Latente e patente

Cada vez mais escuto dizer de algo muito evidente que “está latente”. Outro dia ouvi no rádio que a vitória de Lula nas próximas eleições é um fato latente. E também que é latente a constatação de que há corrupção no governo Bolsonaro. Só que, querendo dizer uma coisa, as pessoas estão dizendo exatamente o contrário. Na verdade, latente quer dizer “oculto, não manifesto, não evidente”. O que as gentes estão querendo dizer é que a vitória do petista e a corrupção no governo do “mito” são fatos patentes. Sim, patente é aquilo que está exposto para todos verem, escancarado mesmo, aquilo que até cego enxerga.

Por pura obra do acaso, o latim patens, particípio presente do verbo patere, “estar aberto, exposto”, que deu patente em português, rima com latens, particípio presente do verbo latere, “estar escondido”, origem do nosso latente.

Essas confusões entre palavras não são raras. Já presenciei muitas pessoas empregarem o adjetivo lívido, que quer dizer “escuro, da cor de chumbo, cinza-chumbo”, no sentido de pálido, isto é, “branco”. Talvez a confusão seja motivada por termos de sonoridade assemelhada como vívido e níveo, que normalmente se aplicam a coisas claras. Ou então seja efeito do chamado impressionismo linguístico, em que costumamos atribuir certos sentidos a palavras com certas sonoridades. Em geral, termos que denotam tristeza ou escuridão contêm vogais posteriores e fechadas como o e u. É o caso de turvo, túrbido, plúmbeo, lôbrego, lúgubre, tumba, túmulo, catacumba, soturno, macambúzio, fúnebre, etc. Ao contrário, palavras com a vogal anterior i costumam soar alegres e sugerir cores claras e sons agudos. É o caso dos citados vívido e níveo, e também de pífano, zinir, tinir, tilintar, clique, tuim, tiziu, sino, campainha, tamborim

A realidade é que certos fatos do nosso cotidiano estão é muito patentes e não latentes. Então, leitor, fique atento para não cometer essa gafe e depois ficar lívido – ou melhor, pálido – de vergonha.