Rei Charles ou rei Carlos?

A recente ascensão do príncipe Charles, filho primogênito da falecida rainha Elizabeth II do Reino Unido, ao trono britânico, fez com que toda a imprensa brasileira passasse a chamá-lo de rei Charles III (houve dois outros monarcas ingleses com esse nome antes dele).

Em Portugal, o príncipe foi chamado de Carlos desde sempre, assim como a rainha era Isabel II, e os filhos de Charles, a saber, William e Harry, são Guilherme e Henrique. O mesmo princípio de tradução de nomes de soberanos vale para os países de língua espanhola, francesa, italiana e alemã.

Mesmo no Brasil é costume referir-se aos monarcas  e papas pelas traduções portuguesas de seus nomes originais. Assim, falamos do rei Luís XIV de França, de Henrique VIII de Inglaterra, do imperador Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico, do papa João Paulo II, e assim por diante. Inclusive os dois supracitados reis ingleses homônimos de Charles são conhecidos no Brasil como Carlos I e Carlos II. Portanto, o mais lógico seria que desde já passássemos a nos referir ao novo rei da Grã-Bretanha como Carlos III e não como Charles III. Aliás, a expressão “rei Charles”, que tem sido veiculada na mídia falada (rádio, TV e podcasts), gera certa confusão com Ray Charles, o famoso cantor americano de rhythm’n’blues e soul.

Quanto a Elizabeth, poderia ter sido aportuguesado para Elisabete, uma vez que o nome em inglês da rainha Isabel de Castela é Isabella e não Elizabeth, o que indica que se trata de dois nomes distintos, ainda que tenham a mesma origem hebraica. O mesmo ocorre com Diogo, Diego, Tiago, Iago, Jaime e Jacó, que são nomes diferentes (por exemplo, ninguém se refere a Santiago como São Jaime ou São Jacó), embora se originem todos do hebraico Ya’akov.

22 comentários sobre “Rei Charles ou rei Carlos?

  1. Caro Aldo:

    Não sei se da circunstância de o nome inglês da rainha Isabel de Castela ser Isabella se pode deduzir que Elizabeth e Isabella sejam dois nomes diferentes, porque, posso estar enganado, mas os ingleses não costumam traduzir, ou não traduzem mais, os nomes dos monarcas estrangeiros: Felipe VI da Espanha é Felipe VI of Spain, e não Philip VI of Spain, como o pai dele era Juan Carlos I of Spain.

    O da Bélgica não é Philip of Belgium, mas Philippe of Belgium.

    A da Dinamarca é Margrethe II of Denmark, e por aí vai.

    A propósito, sabe se isto de não traduzir os nomes dos monarcas estrangeiros é, no Brasil, tendência recente, induzida pelo manual de redação da Globo, rs, ou se é coisa mais antiga?

    Um abraço,
    Rodrigo.

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    1. Caro Rodrigo, eu quis dizer que Elisabete e Isabel são nomes distintos em português, tanto que posso batizar cada uma de minhas filhas com um desses nomes, e elas não seriam homônimas. O comentário do leitor Júlio César, abaixo, esclarece essa profusão de nomes diferentes com étimo comum.

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    2. Rodrigo, acho que o manual de redação da Globo (que eu não conheço, por isso estou falando “de orelhada”) não diz nada sobre isso. Até onde me lembro, costumávamos traduzir os nomes dos monarcas e, de certa forma, ainda o fazemos. Por exemplo, chamar o rei da Suécia de Carlos Gustavo é mais comum do que chamá-lo de Karl Gustaf. Mas percebo que tendemos a manter o nome no original quando ele se afasta muito do vernáculo. Por exemplo, é normal para nós chamar os reis da França de Luís e não de Louis porque as duas formas são muito próximas. Já Charles se distancia um bocado de Carlos, assim como William de Guilherme. No entanto, como disse o leitor Manuel de Sousa, o rei Juan Carlos se manteve assim para nós e para os portugueses apesar da proximidade. Ou seja, parece que a coisa não tem muita lógica, é “ao gosto do freguês”.

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  2. Essa é mais uma causa perdida em português quanto a nomes próprios. Continua valendo (até quando?) para pessoas célebres de tempos mais recuados (Carlos V, João sem Terra, Guilherme I…), para os santos e os papas; já os nomes de membros da realeza de hoje ninguém adapta, possivelmente por força da mídia brasileira, muito influenciada pela dos EUA, que não adapta nada.
    Quanto ao nome Isabel ou Elisabete, cabe lembrar que alguns nomes de origem hebraica têm duas formas em português, uma usada nas traduções do Antigo Testamento, outra no Novo: Eliseba (esposa de Arão e cunhada de Moisés) e Isabel (prima de Maria e mãe de João Batista); Míriam ou Miriã (irmã de Moisés) e Maria; Saul (rei antes de Davi) e Saulo (depois Paulo); Simeão e Simão; Josué e Jesus.
    É possível que as formas do Novo Testamento, difundidas na cristandade com a evangelização, tenham sido tiradas das formas aramaicas; talvez as variações tenham vindo das adaptações para o grego, deste para o latim e deste para as línguas europeias.

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      1. Professor, na verdade quem tem razão é o senhor. Quis dizer nome de pessoa. Por outro lado, tem alguma coisa a ver o fato do rei Charles e o príncipe Harry estarem vivos? Além disso, ao ler “tradução”, pensei em significado. Por isso achei melhor usar a palavra “transliteração”. Errei ao usá-la?
        Uma coisa é o signicado do meu nome, como o senhor bem sabe; outra coisa é o seu equivalente em português. Aliás, acho “Patrício” horroroso. Está correto dizer que a tradução de “Patrick” é “Patrício”? Talvez seja ignorância minha, mas é estranho, porque “Patrício” vem do latim “Patricius” e não do inglês. Eu sei que o senhor sabe de tudo isso, até mais do que eu. Por que estou dizendo tudo isso então? Justamente para saber se é mesmo “tradução” a palavra que melhor define essa coisa toda. É variante, equivalência, adaptação ou tradução mesmo. Aportuguesamento também pensei, mas me veio à mente o nome “Jorge”, que em espanhol se escreve do mesmo jeito. Ilumine isso aí, professor Aldo.

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    1. Patrick, transliteração é, de fato, a conversão de palavras de um alfabeto ou sistema de escrita para outro. Por sinal, deriva do latim “littera”, que quer dizer “letra”. Ou seja, é a substituição das letras de um alfabeto pelas correspondentes de outro.
      Realmente, é estranho falar em tradução de antropônimo (nome próprio de pessoa); o que há é equivalência. “Patrício” é o equivalente português do inglês “Patrick”, e ambos são empréstimos do latim “Patricius”. Já o significado de “Patricius” é “nobre ou aristocrata romano”.
      Pode-se falar também de aportuguesamento, mas não acho muito adequado. Aportuguesar é adaptar uma palavra estrangeira à grafia portuguesa, o que não é o caso, por exemplo de “Charles” x “Carlos”.

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  3. Em Portugal, os nomes dos reis, dos santos e dos papas são traduzidos. Por isso, no caso dos monarcas, usamos Carlos III, Isabel II (do Reino Unido), Filipe I (da Bélgica), Margarida II (da Dinamarca), Alberto II (do Mónaco), Guilherme Alexandre (dos Países Baixos), Carlos Gustavo (da Suécia), etc., etc.
    Mas há uma exceção curiosa: o antigo rei de Espanha sempre foi chamado entre nós como Juan Carlos (nunca João Carlos). Mas acho que essa consagração pelo uso resultou do facto de se tratar de um nome composto. Se fosse apenas Juan, tenho a certeza de que seria traduzido para João. Aliás, houve dois reis castelhanos com esse nome (nos séc. XIV-XV) que são conhecidos como João I de Castela e João II de Castela.
    Sem querer ofender ninguém, creio que essa tendência brasileira de usar os nomes originais dos monarcas ingleses é consequência direta da forte influência cultural que os EUA exercem sobre o Brasil.

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    1. Manuel de Sousa, você tem razão: somos tão influenciados pelos EUA que deixamos de lado costumes linguísticos nossos e nem percebemos isso. A própria ideia de dizer que “nome próprio não se traduz” resulta dessa influência. O fato de dizermos “Inglaterra”, “Alemanha” e “África do Sul” (e não “England”, “Deutschland” e “South Africa”) já põe por terra esse clichê.

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    2. Não sei se se trata de influência americana sobre o Brasil. Já li argumentos de que a tendência de antanho de traduzir nomes se explicava pela alta taxa de analfabetismo do século XIX para trás, em qualquer parte do mundo, mas não se explica mais atualmente; de que traduzir nomes é, como se diz em Portugal, um tanto quanto parolo e não se sustenta nem sequer por tradição, se se tem em conta que vivemos em regimes republicanos.

      Enfim, já li argumentos em defesa da tendência, que não necessariamente descartam, é claro, a hipótese de que sejam uma racionalização posterior de uma tendência brasileira que se pode dever mesmo à influência cultural americana, mas para lhe atribuir tal origem seria preciso demonstrar que, no Brasil, era outra a tendência e que a sua inflexão coincidiu com a progressiva ascendência cultural americana sobre o país.

      Quanto a esta influência, é provavelmente bem menor do que se pensa: o Brasil é um país ainda relativamente isolado, seja porque a maioria dos brasileiros vive mais a leste, longe de quaisquer fronteiras, seja porque a maioria dos brasileiros é monolíngue. No Brasil, pouco se convive com estrangeiros, pouco se ouvem outras línguas que não o português brasileiro e se ouvem muito mais músicas brasileiras que em inglês, embora se ouça muita música em inglês; ademais, a generalidade dos brasileiros prefere filmes dublados aos legendados, ao contrário dos portugueses, que preferem os legendados aos “dobrados”.

      Uma vez vi um estudo sobre usos de nomes estrangeiros em marcas comerciais no Brasil e em Portugal, e, assim como o autor pressupunha antes de iniciar a sua pesquisa, eu, antes de ler o estudo dele, achei que o percentual no Brasil fosse muito mais alto que em Portugal, onde supus que o uso de nomes estrangeiros em marcas comerciais fosse mesmo muito baixo; mas se dá justamente o contrário: o percentual é muito alto em ambos os países, mas é mais alto em Portugal.

      Além disso, se chamamos mouse ao rato, os portugueses chamam T-shirt à camiseta: cumpriria verificar quem traduz menos, quem adapta menos, mas me parece que exemplos como estes abundam nas duas variantes da língua.

      O que me parece ser mais comum aqui é a adaptação de palavras estrangeiras à índole da língua portuguesa: poderíamos, aí e aqui, dizer que estamos sob forte tensão, mas costumamos mesmo é dizer, aqui, que estamos sob forte estresse; já aí se escreve stress. Para nos descomprimirmos, vamos à praia praticar o surfe; já os portugueses vão praticar o surf à praia (aqui há também diferença de sintaxe: vamos à praia praticar surfe, e os portugueses vão praticar surf à praia).

      Não vai aqui crítica alguma a nenhum lugar e espero não ofender ninguém, mas, seja por distanciamento geográfico, seja por ignorância, a generalidade dos brasileiros está muito mais livre de modismos linguísticos estrangeiros que a generalidade dos portugueses.

      Pode não parecer assim porque talvez se conviva, em Portugal, com a minoria da minoria dos brasileiros que fala pelo menos mais outra língua, geralmente o inglês, que prefere filmes legendados aos dublados, que ouve mais música estrangeira que brasileira, mas o grosso do povo brasileiro diz tudo em português, de ponta a ponta. Se diz bem, se diz mal é outra questão.

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      1. Obrigado pelo seu comentário, Rodrigo.
        Aceito que a exposição às línguas e culturas estrangeiras – nomeadamente à inglesa/americana – seja bem superior em Portugal do que no Brasil. Desde logo, porque o Brasil é um autêntico país-continente, quase 100 vezes maior do que Portugal, enquanto neste país nenhum ponto fica a mais de 150km da fronteira e, todos os dias, esbarramos com estrangeiros nas nossas ruas, lojas e restaurantes. Em Portugal, a convivência com outras línguas e culturas é diária.
        No entanto, creio que o mesmo não se poderá dizer em relação às elites de cada país. Estou convencido de que as elites brasileiras – principalmente os brasileiros endinheirados – olham para os EUA como a referência por excelência, a admirar e a aspirar. Atrever-me-ia a dizer que, para muitos brasileiros, os EUA não são apenas a grande referência, mas são praticamente a única referência.
        Ora, quem decide se o monarca britânico é comummente intitulado no Brasil como Carlos III ou Charles III não é o brasileiro comum, mas sim a pequena minoria que goza de maior prestígio no país. E aqui os meios de comunicação social – a “mídia”, como se diz no Brasil – joga um papel decisivo. Muito provavelmente, serão entidades como a rede Globo ou a CNN Brasil que definem o que será o padrão brasileiro neste domínio. E este padrão brasileiro vai beber apenas à prática americana, fazendo tábua rasa da tradição portuguesa, espanhola e, de certa forma, latina.
        Mas isto é apenas a minha opinião. Cumprimentos.

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      2. Enquanto lia o que o Rodrigo escreveu me ocorreu a mesma objeção que li na resposta do Manuel. Trata-se de uma diferença entre as elites dos dois países muito mais do que entre seu povos, e talvez, também, a uma postura meio defensiva na cultura portuguesa que os leva até a corrigir usos de vocabulário e sintaxe de brasileiros que concedem entrevistas para veículos portugueses (por exemplo, “ia lá a casa”, numa entrevista que li do escritor João Ubaldo Ribeiro, que certamente disse “ia lá em casa”). Um nível educacional melhor do povo me parece que o predisporia antes a um certo “purismo vernacular” do que a absorver influências estrangeiras de forma um tanto passiva e desordenada. É por isso que no Brasil há tanta gente que se chama “Máicol” e “Nicole”, por exemplo, e que nomes como esses delatam imediatamente a origem social da pessoa.

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  4. Curiosidade:
    De Ya’kov para Iago, é até fácil imaginar que por exemplo o som de k ficou sonoro e virou g, mas no caso de Jaime ou o inglês James, como foi que apareceu esse m e o que foi feito do som de k ?

    Um abraço.

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    1. Primeiramente, é preciso explicar que os nomes bíblicos não chegaram até nós diretamente do hebraico, mas vieram do grego “koiné” e ainda passaram pelo latim. Então, Ya’akov tornou-se Iákobos em grego e Jacobus ou Jacob em latim. É de Jacob que provém Iago por evolução fonética regular. No entanto, desenvolveu-se em algumas línguas uma forma paralela a Jacobus, que é Jacomus. Essa é a origem do italiano Giacomo e também do inglês James, que, por sua vez, nos deu Jaime.
      A perda do “c” ou “k” parece indicar que essa forma fosse originalmente francesa, pois em francês essa consoante cai entre vogais. Provavelmente, James chegou à Inglaterra através do normando do século XI. É difícil afirmar isso com certeza porque os dicionários etimológicos não tratam de nomes próprios, e não há bons dicionários onomásticos na internet.

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  5. Entendi o seu ponto, Manuel. De todo modo, para o caso de lhe interessar, deixo-lhe a sugestão deste episódio sobre o assunto de que tratamos, apresentado no podcast do Marco Neves, um tradutor e revisor português que também tem um blogue muito interessante sobre a língua portuguesa e as línguas em geral:

    https://marconevespodcast.substack.com/p/carlos-iii-ou-charles-iii?fbclid=IwAR3P4cIDZ0JKrxAVrpGVkugRCKfdMnMU3hZ3BlasuX9oFBYrrHvxgNlZwEk

    Disse o Marco Neves o mesmo que eu me lembrava de ter ouvido alhures: tende-se a traduzir cada vez menos os nomes próprios de pessoas e lugares. Mesmo para os nomes de monarcas não há regra inequívoca, nem sequer em Portugal: os nomes dos monarcas ingleses se traduzem sempre; os dos espanhóis, não. Enfim, aqui já se dissera o mesmo.

    Quanto a mim, é-me indiferente que se traduzam ou não os nomes dos reis; o que não suporto é ouvir jornalistas brasileiros, especialmente na Globo, violentarem o sotaque e a prosódia brasileiras para pronunciarem à inglesa o nome do rei Charles. Ao menos não se atrevem a dizer third, em vez de terceiro.

    Não chego a defender a posição caricatural do Fradique Mendes, personagem do Eça segundo quem se devia falar bem a própria língua, e mal, orgulhosamente mal, todas as demais, mas ao menos quando se está falando a sua própria língua e é preciso dizer um nome estrangeiro no meio duma frase, que seja à moda da própria casa, e não da alheia.

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