Enfim, o ciclo de paz, prosperidade e resplendor cultural que se estendeu de aproximadamente 1950 a 2000 parece que terminou. Curiosamente, esse período histórico coincide com o reinado da recém-finada rainha Elizabeth, o que de fato sinaliza o fim de uma era.

Pareço muito pessimista? Talvez. Mas creio que o pessimismo é a melhor forma de realismo. Certa vez disseram ao mestre José Saramago que ele parecia um profeta, tal era o grau de acerto de suas previsões sobre o futuro da humanidade. Ao que ele respondeu que é fácil ser profeta: basta prever o pior cenário possível; certamente será este o que se verificará.

De onde vem o nome da Páscoa?

Novamente estamos na Semana Santa e desta vez podemos comemorá-la com um pouco mais de esperança, já que a pandemia de covid-19 parece estar chegando ao fim. Em compensação, passaremos mais uma Páscoa sem que a humanidade esteja totalmente em paz, haja vista a insana guerra agora travada entre Rússia e Ucrânia.

Em todo caso, já que é Páscoa, vamos explorar um pouco a origem do nome dessa festa. O termo Páscoa nos chegou através do latim Pascha – donde o adjetivo pascal ao lado de pascoal –, por sua vez do grego Πάσχα (Páskha), empréstimo direto do aramaico PasHâ’. Para quem não sabe, o aramaico, língua semítica descendente do hebraico, foi a língua nativa de Jesus.

PasHâ’ proveio do hebraico פֶּסַח (Pessach ou Pesaḥ), termo usado originalmente para designar uma festa judaica comemorando o Êxodo e cujo significado é “passagem”. (Aqui cabe um alerta: a semelhança fonética entre o hebraico pessach e o português passagem é fortuita, pois não são cognatos.) Como se sabe, Jesus foi a Jerusalém para as comemorações da Pessach, ou Páscoa Judaica, quando foi preso, torturado e morto na cruz. Segundo os Evangelhos, Jesus foi crucificado na sexta-feira e teria ressuscitado exatamente no domingo da Pessach, razão pela qual a Páscoa passou a ser também uma festividade cristã, com novo significado: agora não mais a fuga do povo judeu do cativeiro no Egito, mas a ressurreição de Cristo.

Mas, se o termo latino é Pascha, por que em português temos Páscoa e não Pasca, como seria de se esperar? É que o vocábulo se alterou por influência do latim pascua, feminino do adjetivo pascuus, “próprio para pastagem”, derivado do verbo pascere, “apascentar o gado”. Pascua (subentendido terra) era a terra própria para pastagem, ou seja, o pasto. A causa dessa confusão entre Pascha, “Páscoa”, e pascua, “pastagem” seria o término do período de jejum, que se dava na Páscoa, quando as pessoas podiam enfim voltar a se alimentar, visto que, além de “pasto”, pascua tinha o sentido mais geral de “alimento dos animais” – e, por extensão semântica, dos homens.

Curiosamente, o inglês e o alemão utilizam termos de outra etimologia para designar a Páscoa: o termo em inglês é Easter, proveniente do antigo inglês Ēastre ou Ēostre; em alemão, temos Ostern, descendente do antigo alto alemão Ōstarun. A hipótese geralmente aceita afirma que Ēostre era originalmente o nome da deusa anglo-saxônica do amanhecer. Ou seja, a data celebrava originalmente uma divindade pagã. Não por acaso, Easter e Ostern têm relação com as palavras East em inglês e Osten em alemão, ambas significando “leste, oriente, nascente”, já que o amanhecer se dá nesse ponto cardeal. Também cognatos são o sânscrito uṣrā́, o grego ἠώς (ēṓs) e o latim aurora, todos com o significado de “amanhecer”. E todos radicados no indo-europeu *aus‑ (ou *h2us‑), “branco, brilhante”, que em português sobrevive nas palavras austral e ouro (do latim aurum).

A relação entre a festa pagã e a cristã não é clara, mas possivelmente tenha sido motivada pela ideia de renascimento, já que o Sol renasce todas as manhãs, assim como Jesus teria renascido após a crucificação. Outra explicação liga a ideia de “aurora” com a alba paschalis (aurora pascal), designação que aparece já no século V para a manhã da Páscoa. E albus, alba, album significa “branco” em latim (“alvo” em português, donde a estrela d’alva ou estrela da manhã).

As demais línguas germânicas utilizam palavras derivadas de Pascha ou Pascua, como o holandês Pasen, o sueco Påsk e o antigo gótico Pāska. Daí também provêm o espanhol Pascua, o francês Pâques e o italiano Pasqua.

Então só me resta agora desejar feliz Páscoa a todos!

Escola sem partido e escola sem ciência

O movimento Escola sem Partido, que já havia chamado a atenção da opinião pública ao conseguir no Supremo Tribunal Federal que redações do ENEM que supostamente ferissem os direitos humanos não pudessem ser anuladas, mas tivessem de ser corrigidas e avaliadas como as demais, voltou a chamar a atenção. Agora, no último dia 12, quatro estudantes foram detidos ao protestar com violência na Câmara Municipal de São Paulo contra a votação de projeto de lei inspirado no movimento. Ou seja, o debate sobre se o ensino pode/deve ou não seguir esta ou aquela linha ideológica está esquentando.

Antes de mais nada, convém explicar o que defende o referido movimento. Segundo seu próprio site (www.escolasempartido.org),

[n]uma sociedade livre, as escolas deveriam funcionar como centros de produção e difusão do conhecimento, abertos às mais diversas perspectivas de investigação e capazes, por isso, de refletir, com neutralidade e equilíbrio, os infinitos matizes da realidade.

No Brasil, entretanto, a despeito da mais ampla liberdade, boa parte das escolas, tanto públicas, como particulares, lamentavelmente já não cumpre esse papel. Vítimas do assédio de grupos e correntes políticas e ideológicas com pretensões claramente hegemônicas, essas escolas se transformaram em meras caixas de ressonância das doutrinas e das agendas desses grupos e dessas correntes.

[…]

O EscolasemPartido.org – único site em língua portuguesa inteiramente dedicado ao problema da instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos – foi criado para mostrar que esse problema não apenas existe, como está presente, de algum modo, em praticamente todas as instituições de ensino do país.

[…]

O objetivo do movimento é claramente combater a doutrinação ideológica em sala de aula, notadamente de esquerda, visto ser a mais frequente em nosso país, bem como eventuais doutrinações de natureza religiosa ou moral. Isso inclui tudo – desde a pregação pró-marxista ou antimarxista até pregações contra ou a favor da teoria da evolução ou da conduta homossexual. Em outras palavras, tudo pode e deve ser discutido na escola, mas sem viés persuasivo, isto é, com neutralidade, isenção e direito dos alunos de conhecer todos os lados da questão.

Muitos detratores do movimento dizem que não é possível educar sem uma visão crítica da realidade. Sem dúvida, a escola deve ser um espaço crítico, no sentido de fazer o aluno pensar e não apenas aceitar passivamente o que lhe é imposto como verdade. No entanto, educação crítica é muito diferente de educação esquerdista, embora muitos pensadores de esquerda achem e defendam que somente a esquerda tem a capacidade de exercer a crítica. Por sinal, a teoria da comunicação desenvolvida pelos filósofos da chamada Escola de Frankfurt, que se autointitula “teoria crítica da comunicação”, é declaradamente anticapitalista (eu diria até “rancorosa” com o capitalismo), o que nos obriga a ter certa cautela no emprego da palavra “crítica”.

Antes de mais nada, é papel da escola difundir conhecimento, sobretudo o científico; valores políticos, morais e religiosos são atribuição da família. Como diz o educador Mário Sérgio Cortella, à família cabe educar, à escola cabe escolarizar. E, nesse sentido, não tenho notícia de forma de conhecimento mais crítica que a ciência. Não por acaso, cientistas sempre foram perseguidos pelas religiões, pelos monarcas absolutistas e por todo tipo de ditadores.

A meu ver, o grande problema da escola é que as chamadas “ciências humanas” muitas vezes não se comportam realmente como ciências: em áreas como história e sociologia, por exemplo, a postura científica por vezes dá lugar à ideologia. Lembro de um colega, professor de sociologia, que ensinava aos alunos que o amor é uma construção social. Ora, isso está em flagrante contradição com o que dizem – e provam – a biologia e a neurociência. Não só o amor é um sentimento universal (está presente em todas as culturas) decorrente de nossa bioquímica cerebral como existe também entre os animais (ao menos os superiores, como aves e mamíferos), assim como entre animais e humanos (quem tem um animal de estimação sabe muito bem disso!).

Essa ideia de que tudo é construção social, inclusive nossos traços biológicos mais básicos, como a identidade de gênero, é bastante difundida entre os humanistas e bastante cara aos professores das disciplinas de humanas. Portanto, falta às ciências humanas um pouco de cientificidade.

1021436-blog-kruger-02

Se os leões caçam e comem antílopes, para o zoólogo isso não é nem bom nem mau, é um fato natural, já que a natureza não se pauta por princípios morais e sim por leis físicas. Do mesmo modo, se uma estrela, ao fim de sua vida, se expande e engole todos os corpos celestes que orbitam à sua volta, isso tampouco é bom ou mau para o astrônomo, é apenas mais um fenômeno físico do qual ele deve dar conta com o conhecimento científico de que dispõe.

Do mesmo modo, guerras, massacres, ondas migratórias, episódios de fome ou de epidemias e a própria evolução das sociedades, que gera desigualdades dentro delas e entre elas, tudo isso faz parte dos mecanismos naturais que regem as sociedades humanas e que os sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e historiadores devem saber explicar de forma objetiva por meio da enunciação de leis gerais. Dito de outro modo, cabe à ciência fazer juízos de verdade e não juízos de valor. Cabe aos cientistas constatar os fatos, ver neles o que há de geral, repetitivo e previsível e, sem atribuir à natureza ou à sociedade fins morais, elaborar um modelo teórico que seja capaz de explicar e prever a maioria dos fenômenos observáveis.

Portanto, se os nazistas mataram seis milhões de judeus durante o Holocausto, isso não deveria ser visto pelos historiadores nem ensinado pelos professores de História como algo bom ou ruim: trata-se de mais um dentre tantos fatos históricos que obedecem a uma lógica, e descobrir qual é essa lógica que norteou centenas de outros massacres e centenas de outros regimes tirânicos ao longo da história é a tarefa de uma ciência que pretenda explicar a evolução temporal das sociedades humanas. Se o nazismo foi bom ou mau, cabe aos próprios educandos, mediante a apresentação isenta de todos os fatos que o precederam e motivaram, concluir. Isso sim é exercício do senso crítico.

A partir do momento em que um professor discursa em sala de aula sobre a “crueldade” do capitalismo e sobre como somente o socialismo de modelo petista, cubano ou venezuelano poderá levar os seres humanos à felicidade eterna, ou quando aponta a “perversidade” da civilização branca cristã europeia contra os pobres e indefesos negros africanos, sem contextualizar os fatos históricos e mostrando apenas os aspectos positivos de um lado e os aspectos negativos do outro, ele não está fazendo ciência, está promovendo ideologia. E a ideologia é o revés da ciência, já que esta se apoia em fatos e aquela, em crenças. Mesmo que a maior parte da sociedade acredite que o homem descende de Adão e Eva, isso é uma crença, não um fato. Já a evolução das espécies pela seleção natural é um fato em favor do qual existem inúmeras evidências e que pode ser constatado empiricamente a qualquer momento. Aliás, a própria ação humana tem influído na evolução das espécies diante de nossos olhos. O problema é que o ensino das chamadas ciências humanas se assemelha mais à pregação criacionista do que ao ensino da teoria da evolução. Penso mesmo que a antipatia dos estudantes de humanas pelas ciências naturais, assim como a péssima qualidade do nosso ensino de ciências, tem contribuído para o divórcio entre ciências do homem e ciências da natureza. A partir daí, temos desde professores de humanas que acreditam não serem os fatos sociais explicáveis pelo método científico, como se uma intervenção divina a todo momento impedisse as sociedades de seguir seu curso natural, até educadores que, crendo em determinada doutrina, seja ela o criacionismo bíblico ou o marxismo, tomam sua crença por verdade absoluta e passam a sentir-se no dever de “salvar as almas dos alunos”, levando-lhes a iluminação dessa Verdade. Ou seja, ainda que bem-intencionados, tais professores cedem ao dogmatismo, cuja consequência prática é a doutrinação, que em casos extremos pode chegar a tentativa de lavagem cerebral. E ninguém é mais inimigo do dogmatismo, portanto ninguém tem mais senso crítico do que a ciência. Falta aos humanistas descobrir isso.