Um dos fatos históricos mais marcantes da Idade Média foi a chamada Questão das Investiduras, ou Querela das Investiduras. Trata-se de um conflito ocorrido de 1075 a 1122 entre o papa e o imperador germânico no qual se disputava a primazia na nomeação de bispos. Ocorria que o imperador Henrique IV desejava escolher ele mesmo os bispos a serem investidos dentro dos territórios do Império. Por outro lado, o papa não abria mão de seu poder sobre cardeais, bispos, abades e párocos. Assim, Henrique declarou guerra ao papado e, por causa disso, acabou excomungado pelo papa Gregório VII. Isso fez com que os barões alemães esboçassem a intenção de emancipar-se do jugo do imperador. Temendo a fragmentação de seu império, Henrique pediu ao papa que revogasse sua excomunhão.
Gregório VII exigiu então que o imperador viajasse de Speyer, na Alemanha, a Canossa, na Itália, e que permanecesse três dias e três noites ajoelhado às portas do castelo, sob frio e neve, descalço e trajando apenas uma túnica de lã. Cumprida essa penitência, o papa o recebeu e revogou sua excomunhão sob certas condições, que Henrique viria a violar pouco tempo depois.
Desse episódio histórico surgiram as expressões “penitência de Canossa” e “ir a Canossa” para designar um ato humilhante que alguém tem de praticar para conseguir o perdão por um malfeito.
Foi exatamente o que Bolsonaro foi obrigado a fazer ontem ao publicar uma carta à nação assinada por ele, mas redigida pelo ex-presidente Michel Temer, em que afirma não ter querido dizer aquilo que dissera em 7 de setembro sobre o STF e o ministro Alexandre de Moraes.
O fato de o presidente não ter redigido a carta com suas próprias palavras já põe em dúvida a sinceridade de seu conteúdo. Mas, como o que vale é a assinatura, para todos os efeitos – e para decepção de seus militantes – Bolsonaro fez um vexatório recuo estratégico. Ou seja, foi a Canossa.
Melhor para o Brasil, que já não tem poucos problemas a resolver. No entanto, o ceticismo é geral, não só dos ministros do Supremo, mas até mesmo dos próprios aliados políticos do presidente. Conhecendo o temperamento do capitão, estamos todos aguardando que ele, como Henrique IV, logo viole as promessas de bom comportamento que acabou de fazer. Como não é a primeira vez que ele morde e depois assopra, fica difícil acreditar nessa nova versão “Bolsonarinho paz e amor”.
O senhor parece mais interessado em política partidária que em compartilhar seus saberes como linguista. Lamentável.
Em primeiro lugar, neste blog falo sobre os mais diversos assuntos, linguística é apenas o mais recorrente deles. Conforme digo na própria apresentação do blog, que o senhor certamente não leu:
“Este blog não é necessariamente sobre linguística ou língua – embora estes tendam a ser temas frequentes aqui –, mas é, antes, um blog feito por um linguista, isto é, por alguém que tem a tentação de interpretar a realidade sob o prisma da linguagem […]. Aqui me permito refletir e falar sobre os mais diversos assuntos – linguagem, educação, comunicação, mídia, estética, arte, cultura pop e cultura em geral, realidade cotidiana (do nosso país e do mundo) e até filosofar sobre a existência. E também me permito expressar opiniões. […].”
Em segundo lugar, falo sobre política sim, pois, como cidadão, tenho esse direito. Mas não sobre política partidária, como o senhor disse, uma vez que não apoio nenhum partido. Se não está gostando, há muitos blogs bolsonaristas – alguns financiados com verba pública – para o senhor seguir.
Algumas pessoas definem assim o termo “política partidária”: “crítica ou comentário negativo sobre político ou partido político do qual sou simpatizante. Mas se a crítica for dirigida aos meus adversários políticos, então não será política partidária e será muito bem-vinda!”
Durma-se com um barulho desses! 😉
Caro Aldo,
Como qualquer um que tenha filhos pequenos (tenho um de quase 3 anos) já terá notado, as crianças nesta faixa etária e até um pouco mais velhas tendem a regularizar todas as conjugações. Hoje o meu filho me perguntou: – Papai, você fazeu isso?
Daí me ocorreu perguntar se as irregularidades verbais sempre estiveram presentes em todas as línguas, em todas as épocas e são, portanto, universais da linguagem, ou se há registro de alguma língua que, em alguma fase, tenha tido apenas conjugações regulares.
Pergunto isso porque é tão forte nas crianças a propensão à regularização que as irregularidades me parecem surgidas de transmissões linguísticas irregulares (contato) que, depois de assimiladas à norma, só por meio da educação formal é que se inculcam nas crianças.
De fato, Rodrigo, tanto os estudos sobre a aquisição da linguagem pela criança quanto os estudos históricos sobre as línguas indicam que a regularidade é a tendência natural do cérebro humano quando opera a linguagem. No entanto, por mais que retrocedamos no tempo, sempre encontramos formas irregulares. Isso se deve ao fato de que a evolução linguística oscila entre duas forças contrárias: a mutação fonética fortuita e a regularização analógica. É por isso que em qualquer fase de uma língua que se analise, sempre se verificam formas regulares se divorciando e se tornando irregulares por mutação, e formas irregulares se reconciliando e se reaproximando pelo efeito da analogia. Tenho um artigo sobre isso (https://www.academia.edu/8999338/O_PAPEL_DA_TENS%C3%83O_ENTRE_EVOLU%C3%87%C3%83O_LING%C3%9C%C3%8DSTICA_E_NIVELAMENTO_ANAL%C3%93GICO_E_SUAS_IMPLICA%C3%87%C3%95ES_NA_ESTRUTURA_GRAMATICAL_DO_PORTUGU%C3%8AS_MODERNO) que talvez ajude a esclarecer essa questão.
Artigo interessante, mas me suscitou uma curiosidade que não sei se tem resposta objetiva ou pode ser apenas questão de opinião:
O Inglês tem seus tipos próprios de dificuldade, por exemplo uma fonologia difícil para estrangeiros (vogais demais) e ortografia também irregular demais. Mesmo assim, os países anglófonos conseguiram torná-lo a língua franca de hoje. Então, voce diria que a dificuldade constituída pela profusão de formas verbais demais, como tem o Português, é mais impeditiva para a difusão do idioma do que a dificuldade constituída por uma fonologia difícil e ortografia irregular como tem o Inglês? Pessoalmente acho que, se o Brasil tivesse acertado a mão e passado os EUA como potência no século XIX, o Português seria sim a língua franca de hoje, mesmo com suas dificuldades.
Durante séculos o francês foi a língua internacional da política, do comércio, da ciência e da cultura. O francês tem, tal qual o inglês, uma ortografia pouco transparente, em que as palavras não se escrevem como se pronunciam. Também tem uma gramática mais complexa que a do inglês, embora não tão complexa quanto a do português. A substituição do francês pelo inglês como língua internacional se deu por razões políticas, econômicas e militares e não por questões meramente linguísticas. Hoje, o complicadíssimo mandarim já começa a se impor como potência linguística. Ou seja, a obscuridade do português não se deve tanto aos seus “defeitos” intrínsecos, mas à desimportância global dos países que o falam. É bem verdade que o inglês, com sua gramática enxuta, sua grafia sem acentos ou sinais especiais (o que facilita sobremaneira a digitação) e sua maleabilidade morfológica são diferenciais positivos, mas, a meu ver, não determinantes.
O senhor já viu os verbos da língua georgiana?
Não, nunca. Não sei nada de georgiano.
É, se o Mandarim ganhar muita importância, receio que muita gente “anti-imperialisto estadunidense” vai descobrir que, ao menos em alguns aspectos desse imperialismo, nada é tão ruim que não possa piorar. O Inglês ao menos é hindo-europeu…
Mas sabes que a gramática chinesa é bem fácil, também? A escrita é linda, apesar de complexa, e os tons são difíceis de reconhecer.
Uma observação: o mais antigo livro impresso está em chinês, o Sutra do Diamante, quase seiscentos anos mais velho que Gutenberg…
Sim já ouvi sobre a gramática fácil. O que deve pegar é o vocabulário, que deve ter pouquíssimas raízes hindo-européias, e imagino que tanto no nosso idioma como no deles, haja bastantes termos sem possibilidade de tradução exata por um só termo do outro idioma.