Muitas palavras estrangeiras acabam cedo ou tarde sendo aportuguesadas. Num primeiro momento, mantém-se a grafia importada e tenta-se tanto quanto possível preservar também a pronúncia original. O que, por sinal, é bem difícil. Pronunciar, ainda que com alguma adaptação, sons estranhos aos nossos hábitos articulatórios gera dois tipos de embaraço: em primeiro lugar, é preciso parar no meio da frase para mudar de “registro” fonético (isto é, a programação motora dos músculos fonadores, há muitos anos consolidada) no momento de articular a palavra alienígena; em segundo lugar, tal pronúncia frequentemente soa afetada e causa estranheza.
Depois que a pronúncia da palavra já se aclimatou em nosso sistema fonológico, chega a hora de adaptar a grafia a essa pronúncia. Foi assim que football (pronunciado “fútbol”) passou, primeiro foneticamente, depois graficamente, a futebol.
Mas há palavras cuja versão nacionalizada simplesmente não pega, ou porque a forma estrangeira está demasiado consagrada, ou talvez porque o aportuguesamento lhe dê um aspecto “vulgar”. É o caso de garçom e acordeom, que, malgrado o m final em lugar do n original, mantêm incólume a terminação francesa. As versões portuguesas garção e acordeão, embora registradas nos dicionários e propugnadas por gramáticos, quase não se ouvem nas ruas.
Às vezes, a grafia incorreta de uma palavra se torna tão disseminada que a certa é que parece errada. Quem sabe por isso a maioria dos restaurantes self-service venda comida a kilo e não a quilo. Por essa mesma razão, poucos sabem que a grafia correta de mussarela é muçarela – assim mesmo, com cê-cedilha e tudo! Há também mozarela, mais aderente ao étimo italiano mozzarella, mas quem grafa ou pronuncia assim?
Temos ainda a esfia, forma preferida pelos gramáticos a esfirra e sobretudo a esfiha, que nem é compatível com a nossa ortografia. Não obstante, é esta última forma a única que se lê nos anúncios das pastelarias e restaurantes de comida árabe. Esfia tem, aliás, o inconveniente de omitir um fonema (rr ou h aspirado) que todos pronunciam. Portanto, soa profundamente artificial.
Como o uso é o senhor absoluto da língua, é de se questionar se a grafia não deveria pautar-se justamente por ele, especialmente em casos consagrados como esses, em que o certo parece errado. É o que fazem outros idiomas, cujas regras ortográficas são bem menos rígidas que as nossas. Afinal, que comerciante teria coragem de anunciar esfias de muçarela? Grafado assim, esse prato fica até sem gosto!
Aldo, adorei o texto. Sou leitora assídua do seu blog há anos.
Abraços
Ana Poltronieri
Valeu, Ana, um beijo!
Prof. Aldo, quanto à palavra “esfia”, nunca ouvi falar, realmente. Porém, sobre a palavra “muçarela”, penso que não é tão incomum. Aliás, aí entra o prof. de Português, porque, como o senhor sabe, existe uma regra para isso. Se não existisse uma regra, seria o “caos”. Todos, mesmo os de maior grau de escolarização, ficariam em dúvida: se escreve com “ss” ou com “ç”? A todos que foram meus alunos, eu ensinei porque a palavra “muçarela” tem de ser escrita com “ç”.
Fiquei curioso a respeito de “esfia”. Não há registro dessa palavra no “VOLP”, mas de “esfiha”, árabe, e “esfirra”, aportuguesada, sim. Interessante!
“Esfia” consta em alguns dicionários.