Uma das questões mais prementes da pesquisa linguística são os chamados universais da linguagem, elementos ou características presentes em todas as línguas naturais, mesmo naquelas que jamais tiveram contato entre si nem têm ascendência comum. Uma das bases da ciência é justamente a possibilidade de encontrar leis gerais que governam todos os objetos particulares de um determinado domínio. Que toda a matéria é feita de átomos é um princípio fundamental da física; que todos os seres vivos se reproduzem é um universal da biologia, e assim por diante. Na linguagem, são universais fatos como: todas as línguas possuem gramática; todas são compostas de palavras e frases; todo signo linguístico tem significante e significado.
Mas há fatos ainda mais gerais, como a constatação de que a própria linguagem verbal é universal: não há nenhum povo que se comunique preferencialmente por outro código que não as palavras (como assovios, gestos, toques). Ou seja, a própria prevalência da linguagem verbal é um traço universal e definidor da espécie humana. Até aí, não há dúvida de que se trata de um mecanismo com raízes biológicas: em algum momento da evolução da espécie, a linguagem verbal articulada emergiu como função biológica vantajosa à sobrevivência, que passou desde então a ser transmitida geneticamente. Isso significa que a aptidão linguística está de alguma forma inscrita em nossos genes – o que não quer dizer, evidentemente, que as línguas que falamos são herdadas por via genética: obviamente, trata-se de um aprendizado.
Mas as características estruturais mais básicas das línguas, somadas ao aparato cognitivo subjacente a elas em nível mais profundo, fazem crer que toda língua se desenvolve e evolui segundo um padrão que não é cultural, mas neurológico. É como dizer que cada língua é um software diferente, mas todos rodam a partir do mesmo sistema operacional e dentro do mesmo hardware. Essa tese, chamada de inatismo linguístico, foi defendida sobretudo por Noam Chomsky e os gerativistas e ganha cada vez mais força com os atuais estudos da neurociência e ciências cognitivas.
Mas há um problema de difícil solução com respeito aos universais linguísticos: o vocabulário. Sabe-se há muito tempo que certas palavras do léxico mais primitivo das línguas, como os termos para “pai” e “mãe”, se parecem espantosamente, mesmo em línguas distantes no tempo e no espaço, línguas que jamais tiveram contato entre si nem demonstram qualquer traço de parentesco. A presença de um elemento fonético [p] ou [t] (e suas variantes [f], [b] e [d]) nos correspondentes a “pai” e [m] ou [n] nos correspondentes a “mãe” (veja quadro abaixo) sugere que esses termos provieram da própria comunicação infantil pré-linguística (bebês em fase pré-linguística balbuciam coisas como pá, tá, má, mamá diante dos pais ou pedindo para mamar) e, portanto, seriam fruto de programação genética.
Mas a reconstrução de línguas mortas não documentadas por comparação entre línguas documentadas levou o linguista norte-americano Merrit Ruhlen à hipótese de que teria existido uma protolíngua, ou mãe de todas as línguas, que ele chamou de proto-sapiens (uma das palavras reconstruídas nesse idioma seria *tik, “dedo”). Ou seja, segundo a teoria que ficou conhecida, de modo algo depreciativo, como “torre de Babel” (pois, segundo o mito bíblico, antes de Babel todos falavam uma só língua), todas as línguas naturais existentes hoje em dia descenderiam remotamente de uma língua primeira, falada na África à época do surgimento da própria espécie humana atual, o Homo sapiens (cerca de 200 mil anos atrás). Embora muito controversa, essa teoria tem muitos adeptos e não pode ser de todo rechaçada.
Coloca-se então a questão: as palavras para “pai” e “mãe” se parecem na maioria das línguas conhecidas porque estão em nosso código genético ou porque têm ancestrais comuns na protolíngua? Trata-se de herança biológica ou cultural? Em que casos houve transmissão por empréstimo e, portanto, contato linguístico e em que casos não? A linguística atual não tem respostas seguras para essas perguntas, mas está trabalhando intensamente para chegarmos, dentro dos próximos anos, a alguma conclusão. E, dada a velocidade com que tem ocorrido a extinção em massa de línguas no último século, trata-se de uma corrida contra o tempo.
“PAI/MÃE” EM DIVERSAS LÍNGUAS DO MUNDO |
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albanês: babai/nëna árabe: ab/am azeri: ata/ana basco: aita/amak birmanês: hpahkain/mihkain cazaque: äke/ana cebuano: amahan/inahan coreano: abeolji/eomeoni estoniano: isa/ema galês: tad/mam georgiano: mama/deda hebraico: abh/em hmong: txiv/niam húngaro: apa/anya inglês: father/mother |
ioruba: baba/iya laosiano: pho/aem latim: pater/mater malaiala: pitāv/am’ma malaio: bapa/ibu mandarim: fùqin/mŭqin maori: papa/whaea nepalês: bubā/āmā sesotho: ntati/’mè suahili: baba/mama tailandês: phx/mæ turco: baba/anne usbeque: ota/ona vietnamita: cha/me zulu: ubaba/umama |
Encontrei o artigo da língua Proto-humana na Wikipédia e fiquei curioso que o Ruhlen não tenha incluído o Indo-europeu naquela tabela das etimologias globais. Será que indo-europeu é um ponto fora da curva em termos de protolíngua ou o artigo está ruim ?
https://en.wikipedia.org/wiki/Proto-Human_language
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Na verdade, o indo-europeu está incluído na categoria “euro-asiático”. Observe, por exemplo, a etimologia “akwa” para “água”.
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