Cotas raciais/sociais e educação de qualidade no Brasil

Uma questão que sempre provoca polêmica em nosso país é a política de cotas para negros, indígenas e estudantes pobres provenientes do ensino público em nossas universidades. De um lado, os que são contra essa política afirmam que ela fere o princípio da meritocracia, fazendo com que estudantes mais qualificados sejam preteridos em favor de outros menos preparados; de outro, os defensores da medida sustentam que ela é um importante instrumento de justiça social e que, não fosse ela, estudantes de baixa renda ou de determinadas etnias não teriam acesso à universidade.

Minha posição oscila entre ambas. Por um lado, acredito que o ingresso na universidade deveria pautar-se pelo mérito do candidato. As grandes universidades do mundo são grandes, não em tamanho, mas em importância, exatamente porque não só têm em seu corpo docente as mentes mais brilhantes, incluindo alguns ganhadores do prêmio Nobel, mas também porque selecionam os melhores candidatos para o seu corpo discente. Ou seja, produto bom é resultado de boa matéria-prima e bom processo de fabricação. Nesse sentido, uma universidade que faz assistencialismo social na seleção de seus alunos teria pouca relevância acadêmica.

Por outro lado, reconheço que, no momento, a política de cotas tem sido o mecanismo mais eficiente de inclusão social de que dispomos em termos da educação superior. Talvez isso rebaixe um pouco o nível da produção científica e mesmo o da qualidade dos profissionais que forma, mas sem dúvida eleva o nível social de seus egressos mais pobres.

No entanto, para mim o melhor dos mundos é aquele em que ricos e pobres, brancos e negros tenham igual acesso a um ensino básico de qualidade, o que significa melhorar substancialmente – radicalmente seria o termo ideal – a qualidade do ensino público, que atende à maioria da população de baixa renda no Brasil, aí incluída a maioria dos negros. Num cenário como esse, políticas de cotas seriam desnecessárias, e o mérito poderia ser o critério único de seleção.

Mas por que a educação pública brasileira não tem qualidade? Muitos dizem que falta investimento na área, portanto o problema seria financeiro. Todos sabemos que para a classe política brasileira em geral educação não é prioridade porque não dá voto. Mesmo assim, a verba constitucionalmente destinada à educação básica não é pequena – talvez ela seja, isso sim, mal gerida.

Fala-se muito dos baixos salários de professores. Não conheço a realidade em cada município brasileiro, mas tenho notícia de muitos professores do ensino público que se aposentam com proventos de 12, 13 mil reais. Ao mesmo tempo, se é verdade que há alguns colégios particulares que pagam muito bem aos docentes, os salários dos professores da maioria dos estabelecimentos privados chegam a ficar abaixo da média do que percebe um professor de escola pública de mesmo nível.

A meu ver, o grande problema do ensino público é justamente ser público. Não, não estou defendendo a privatização da educação básica, nada disso! O que quero dizer é que o modelo de gestão da esfera estatal é pouco eficiente. E explico por quê.

Em primeiro lugar, os gestores máximos da educação pública, isto é, ministros e secretários de educação, são, as mais das vezes, políticos, em geral cabos eleitorais dos governantes municipais, estaduais e federal, e não técnicos especialistas em educação. Assim, sua gestão está voltada à próxima eleição e não a um projeto educacional de longo prazo, uma política de estado que transcenda governos. Isso sem falar na corrupção, chaga que assola o estado brasileiro há séculos.

Em segundo lugar, considero que o próprio corpo docente das escolas públicas deixa muito a desejar. Embora haja professores muito bons tanto em formação acadêmica quanto em esforço e abnegação, a maior parte dos docentes tem formação ruim e pouca motivação. De fato, a admissão de professores por concurso público nos moldes em que ele é hoje realizado não permite aferir a real competência desses profissionais. O concurso público consiste em um teste de múltipla escolha, em grande parte voltado a questões de legislação, e uma redação. Não há análise de curriculum, prova didática, entrevista com recrutadores, nada! Não à toa, muitos dos aprovados nesses concursos provêm de péssimas faculdades, onde cursaram uma licenciatura de apenas três anos cheia de deficiências.

Sendo esse o contingente de profissionais à disposição do coordenador pedagógico, este fica impossibilitado de montar sua própria equipe, pois deve trabalhar com os professores que foram lotados em sua escola, sejam eles bons ou ruins. Esses professores, por sua vez, têm pouco estímulo ao crescimento profissional – em alguns casos, é preciso cursar um mestrado para subir apenas um ponto na carreira! Na verdade, a progressão se dá muito mais por antiguidade do que por mérito. Por outro lado, não há uma avaliação contínua de seu desempenho, o que significa que, qualquer que seja o grau de aproveitamento de seus alunos, os educadores não são nem premiados nem punidos. Sobretudo a estabilidade no emprego, a que todo servidor público concursado tem direito, leva à acomodação e à mediocridade.

Acredito num modelo em que coordenadores pedagógicos pudessem fazer eles próprios a seleção dos docentes que vão compor a sua equipe, tal como ocorre nas escolas privadas, e que esses coordenadores fossem cobrados pelos resultados que suas equipes apresentam – por exemplo, um sistema de pontos que resultasse na destinação de mais verba às escolas com melhores resultados, o que, por sinal, favoreceria uma salutar competição entre elas. E que essa cobrança não viesse apenas da Secretaria ou do Ministério da Educação, mas da própria comunidade usuária desse serviço público, isto é, pais e alunos. E esses coordenadores também seriam demissíveis, como, de resto, deveriam sê-lo todos os servidores públicos, com umas poucas exceções. Essa é, aliás, a proposta de reforma administrativa que está no Congresso Nacional à espera de votação.

Acredito também que é preciso restaurar a autoridade do professor, especialmente porque, na escola estatal, ele não está sujeito às pressões do mercado como ocorre no ensino privado, onde prevalece a lógica capitalista. Que as escolas tenham obrigatoriamente biblioteca, laboratórios, quadra poliesportiva, refeitório, psicólogo, médico e dentista. E que, de preferência, estejam situadas em local seguro, afastado de comunidades dominadas pelo crime. As crianças e jovens moradores desses locais disporiam de transporte escolar gratuito para chegar até a escola.

Enfim, sonho com uma educação pública de Primeiro Mundo, nos moldes do que ocorre hoje nos países desenvolvidos. Infelizmente, nossa realidade atual parece me mostrar que sou mesmo só um sonhador…