Provador ou provadouro?

Prezado Aldo, as lojas de roupas geralmente têm uma cabine para provar as peças chamada ‘provador’. Fiquei pensando se esse nome está correto, afinal provador é aquele que prova, não? Assim como investigador é quem investiga, consumidor é quem consome, etc. Em suma, o sufixo mais adequado para indicar lugar onde se faz algo não é -douro? Ou seja, o lugar onde se prova roupas não deveria ser provadouro em vez de provador? Obrigado.
Laerte Munhoz dos Santos

Laerte tem toda a razão. Embora a palavra provadouro não conste em nossos dicionários nem no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), o que significa que esse vocábulo rigorosamente não existe, a cabine de prova (que em francês se chama cabine d’essayage e em inglês, fitting room) é o local onde se experimenta a roupa a ser comprada. O sufixo -dor, de fato, indica o chamado nomen agentis, isto é, serve para formar palavras que designam o autor de uma ação, seja ele uma pessoa, animal ou máquina: vendedor, investidor, predador, roedor, computador, acelerador. Já o sufixo -douro é apropriado para formar nomes de lugares em que se faz algo: ancoradouro, matadouro, nascedouro, sorvedouro. Portanto, o lugar onde se provam roupas deveria ser o provadouro. Deveria ser, mas não é.

Os dicionários Houaiss e Michaelis definem provador como aquele que prova, especialmente, o profissional encarregado de provar vinhos, cafés, etc. Mas o Houaiss também reconhece a acepção “cabine onde se provam roupas”. Curiosamente, o espanhol também oferece a palavra probador nesses dois sentidos (e em espanhol o sufixo que forma lugar onde se faz algo é -dero, portanto probador deveria ser probadero, igualmente inexistente).

O que tudo isso significa? Que a língua nem sempre se pauta pela lógica, mas existe uma força poderosíssima, contra a qual nem mesmo os gramáticos mais respeitados conseguem agir, chamada uso. Parece ter sido o que ocorreu a provador: seu emprego com o sentido de lugar, embora inadequado (assim como o é o emprego de babador em lugar de babadouro), acabou de tal modo consagrado que mudar esse estado de coisas hoje parece impossível. Tanto que os próprios dicionários reconhecem tal acepção. E se esse uso equivocado do sufixo se dá também em espanhol, é talvez porque as duas línguas tenham em algum momento compartilhado o termo. Como se trata de conceito ligado ao comércio, é bem possível que comerciantes pouco afeitos à morfologia da língua tenham confundido os sufixos, instituindo um novo significado de provador em vez de cunhar o termo provadouro. A seguir, o vocábulo transpôs as fronteiras, passando do português ao espanhol, ou vice-versa. O fato é que, mesmo sendo fruto de um equívoco, a palavra provador está dicionarizada como cabine de prova, logo seu emprego nesse sentido é legítimo.

22 comentários sobre “Provador ou provadouro?

  1. Por que disse que o vocábulo “rigorosamente” não existe por não constar dos nossos dicionários e do VOLP? Ao contrário do que se imagina, a ABL não tem competência legal para regular nada, nem sequer a ortografia das palavras. A este propósito, confira-se: https://www.migalhas.com.br/coluna/gramatigalhas/141638/academia-brasileira-de-letras—delegacao-legal-e-autoridade

    O Bechara inclusive desrespeita, frontalmente, o que o AO90 (este, sim, plasmado em lei) prevê para a grafia de co-herdeiro, e deita ao VOLP coerdeiro. Respeito-o profundamente, mas ignoro esta sugestão, porque, além de contrariar a ortografia oficial vigente, me fere as vistas.

    Provadouro não existe apenas porque não tem uso corrente, mas está bem formada, como você mesmo explicou.

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    1. Prezado Aldo:

      Como não acho o campo para abrir um novo tópico de pergunta, deixo a minha aqui mesmo.

      Lembro-me vagamente de você ter dito que tinha não sei se um projeto pronto; se ideias estruturadas, mas sem projeto pronto; ou se um esboço de uma gramática normativa baseada na descrição do português brasileiro, e não sei se da mesma forma que são as gramáticas do Perini e do Castilho, embora eu ache que não, porque, e posso ter tido uma impressão errada, me parece que a sua normatização seria menos propensa que a deles a acolher todos os usos estatisticamente normais (normas em sentido descritivo) como regras de gramática em sentido tradicional (normas em sentido prescritivo).

      Se me lembrei bem, tem planos de a publicar? Previsão de o fazer? Poderia publicar algo a respeito? Seria interessante conhecer as suas ideias, ainda que em linhas muito gerais.

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      1. Rodrigo, deve ter havido um mal-entendido. Eu não sou gramático e, portanto, não tenho a menor intenção de redigir uma gramática. O que eu pretendo pôr em prática dentro em breve é um projeto de pesquisa, para o qual, por sinal, vou recrutar voluntários que queiram participar (fica aqui o meu convite a você também), cujo objetivo é aferir o grau de complexidade e (ir)regularidade da gramática do português em comparação à de outros idiomas europeus. Trata-se de um estudo científico, de caráter descritivo e não normativo. Talvez tenhamos conversado sobre isso em algum momento, e você ficou com a impressão de que eu faria uma gramática, mas não é o caso. Um abraço!

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      2. Prezado Aldo:

        Eu sei que não é gramático, mas me lembrava vagamente mesmo de você ter tido algo relacionado com a maior irregularidade da gramática do português em comparação com a de outras línguas latinas. Ficou-me a impressão de que pretendia recolher subsídios para aumentar a regularidade da gramática do português.

        Se eu puder ajudar, ficarei satisfeito em fazê-lo, na medida das minhas possibilidades.

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      3. Acho que eu estava me referindo a esse projeto de pesquisa e não a uma gramática. Até fui, certa vez, convidado a redigir uma gramática escolar, mas o projeto não foi adiante. Quanto ao meu futuro projeto de pesquisa, dentro em breve lançarei aqui no blog e também nas redes sociais a carta-convite. Assim, você poderá compreender melhor o que pretendo fazer e tomar a decisão de participar ou não. Um abraço!

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    2. Prezado Aldo:

      Li, hoje, um artigo do escritor português Miguel Esteves Cardoso, reproduzido pelo Ciberdúvidas, sobre aportuguesamentos possíveis de bully e bullying, todos os quais me pareceram ruins.

      Pergunto: embora não se trate de tradução nem de palavra que compartilhe o étimo dos termos ingleses, bulir e bulimento (e bulidor) não dariam conta do recado, além de soarem semelhantes aos termos ingleses?

      Veja as acepções de 5 a 7 para bulir no Aulete. Parecem-me dar conta do recado.

      Que acha?

      Rodrigo.

      P.S.: Sei que o uso é soberano. Vai ser bullying para todo o sempre, rs.

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      1. Sinceramente, não gosto de aportuguesamentos que pegam uma palavra vernácula parecida mas sem parentesco etimológico para fazer as vezes da palavra estrangeira. Veja o caso de “bugre”, que quer dizer “índio” (ou melhor, “indígena” – ou melhor ainda “membro de povo originário”), e que se tentou usar como aportuguesamento de “buggy”, literalmente “pequeno besouro”, aquela espécie de jipe feito de fibra de vidro e montado no chassis de Fusca. Obviamente, o nome não pegou, até porque o jipinho se parece de fato com um besouro e não com um índio (ou indígena, ou povo originário). Penso que “bulir”, embora no dialeto nordestino signifique o mesmo que “bully”, não só não vai pegar como não tem justificativa etimológica. É, como você mesmo disse, uma solução ruim. Por último, não compartilho dessa sanha aportuguesadora de certos gramáticos xenófobos. As línguas cosmopolitas, como o inglês, acabam sempre levando vantagem sobre as nacionalistas, como o islandês.

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      2. Caro Aldo:

        Não compartilho tampouco essa sanha aportuguesadora; e também acho preferível que haja parentesco etimológico entre a palavra vernácula que se usou para traduzir a estrangeira, quando uma e outra se assemelham, para evitar induzir em erro as pessoas, que muito correntemente assumem parentescos onde não há, levadas pela semelhança superficial.

        Mas bulir ou bolir, embora seja muito associado ao dialeto nordestino, tem raízes profundas no português, com acepções, senão exatamente iguais, sempre muito próximas das que, por óbvia extensão de sentido (e por pequena extensão, longe de ser extrapolação), tem a palavra no dialeto nordestino.

        No Corpus do Português, encontrei exemplos do século XVI em que a palavra se emprega numa acepção bastante próxima, senão sinônima, da do dialeto nordestino:

        “E assim, entendendo que ElRei havia de bolir com os do seu Conselho, lançou-se primeiro de fóra com achaques que tomou, e não tardou muito que não houvesse nisto novidades.” (Quinta década, de Diogo dp Couto, 1584; repare que a locução é a mesma do dialeto nordestino, bolir com)

        “Nina Chetu, como por suas culpas andava vigiado de o tirarem do cargo, tinha suas inteligências, tanto que chegava algum navio da Índia, pera saber se mandava Afonso de Albuquerque bolir com ele; e como foi certificado do recado que vinha, teve maneira que, por espaço de oito dias se não denunciasse que o mandavam tirar do ofício.” (Décadas da Ásia, Década Segunda, de João de Barros, 1553; de novo, bolir com)

        “E quanto aos Regemgos do termo da villa nem parecyo neçessario bolir com elles porque nenhuuns nunca se agrauaram de pagarem mais do contheudo em forays que todos tem particularmente” (Inquirições manuelinas, de notários, 1496-1520; também bolir com)

        Bolir era sinônimo de mexer, mover. Há exemplos mais antigos que estes que falam de soldados que já tombavam sem bolir. O verbo também era transitivo direto, pois se podia bolir alguma coisa, movê-la. Bolir com alguém ou com algo era mexer com ele, no sentido de afetar a sua posição.

        Enfim, tem tradição, muito além do dialeto nordestino; não compartilha o étimo com o termo em inglês, é verdade, mas não é uma tradução forçada como bugre, que, além de não ter o mesmo étimo, não tinha o mesmo sentido.

        Mas falo por diletantismo, por amor ao debate, porque sei que não pega nem por decreto. E ainda bem.

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      3. Tenho pleno conhecimento da origem e da tradição do verbo “bulir” em português desde o latim “bullire”, logo não se trata de uma invenção nordestina e sim, hoje em dia, de termo muito vivo naquela região, mas não em outras, como aqui no Sudeste. Já vi um nordestino pedir licença para “bulir no meu livro”, coisa que um paulista, carioca ou mineiro jamais diria. De todo modo, “bulir com alguém” ou “mexer com alguém” ainda é diferente de praticar bullying: eu frequentemente mexo com meus amigos, mas não faço bullying com eles. Aliás, num outro post deste blog, falo sobre a aproximação que se faz em português entre “bullying” e “bolinar”, também sem lastro etimológico.

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      4. Prezado Aldo:

        De fato, sou mineiro, morei por anos em Goiânia, moro há décadas em Brasília e vou sempre ao RS e nunca ouvi, em nenhum desses lugares, ninguém que dissesse bulir, mas o que eu quis dizer, no exercício diletante que nos propus, foi que, se se justificasse aportuguesar bully e bullying, como sugeriu o Miguel Esteves Cardoso, teríamos em bulir um candidato que, em que pese a não ter nenhum lastro etimológico, o que eu mesmo lembrei desde o início, tem sentido próximo ao do termo inglês, com que se assemelha fortuitamente.

        Não me parece fazer sentido que se exija de palavra vernácula por que se traduz uma estrangeira que partilhe o mesmo étimo desta, somente porque, neste caso especial, as duas se assemelham casualmente, já que não se faz tal exigência às demais palavras vernáculas por que se traduzem as estrangeiras, quando não se lhes assemelham de modo algum.

        Eu não proponho a sério que se traduza bully ou bullying por bulir e por bulimento porque sou avesso à regulação artificial da língua; não por não partilharem raízes ou por se restringir a acepção comum a apenas um dialeto, seja qual for, pois, se necessário fosse, não haveria mal em recorrer ao patrimônio regional para enriquecer o patrimônio comum, que aquele integra.

        Um abraço,
        Rodrigo.

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  2. Caro Rodrigo: com todo respeito, embora você tenha se dirigido ao prof. Aldo, a ABL tem sim a competência legal para determinar qual deve ser a ortografia oficial do Brasil. No próprio “link” enviado por você, é possível ler no texto mais abaixo, especialmente a partir da alínea 13, que a ABL é o órgão incumbido de elaborar o VOLP e que esse vocabulário tem força de lei. Mesmo sendo lei, uma parte dos brasileiros não está nem aí se as palavras estão escritas corretamente ou não em seus textos. Isso é porque existe uma regulamentação. Imagine se não existisse! E é por causa do VOLP que não podemos escrever “beringela”, com “g”, embora o dicionário “Houaiss” considere esta a grafia correta, em vez da forma “berinjela”, oficial. A forma com “g” é usada em Portugal. Nesse país, grafam-se “húmido” e “humidade” para “úmido” e “umidade”. Se tivermos de seguir a ortografia vigente em Portugal, então não precisamos de ABL e de VOLP. Nem sempre o uso regula ou determina a grafia das palavras. Se fosse assim, “muçarela” seria escrita com “SS” e não com “c” cedilhado, embora haja uma regra para isso.

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    1. Não, não tem: ela recebeu quando muito a incumbência de organizar o VOLP, que, todavia, deveria seguir o que, aí sim, a lei que fez implantar o AO90 no Brasil determina. E o Bechara, organizador do VOLP, tirou da cartola dele o coerdeiro, que fere o AO90 frontalmente.

      Eu escrevo co-herdeiro e escreverei sempre. Assim como, depois de ler todos os muito bons argumentos em favor de Galiza, é assim que escrevo, e não Galícia.

      Pessoas inseguras, que não dominam a norma culta e cometem erros básicos talvez se deixem impressionar por argumentos de autoridade, baseados em interpretações especiosas da lei, mas quem domina a norma culta faz suas escolhas, consciente e deliberadamente. É por isso que muitod portugueses se recusam a escrever conforme o AO90, no que fazem muito bem. Outros tantos escrevem sem grandes dramas conforme o AO90, no que fazem também muito bem.

      Isto de lei ortográfica é coisa de países dr inclinação autoritária. A língua inglesa e a francesa, por exemplo, não têm ortografia oficial, mas têm normas organicamente estáveis.

      A nossa divergência é provavelmente de fundo. De todo modo, o JMC, no Gramatigalhas, forçou a mão. Certo está o leitor que disse que não há em lugar algum delegação de competência à ABL para legislar sobre ortografia. Não seria nem sequer constitucional delegação de competência legislativa a pessoa jurídica de direito privado.

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      1. Caro Patrick,

        Reli minha resposta e a achei antipática. Não foi a minha intenção. É porque eu sou um liberal convicto, avesso a quase todo o tipo de intervenção do Estado, talvez exceto em segurança externa, interna e na justiça (e olhe que é cada vez mais comum o recurso à arbitragem privada).

        A língua portuguesa não teve nenhuma ortografia oficial até 1911, quando a recém-nascida república portuguesa (minúsculas usadas deliberadamente) criou uma. E havia certa estabilidade ortográfica por convenção. E convenção é, para mim, a melhor forma de regular qualquer coisa, porque é orgânica.

        Mas não é por rebeldia liberal que digo que o JMC está errado: ele está errado porque a lei do AO 90 prevê um VOLP comum, que ainda nem sequer existe. O VOLP comum seria “oficial”, e, ainda assim, não conteria todas as palavras da LP. Nenhum formulário ortográfico e nenhum dicionário de nenhuma língua contém todas as palavras dessa língua.

        E ainda que o VOLP da ABL fosse lei (não é, e a própria escolha de palavras do JMC deixa isto claro, quando ele diz que embora não seja rigorosamente técnico isto e aquilo, a sucessão cronológica das leis demonstra isto e aquilo outro: ele está defendendo uma tese, mas uma tese fraca, porque, como verá, nem a própria ABL diz ter essa competência), ainda que fosse lei, que importa? Que sanção vem a quem quer que seja por escrever, seja por ignorância, seja por escolha deliberada (como eu escrevo co-herdeiro, no que escrevo em conformidade com o AO 90, e, ainda, Galiza, e, agora, Kyiv), em desconformidade com a lei ortográfica?

        E si u projetu im discusaum di tornar mais transparentchi a ortografia du portuguêis brasileru fossi aprovada, e a ABP editasi um VOLP conformi a nova norma, você iscreveria di acordu com ela? Eu naum. Eu seguiria civilmenti desobedienti.

        Assim como muita gente, a quem aprazia a antiga ortographia, seguiu escrevendo conforme a norma pré-1911, em Portugal, como um certo Fernando Pessoa.

        Um abraço,
        Rodrigo.

        P.S.: Recomendo, a propósito, a leitura deste post do finado Dicionário e Gramática, outro blog muito bom, mas que, infelizmente, foi abandonado à própria sorte, pelo autor ou pela autora, que era certamente alguém especializado, embora não se saiba em quê, exatamente, porque nunca revelou nada sobre si.

        https://dicionarioegramatica.wordpress.com/category/novo-acordo-ortografico-de-1990/page/2/?iframe=true&preview=true%2Ffeed%2F

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      2. Rodrigo, eu poderia ignorar seus comentários ou simplesmente dizer arrogantemente que prefiro seguir o mestre Evanildo Bechara a você, porque tenho certeza absoluta de que ele não tiraria nada da cartola. Todo o trabalho de confecção do VOLP é muito sério e feito por lexicólogos/ lexicógrafos experientes e incorporou as bases do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990). Eu, particularmente, gostaria muito de voltar a usar o trema e o acento agudo em “pára” (verbo) para diferenciá-lo de “para” (preposição), mas não vou fazer isso. Se deseja escrever “co-herdeiro” com hífen, ninguém vai multá-lo por isso, mas posso recomendar a seguinte leitura: https://www.academia.org.br/sites/default/files/conteudo/nota_explicativa.pdf
        Atenção à alínea 9.
        Em entrevista à consultora de Língua Portuguesa e também linguista Thaís Nicoleti, observe o questionamento: TN – Há quem critique o fato de a ABL ter optado pela grafia “coerdeiro” no Vocabulário Ortográfico, em dissonância com o texto do Acordo, no qual a grafia “co-herdeiro” aparece como um dos exemplos de emprego do hífen (Base XVI). Qual é a sua explicação para isso?

        EB – Em mais de um artigo já expliquei o engano em conservar no Acordo Ortográfico de 1990 a grafia co-herdeiro, novidade trazida pelo ortógrafo português Rebelo Gonçalves, em 1940, e agasalhada pelas reformas de 1943 e 1945. Baseava-se Gonçalves numa pseudodiferença semântica desse prefixo. Desde a reforma de 1911, bem melhor que as sucedâneas, usava-se coerdeiro. Como o Acordo Ortográfico de 1990 está muito ligado à reforma portuguesa de 1945, escapou esse exemplo “co-herdeiro” , que contraria a lição deste último na Base XVI, 1º , b, obs. “Nas formações com prefixo co – este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o“. Por isso, se escrevo coabitar sem hífen e sem h inicial, terei de escrever coerdeiro, como propõe corretamente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. (Folha, 16/9/2014)

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      3. Caro Patrick,

        Considero natural a sua reação, em especial depois do tom antipático, ainda que involuntário, do meu primeiro comentário. Mas a sua resposta passa ao largo do meu ponto: Deus me livre de você ou quem quer que seja me seguir! Eu não sigo ninguém, eu estudo e delibero.

        Tome o exemplo Galícia/Galiza: comecei por concordar com o ponto de vista do Aldo (pró-Galícia); depois, li a defesa que os galegos fazem de Galiza, e, para mim, o que mais pesou é que, no Brasil, pouco falamos da Galícia/Galiza, que nenhuma das duas formas é frequente ou tem raízes como Pequim, que os galegos chamam Galiza à sua terra e que, para mim (e para gente que entende muito mais que eu do riscado), o galego e o português ainda hoje constituem o mesmo sistema linguístico. Fiquei com Galiza.

        Mesmo você não acata prescrições sem raciocinar, tanto que expôs a fundamentação do Bechara para coerdeiro. Mas você precisa de resolver uma contradição: se defende que se siga o VOLP da ABL porque é oficial (não é, e não há polêmica jurídica sobre a não-oficialidade do VOLP), então, com mais razão ainda deveria defender co-herdeiro, porque, se me não falha a memória, é esta a forma que conta expressamente do texto do acordo.

        E é co-herdeiro que, como servidor público, escrevo em textos oficiais, seguindo a lei do AO. Se o Bechara a segue como a entende, eu, pelo menos neste ponto, a sigo à risca. Já não sigo quanto à pára, que continuo e continuarei a grafar exatamente assim.

        Quanto a ter certeza de que o trabalho é muito sério… é que você não deve ter acompanhado a polêmica sobre o AO 90 em Portugal, não deve ter lido as reconstituições históricas sobre as tratativas em torno do acordo, sobre os estrelismos acadêmicos e as pressões políticas. O AO 90 foi provavelmente o que se fez menos a sério, se comparado com os anteriores.

        Mas siga o que quiser. Eu já percebi que você tem aquele vezo do “É por isso que este país assim, porque ninguém respeita nada etc.”. Espero que ainda distinga entre a gravidade de um erro ortográfico, culposo ou doloso, e a de um homicídio: alguns puristas da língua têm mais horror a verem algo como paralizar num tuíte do ministro da Educação (e não faço nenhuma defesa do ministro de infame memória) que a verem um cadáver no meio da calçada.

        Fique em paz. Eu tenho certeza de qur você é boa pessoa, amigo dos amigos, cumpridor dos seus deveres etc. Eu também sou. E isto aqui é só uma diatribe de internet.

        Um abraço,
        Rodrigo.

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  3. Não me incomodo em debater, Rodrigo. Caso contrário, nem teria respondido. Acredito que o espaço é justamente para isso. Só quis mostrar a resposta do próprio Bechara para um questionamento que não é apenas seu. Espero que o doutor Aldo também participe, afinal você fez a pergunta para ele, não para mim.
    Quanto a ver um cadáver na calçada, se for de bandido, não me incomodo nem um pouco; já “paralizar” por parte do ministro da Educação, da EDUCAÇÃO, aí já é demais.

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    1. Caro Patrick,

      De acordo, menos quanto ao não incômodo em ver um cadáver na calçada, ainda que de bandido. E não sou de esquerda, pelo contrário. Acho que a educação cristã ainda fala muito alto em mim, embora eu seja ateu há mais de 20 anos.

      Um abraço,
      Rodrigo.

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  4. O vocábulo Tiktokização tampouco existe. Vários entretanto usam-no e todos compreendem a mensagem.

    Perdoe-me, é errado dizer que um vocábulo não existe. Talvez a forma mais adequada é relatar que não há registro.

    A oralidade sempre antecedeu a escrita e em tempos hodiernos de redes sociais, a escrita coloquial antecede a escrita soliloquial de dicionários. Logo, “loquiemos” sobre o proposto:

    Provadouro parece adequado, inteligível e capaz de ser portar a mensagem emitida. Parece ser mais um vocábulo apto a adentrar o ‘Neologismos Indispensáveis e Barbarísmos Dispensáveis’ junto com lucivelo, ludopédio, etc…

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    1. Existir, existe, se tem uso corrente. Pode ser infrequente e mostrar-se efêmero e desaparecer por não haver quem perca tempo em conservar registro da sua passagem efêmera. Espero que seja o caso, da palavra e do TikTok.

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    2. Prezado Aldo:

      Que critério fundamentou a pluralização de abdômen, glúten, pólen e hífen em abdomens, glutens, polens e hifens, no PB, em lugar das formas adotadas no PE, c desinência do plural em -nes?

      Um abraço,
      Rodrigo.

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      1. Em PE, o “n” final é pronunciado como consoante, como soa também em espanhol. Por isso, o plural segue a regra dos plurais de palavras terminadas em consoante, isto é, em “-es”: “males”, “mares”, “ases”, “vezes” e, portanto, “hífenes”. Já em PB, o “n” é mudo, indicando apenas que a vogal anterior é nasal; por isso, as palavras terminadas em “-en” fazem plural como as terminadas em “-em”: “hifens”.

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