Bruxismo tem a ver com bruxa?

Neste Dia das Bruxas, como não poderia deixar de ser, vou falar de bruxas. Só que não! Na verdade, vou falar de bruxismo. O que será isso: um movimento em favor das bruxas? Nada disso. Esse velho conhecido dos dentistas é o hábito que algumas pessoas – especialmente as nervosas – têm de ranger os dentes de maneira insistente, a ponto de ficarem doloridos e até gastos. Quando eu ainda não era etimólogo, achava que o nome dessa patologia (sim, é uma patologia!) derivava da palavra bruxa, já que o rangido dos dentes lembra os ruídos das casas mal-assombradas dos filmes de terror. E bruxa tem tudo a ver com terror, né? Só que não é nada disso. O termo bruxismo foi formado a partir do verbo grego βρύχειν (brúkhein), significando “ranger os dentes”, e embora todos, inclusive os dentistas, o pronunciem como /bruchismo/, a pronúncia correta é /brucsismo/. Aliás, também existe a forma briquismo, da mesma origem grega.

Já a palavra bruxa é de origem pré-romana, isto é, já era usada pelos povos que habitavam a Península Ibérica antes da chegada dos romanos. Por isso, também se encontra em galego (bruxa), catalão (bruixa) e espanhol (bruja). A bruxa devia ser uma espécie de feiticeira e curandeira das tribos pré-romanas da Ibéria. Essa palavra certamente permaneceu no uso popular mesmo após a adoção do latim pelos ibéricos porque a língua dos romanos não tinha um vocábulo específico para “feiticeiro(a)”, já que não havia esse tipo de “profissional” em Roma. O termo aproximado em latim é lamia, nome de uma criatura que supostamente chupava o sangue das crianças e que deu origem ao nosso bicho-papão.

Feliz Dia das Bruxas!

Dia das Bruxas ou dia sagrado?

O espírito do Halloween conquistou definitivamente o Brasil, mesmo contra a vontade de alguns puristas que torcem o nariz para a importação de costumes. Já eu tendo a ver esse fenômeno com a mesma naturalidade com que nós brasileiros consumimos macarronada ou sushi: nenhuma cultura é impermeável ao empréstimo de práticas, costumes ou palavras. Tanto que a designação “Halloween” é mais popular entre nós do que “Dia das Bruxas” (uma pesquisa ao Google em português retorna mais de um bilhão de ocorrências da primeira contra 1,14 milhão da segunda).

Mas de onde veio essa denominação? Halloween (ou Hallowe’en, como também se escreve) é uma corruptela do inglês All Hallow Even, “Véspera de Todos os Santos”. É que o Dia das Bruxas cai na véspera do Dia de Todos os Santos (1º de novembro) e na antevéspera de Finados. Even é a forma arcaica de evening, “noite”, cognata de eve, “véspera” (isto é, a noite anterior, do latim vesper, “tarde, anoitecer, noitinha”). E hallow quer dizer “santo” na língua escocesa (sim, existe uma língua escocesa, chamada Scots, tida por muitos como um dialeto do inglês).

Em inglês, hallow subsiste apenas como o verbo “santificar”, cognato do alemão heiligen, de mesmo significado. E todos esses termos radicam no indo-europeu *koilos, “íntegro, intacto, puro” e, por extensão, “sagrado”, termo que também gerou o latim coelum, “céu”.

Quanto à intimidadora frase “Doces ou travessuras!”, pronunciada pelas crianças fantasiadas de bruxos ao bater à porta das casas, trata-se de uma tradução do inglês Trick-or-treat, brincadeira em que as crianças vão de casa em casa pedindo doces. Se o morador disser treat, isto é, “guloseima”, deve atender ao pedido das crianças, dando-lhes doces; se disser trick, “travessura”, deverá arcar com as consequências, que podem ir de um simples susto com as caretas e máscaras dos pequenos até transtornos como ter a fachada da casa recoberta de papel higiênico ou de spray de espuma colorida.

Como a expressão inglesa Trick or treat! contém uma deliciosa aliteração, o mais adequado em português seria usarmos “Gostosuras ou travessuras?”, que, pelo jeito, não pegaria por ser muito longa.

O fato é que não importa se essa tradição nos chegou por via norte-americana, o que importa é que veio para ficar e tem proporcionado muita alegria às crianças – afinal quem não gosta de ganhar doces?