Chauvinismo é o sentimento patriótico exagerado e fanático, que leva o indivíduo a supervalorizar as qualidades de seu país, ao mesmo tempo em que despreza ou abomina tudo que é estrangeiro. Logo, o chauvinista é também um xenófobo, quando não um racista. De modo mais geral, o termo se aplica igualmente a qualquer defensor radical de um conceito, ideia ou ideologia, que tem atitude agressiva contra todos que sejam contrários ao objeto de sua defesa.
Embora apenas uns poucos tenham esse sentimento exacerbado ou sejam capazes de atitudes virulentas, é muito comum que as pessoas nutram um sentimento de amor ao próprio país pelo simples fato de terem nascido nele. Nesse sentido, o chauvinismo nacional decorre do desconhecimento de outras nações e outras culturas.
Da mesma forma, é muito comum o chauvinismo linguístico, o amor que o falante tem pela própria língua, independente de qual seja, apenas pelo fato de que é a língua que ele fala, a primeira – e, na maioria das vezes, a única – que aprendeu.
Gostar ou não gostar de alguma coisa, seja um país, uma cultura, uma língua ou o que quer que seja, é algo bem subjetivo: em geral, não temos motivos racionais para essa ou aquela preferência, mas somos movidos apenas por sentimentos. E estes, muitas vezes, nos são inculcados desde a infância pelos pais, professores, sacerdotes, governantes, meios de comunicação, etc.
No entanto, para a pessoa que crê, sua crença tem valor de verdade. A maioria dos brasileiros, inclusive os que passam as maiores privações neste país, acha o Brasil a melhor nação do mundo. Obviamente, americanos, franceses, japoneses, costa-riquenhos e ugandenses pensam o mesmo de seus países.
De igual maneira, o chauvinismo também aflora quando o assunto é a língua. Já perdi a conta de quantas vezes ouvi brasileiros dizerem que o português é um idioma belíssimo, que nenhum outro consegue expressar tão bem e de forma tão poética os sentimentos humanos, que nossa língua é a mais linda e perfeita do mundo, e por aí vai. Chauvinismo puro!
Em primeiro lugar, de um ponto de vista estritamente objetivo, não há línguas melhores ou piores: toda língua é igualmente eficiente em sua função de comunicação. Todos os povos usam diariamente seus idiomas nas mais diversas situações de modo fluente e eficaz. Todo idioma dá conta das necessidades de pensamento e expressão dos seus falantes dentro de sua cultura específica.
Em segundo lugar, se quisermos medir de alguma forma e segundo algum critério a “qualidade” das línguas em termos de sua simplicidade, facilidade de aprendizado, praticidade de criar novas palavras, etc., devemos recorrer a uma área da ciência chamada linguística comparada ou comparativa, que faz o cotejo e a análise das semelhanças e diferenças estruturais entre as línguas de todos os seus pontos de vista: fonético, fonológico, morfológico, sintático, lexicológico, semântico e até ortográfico.
Em outro artigo, falei sobre essa especialidade linguística, à qual me dedico formalmente há pelo menos 30 anos e informalmente desde a adolescência. Por meio dela, é possível dizer que o português não é das línguas mais complexas do mundo, mas é mais complexa gramaticalmente do que a maioria de suas irmãs românicas, tendo uma série de irregularidades estruturais que outras línguas não têm ou têm em menor grau, ou, ainda, já tiveram, mas eliminaram. Por exemplo, o português é a única língua-padrão europeia a ter mesóclise, futuro do subjuntivo, pretérito mais-que-perfeito sintético e infinitivo pessoal. É também a língua com a colocação pronominal mais cheia de regras. Do meu ponto de vista particular, embora nenhuma língua seja perfeita (nem o esperanto, idioma artificial extremamente simples em todos os aspectos), há várias línguas próximas ao português com gramática mais simples, pronúncia mais suave e grafia mais lógica do que ele. Quanto a questões subjetivas, como a expressividade ou a beleza poética do idioma, posso garantir que, nas mãos do bom poeta e do bom escritor, qualquer língua é um instrumento perfeito para criar beleza e eloquência.
Mas o chauvinismo linguístico, alheio a todas essas considerações de cunho técnico-científico, endeusa a língua pátria e a cultura que ela expressa sem se dar conta da real importância que essa língua e cultura têm no concerto mundial.
Assim, os falantes ufanistas do português ignoram que nosso idioma, embora seja o quinto mais falado no mundo, só detém essa posição por causa da grande população do Brasil. E que, mesmo sendo muito falada, é muito pouco difundida internacionalmente. Como resultado, também a literatura e a cultura veiculadas por ela são pouco conhecidas, com exceção talvez de Paulo Coelho, das telenovelas brasileiras, do nosso futebol e de alguns artistas da MPB. Em termos de relevância ou interesse dentro da própria Europa, o português ocupa mais ou menos a mesma posição que o norueguês ou o polonês.
No aspecto político, econômico, científico e tecnológico, nenhum país lusófono tem destaque mundial. Portugal foi um grande império colonial no século XVI, mas, mesmo assim, jamais foi uma potência política ou militar na Europa, capaz de influir nos destinos da história do continente, que sempre girou em torno de players mais centrais, como a França, a Inglaterra, a Alemanha, a Áustria e a Itália. Mesmo países periféricos como a Espanha, a Suécia e a Rússia tiveram papel maior que Portugal na história europeia e ocidental. O Brasil é, sem dúvida, a nação lusofalante mais destacada no plano econômico, mas ainda uma economia secundária e pouco confiável. No terreno político, nem Brasil nem Portugal têm peso em termos globais. (Que dirá os demais países de língua portuguesa, como Angola, Cabo Verde ou Timor Leste!) Na verdade, grande parte do noticiário sobre nós que chega ao mundo desenvolvido trata de mazelas como fome e doenças ou acontecimentos folclóricos, como o mau comportamento de nossos dirigentes.
Por tudo isso, vejo com perplexidade e certo desalento as manifestações chauvinistas com relação ao nosso país e à nossa língua. Falta-nos um certo senso de realidade. Mas fazer o quê? A maioria dos povos do mundo não têm nenhuma razão objetiva para se orgulhar de si mesmos, mas se orgulham. O chauvinismo é próprio da natureza humana.
Prezado Aldo,
A maioria das pessoas não tem motivo para se orgulhar de si mesma, mas se orgulha. Orgulhar-se de si mesmo deve ter benefícios evolutivos, como manter a fé em si quando tudo à volta parece desabar. O orgulho de si deve estar muito próximo do amor-próprio, da autoestima etc.
Das línguas românicas o italiano é a que acho mais agradável aos ouvidos, mas esta impressão é largamente influenciada pela voz, pelo sotaque e pela cultura de quem eu ouço falar. Há sotaques italianos que acho feiíssimos.
Supreendeu-me descobrir, no entanto, que não poucos estrangeiros acham o português brasileiro uma das línguas mais bonitas. Jà vi posts escritos inclusive por colegas seus que preferiam o nosso português a qualquer outra língua, embora sempre fizessem todas as ressalvas que você fez.
Em todo o caso, pelo meu “levantamento”, francês, italiano e espanhol sempre são respostas mais frequentes que o português, ainda que o português apareça muito nos fóruns em que já vi discutida esta questão (refiro-me, obviamente, aos fóruns noutras línguas que não o português e às respostas dadas por internautas de outras nacionalidades que não a brasileira ou a portuguesa).
Concordo com você quando diz que nos falta certo senso de realidade, mas tanto para o bem quanto para o mal: se há quem ache o Brasil o melhor país do mundo, também não falta quem o ache o pior, quando ele é, na verdade, medíocre, em quase tudo.
Há mais ou menos 200 países no mundo, e o Brasil aparece na faixa intermediária dos rankings de desempenho em quase quaisquer aspectos; aparece mais na faixa médio-alta que na médio-baixa.
Eu acho uma desgraça ter nascido e viver aqui porque sei que se pode viver muito melhor nos principais países do mundo, mas sei bem que desgraça maior seria viver nuns outros muito países piores que o Brasil.
Não, não faço uma meia defesa, uma defesa envergonhada do Brasil. Digo-o por achar mesmo que nos falte senso de realidade, para todos os efeitos; porque achar que não há lugar pior que o Brasil concorre para o sentimento de impotência que nos paralisa.
Se percebêssemos que moramos num lugar ruim, que há muitos outros piores, mas que há também muitos outros melhores, e que o Brasil mesmo já foi ainda pior; que a Coreia do Sul já foi mais pobre que o Brasil há 50, 60, 70 anos, e que hoje é um país desenvolvido, talvez deixássemos de supor que o nosso destino seja a mediocridade.
Um abraço,
Rodrigo.
Segundo a minha própria observação, em relação à língua portuguesa os brasileiros se dividem em três grupos: 1. o pequeníssimo grupo dos que acham que o português é a oitava maravilha do mundo; 2. o dos indiferentes (inclusos aqui os linguistas e outros com conhecimento científico sobre a linguagem); e 3. o dos que acham que o português é uma zerda e gostariam de que falássemos outra língua. Neste terceiro grupo estão versões de Policarpo Quaresma (querem que o Brasil fale tupi) e os globalizados, que acham que devemos instituir logo o inglês como língua oficial, deixando de nos ocupar com línguas atrasadas com muita flexão e sinais diacríticos (muitas dessas pessoas acham que o inglês “não tem gramática”).
Enquanto isso, gostando ou não da língua que falam, muitos brasileiros são analfabetos funcionais, incapazes de entender direito o que leem ou de refletir sobre isso.
Perfeito!
Prezados:
Quando se diz que a maioria (eu sei que você escreveu “muitos”, e não a maioria, Júlio César) dos brasileiros é funcionalmente analfabeta, que se quer dizer exatamente?
Pergunto porque, certa vez, li um tuíte de um cientista político italiano, radicado no Brasil, em que ele sugeria (afirmava abertamente mesmo) que os seus críticos não o entendiam por provavelmente não fazerem parte dos apenas 8% dos brasileiros funcionalmente alfabetizados.
Quis saber então qual é o critério de alfabetização funcional e qual a fonte dos 8% e encontrei o seguinte:
(i) há cinco níveis de leitura nesta escala (IALS-OCDE);
(ii) os 8% estão no nível 5, o mais alto (dados de 2015; pelos últimos dados, 12%);
(iii) o nível mais alto é muito mais exigente do que se supõe quando, à mesa do bar (ou no tuíte do cientista político italiano), se diz que apenas 8% dos brasileiros são funcionalmente alfabetizados;
(iv) pela mesma escala, apenas 13% dos italianos estavam no nível 5 (dados de 2015), donde, pela mesma régua do cientista político que citei, apenas 13% dos italianos seriam funcionalmente alfabetizados;
(v) não consegui encontrar a correspondência entre os níveis do INEF (analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente) e da IALS-OCDE (níveis 1 a 5): não me pareceu haver uma correspondência exata, apesar de o número de níveis ser o mesmo, porque, se entendi bem, se considera funcionalmente alfabetizado quem atinge do nível 3 para cima na escala da OCDE, e eu diria, pela descrição das escalas da INEF, que seria funcionalmente alfabetizado quem atingisse do nível intermediário para cima;
(vi) se for funcionalmente alfabetizado quem atingir do nível intermediário para cima, na escala da INEF, então, 37% dos brasileiros seriam funcionalmente alfabetizados (muito pouco, mas não 8%);
(vii) se houver correspondência entre os níveis da IALS-OCDE e os do INEF, então, nesta última, seria funcionalmente alfabetizado quem estivesse do nível elementar para cima, e aí estaríamos falando de inacreditáveis 71% dos brasileiros.
(viii) perdoe-me, mas escrevo à velocidade do pensamento e busco fontes enquanto escrevo, de modo que acabei de encontrar uma reportagem da afiliada da Globo em SC que disse que 29% dos brasileiros seriam analfabetos funcionais, o que permitiria concluir que há, sim, correspondência entre a escala da IALS-OCDE e da INEF (embora a descrição do nível elementar da INEF não me pareça corresponder, de modo algum, à descrição do nível 3 da IALS-OCDE);
(ix) nesta pesquisa rápida, não consegui apurar se a escala do IALS-OCDE é a que a OCDE usa para avaliar a proficiência em leitura no PISA (suponho que sim); se for, menos de 20% dos holandeses estavam acima do nível 4, e cerca de 40% estavam no nível 3.
Perdoem-me, que já me alongo muito, mas é uma tragédia que 29% dos brasileiros sejam analfabetos funcionais, mas não é o apocalipse: o que parece distanciar muito o Brasil dos países com melhor desempenho é que eles têm um percentual razoavelmente mais alto de cidadãos no nível intermediário (nível 3), e um percentual também razoavelmente mais alto de cidadãos nos níveis 4 e 5%, mas é razoavelmente mais alto, não absurdamente mais alto.
Estas ressalvas eu faço porque me tenho esforço para nos ver como somos: medíocres, na rabeira do PISA, que inclui a OCDE e mais alguns países, mas não na laterna do mundo. Estamos à frente de boa parte da América Latina, de praticamente toda (ou de toda) a África e da maior parte da Ásia. Agora, se nos comparamos ao topo, à América do Norte, à Europa, à Oceania e ao Japão, estamos muito, muito mal.
Saber que estamos mal, mas que estamos na faixa intermediária talvez ajude a perceber que mudar isto será difícil, até mesmo muito difícil, e vai levar tempo, até mesmo muito tempo, mas que não é impossível.
Dizer coisas como “apenas 8% dos brasileiros são funcionalmente alfabetizados” (que aqui ninguém disse, mas que se escuta e até se lê aqui e acolá) é de dar vontade de sair correndo à máxima velocidade para a fronteira mais próxima, nem que seja para o Paraguai.
Um abraço,
Rodrigo.
Parabéns aos comentaristas!