A era das rãs escaldadas

No livro A rã que não sabia que estava cozida, Olivier Clerc narra uma fábula que pode ser resumida mais ou menos assim. Ponha uma rã numa panela com água e embaixo um pequeno fogo. No começo, a rã vai achar agradável a água ligeiramente morna e continuará nadando tranquila. Após algum tempo, a temperatura da água começará a ficar um pouco desagradável, mas a rã não fará nada, até que, uma hora, a água já estará tão quente que a rã, totalmente debilitada, não poderá mais reagir e acabará morta e cozida. Se, em vez disso, jogássemos a rã diretamente na água quente, ela imediatamente saltaria para fora da panela e se salvaria.

Essa metáfora nos mostra que, quando as mudanças são lentas, mesmo que para pior, quase não as percebemos e, por isso, não reagimos a elas. Coisas que causariam indignação algumas décadas atrás hoje são tidas como normais. Algumas até nos incomodam, mas estamos tão anestesiados pela água morna que não esboçamos nenhuma reação concreta a elas até que seja tarde demais, até que estejamos todos cozidos — ou fritos!

Pense em como era o mundo 50, 60 anos atrás. Havia crimes, pois a violência existe desde os tempos das cavernas, mas não se falava em crime organizado (a não ser a máfia dos filmes de gângster), não havia Comando Vermelho nem PCC, o mundo não era refém do tráfico de drogas, não havia celulares nas prisões nem sequestros relâmpago.

Cinco décadas atrás, droga era coisa de hippies e cantores de rock’n’roll; não havia crianças fumando crack nas esquinas nem adolescentes roubando para financiar o vício ou trabalhando orgulhosos para o tráfico. Cinco décadas atrás, já havia megacidades, mas ninguém se queixava do trânsito, da poluição, do clima. Não se falava em ecologia, aquecimento global, superpopulação… Temia-se uma terceira guerra mundial, vivia-se a Guerra Fria, mas no fundo sabíamos que nenhum dos dois lados seria louco de apertar o botão vermelho. Hoje, a Terceira Guerra, nuclear, está batendo à nossa porta, o perigo mora ao lado, o terror está pulverizado por todos os cantos, e qualquer cidadão, com ou sem turbante, é um homem-bomba em potencial.

Hoje, cidades do mundo inteiro estão infestadas por legiões de miseráveis — árabes em Paris, africanos em Madrid, turcos em Berlim, georgianos e casaques em Viena, chicanos em Nova York, nordestinos e bolivianos em São Paulo, brasileiros em todos os lugares — logo nós que antes éramos um país de imigrantes!

Há cinco décadas, crianças falavam e se comportavam como crianças, respeitavam os adultos e sonhavam ganhar de Natal uma patinete ou uma boneca. Crianças brincavam de bola e amarelinha nas ruas sem medo e cresciam sadias. Não havia videogames nem programas infantis eróticos na TV. Aliás, quase não havia TV naquela época. Obesidade infantil quase só existia nos manuais de medicina.

Naquela época, estudantes e seus pais respeitavam professores. Aliás, os pais dos alunos sabiam da importância do estudo e se importavam com a educação de seus filhos. Naquela época, era impensável um estudante matar um professor. Massacres em escolas eram coisa de americanos.

Não éramos escravos da internet nem vítimas de spams, vírus, cavalos de troia, adwares, spywares, telemarketing, marketing viral, menus eletrônicos, secretárias eletrônicas, malas diretas e toda essa parafernália inventada pela publicidade para nos enganar e nos obrigar a consumir. Ódio sempre existiu, mas não havia empresas lucrando com sua veiculação. Hoje, estou escrevendo este artigo; talvez daqui a alguns meses o ChatGPT esteja fazendo isso em meu lugar.

Há cinquenta anos, casamentos já não eram mais arranjados pelos pais, mas tampouco se desfaziam à primeira briga. Romantismo, cavalheirismo, cordialidade, urbanidade eram coisas tão comuns que sua ausência era simplesmente inconcebível.

Tudo tão diferente da rudeza dos nossos tempos…

Até pouco tempo atrás, telenovelas eram uma forma de arte, filmes tinham história e não efeitos especiais, o rádio e a televisão entretinham com conteúdo, música sertaneja era coisa de sertanejos, e podia-se ver Milton Nascimento e Chico Buarque no horário nobre. Aliás, a música popular brasileira era realmente popular. E não era preciso pagar para assistir a canais com alguma qualidade (hoje nem os canais pagos têm qualidade!).

Naquela época, rebeldes eram os Beatles, e ninguém precisava de smartphone ou laptop para viver. Tênis de corrida eram usados exclusivamente para correr, e adolescentes não se matavam por eles.

Há pouco mais de 20 anos, fanatismo religioso era visto com estranheza e não como virtude, duvidar da ciência era prova de insanidade ou de burrice, e era possível ser moderno sem ser devasso.

Nesse tempo não tão distante assim, ficávamos indignados e nos mobilizávamos contra a injustiça, a corrupção, a violação dos direitos e da dignidade humana, enfim, éramos politizados sem ser chatos. As bandeiras que defendíamos eram realmente justas e não mimimi.

Em resumo, se olharmos para trás, veremos que a realidade vem piorando dia a dia em todos os aspectos — político, econômico, social, cultural —, mas temos a impressão de que ainda dá para suportar mais um pouco. Afinal, a água ainda está apenas morna. Só que o fogo está aceso, e a água continua esquentando. Até quando?

A origem do terrorismo – e da palavra que o designa

Esta semana ficou marcada por pelo menos três ataques violentos – em Suzano (São Paulo), Christchurch (Nova Zelândia) e Utrecht (Holanda) – que podemos, sem dúvida, chamar de atentados terroristas, não importa se seus autores pertencem a organizações políticas consagradas a espalhar ódio, terror e pânico na sociedade ou se são meros “lobos solitários”, designação que se dá ao terrorista isolado, que pode até agir inspirado em alguma organização desse tipo, mas que formalmente não pertence a ela.

Nesses tempos de ódio generalizado, em que todos parecem estar contra todos, e as pessoas buscam motivos para sentir-se ofendidas, vale a pena revisitar a história das palavras atentado e terrorismo.

A primeira remonta ao latim tardio attentatum, “tentativa”, particípio do verbo attentare, também encontrado nas formas adtentare e attemptare, que, segundo o Dicionário Latino-Português de Francisco Torrinha, significa “pôr a mão em; tocar em; experimentar, ensaiar, tentar”, mas sobretudo “atacar, atentar contra”. Esse verbo, por sua vez, é um derivado de tentare ou temptare, que deu “tentar” e “tentação” em português e provém de uma raiz indo-europeia (sobre o indo-europeu, leia o meu artigo Em busca das laringais perdidas, neste mesmo blog) *ten‑, que significava algo como “segurar, estender, esticar, retesar”, presente em verbos latinos como tenere, que deu o nosso “ter”, e tendere, que resultou no português tender, atender, estender, etc.

terrorismo é palavra cunhada originalmente em francês à época da Revolução Francesa (final do século XVIII). Sua motivação é o período que ficou conhecido como o Terror (1793-1794), comandado por Maximilien de Robespierre, líder dos jacobinos, ocasião em que milhares de pessoas morreram na guilhotina.

Sua primeira acepção, de 1794, era “doutrina dos partidários do Terror”; em português, o termo teve seu primeiro registro em 1836.

Mas terrorismo deriva do latim terror, terroris, “terror, medo”, substantivo proveniente do verbo terrere, “tremer (de medo)”. Que é parente de tremere, “tremer”, e ambos radicam no indo-europeu *ter‑, “tremer”. Portanto, terrorismo é a prática da disseminação do terror entre as pessoas por meio de ações violentas. O sufixo ‑ismo, que primariamente evocava a ideia de “doutrina”, passou a indicar uma tática política.

O curioso é que a prática de atentados terroristas é muito mais antiga que a palavra, pois já existia na Antiguidade, segundo nos informa a Britannica Concise Encyclopedia. Entretanto, nada que se comparasse ao que estamos presenciando hoje em dia, especialmente depois do 11 de Setembro. Parece que este será o Século do Terrorismo, turbinado ainda pela internet e as redes sociais. É esperar para ver.