Sobre bielorrussos e oligarcas

Nesta absurda e inexplicável guerra na Ucrânia, temos ouvido falar bastante sobre o país cúmplice das atrocidades de Putin: Belarus. Para quem não sabe, esse país, independente a partir de 1991 e desde 1994 governado com mão de ferro pelo ditador Aleksandr Lukashenko, era até então a república soviética da Bielorrússia, ou Rússia Branca (é exatamente isso que Bielorrússia quer dizer em russo).

Desde que se tornou independente, passou a ser chamada aqui no Ocidente (capitaneado pela língua inglesa, claro) de Belarus, mas o curioso é que os habitantes desse país continuam a chamar-se bielorrussos – e não belarusos, como seria de se esperar. Essas mudanças de nome, como Pequim para Beijing ou Kiev para Kyiv, são como trocar seis por meia dúzia. Na verdade, até tornam a pronúncia mais complicada.

Ao mesmo tempo, tem-se falado muito nas sanções econômicas contra aliados de Putin, como o bloqueio financeiro dos oligarcas russos. E eis que aí aparece outra palavra com a qual não estamos muito acostumados. Claro, todos já ouviram falar em oligarquias – por exemplo, aqui no Brasil é comum falarmos da oligarquia que domina a política no Nordeste –, mas dificilmente nos referimos aos coronéis nordestinos que têm mandato em Brasília como oligarcas. A oligarquia é o sistema econômico e também político em que uns poucos detêm todo o poder. Aristóteles dividia as formas de governo em monarquia (o poder nas mãos de um só mandatário), oligarquia (o poder em mãos de um pequeno grupo) e democracia (o poder para todos). Como se pode deduzir, o poder na Rússia está nas mãos de uns poucos amigos de Putin – na verdade, como este pode mandar matar qualquer “amigo” que se oponha a seus interesses, o poder, na prática, está todo nas mãos sujas de sangue do tirano Putin.

Para terminar, um recadinho ao nosso presidente: quem vê o mal ser praticado e se cala ou não se posiciona é cúmplice do mal. A neutralidade beneficia o agressor, não a vítima.

14 comentários sobre “Sobre bielorrussos e oligarcas

  1. Concordo plenamente com você. Pequim, Cantão, Birmânia, Calcutá, Calicute, Saigon soam melhor que as denominações atualizadas: Beijing, Guangzhou, Myanmar, Kolkata, Kozhikode, Hô Chi Minh-Ville, respectivamente.

    Ressalte-se que numerosos nomes ora modificados foram dados a conhecer ao mundo pela transliteração feita séculos atrás pelos portugueses. Pequim entra nessa lista. Mudanças vieram bem mais tarde.

    Agora, embora Kiev seja mais familiar e mais palatável que Kyiv, aqui entra um componente político. Lembra do tempo em que os admiradores de Dilma Rousseff a tratavam por “presidenta”? Pois é, entre Kiev e Kyiv ocorre fenômeno semelhante.

    Kyiv é a forma ucraniana de chamar a capital do país. Kiev, a forma russa. Chamar a cidade de Kyiv é posicionar-se e tomar partido. Ninguém é obrigado, mas fica a dica.

    1. Caro Manzano, respeito sua posição, mas a capital da Ucrânia é chamada por nós – e por muitas outras línguas – de Kiev há séculos. Essa guerra é coisa de momento. Não vejo muito sentido em pronunciar “Quiive” apenas para demonstrar apoio aos ucranianos. E quando a guerra acabar, Kyiv voltará a ser Kiev? Se quisermos ser fiéis à língua de origem do nome, então deveríamos empregar “Asunción” em vez de “Assunção”, “New York” em vez de “Nova York (ou “Nova Iorque”, que é ainda pior), o que, aliás, não seria má ideia, já que é assim que essas cidades são denominadas em outras línguas. Em suma, penso que, seja por que motivo for, nomes tradicionais e já arraigados não deveriam ser mudados por questões de simpatia ou antipatia política.

      1. Professor, o que o senhor diria da grafia Piumhi, nome dum município mineiro? Já lhe adianto que eu a escreveria Piũí e seu respectivo gentílico piũiense /pi-ũ-i-en-se/, mantido o hiato nasal; já temos o ditongo nasal [ũi] da palavra muito (e de sua redução mui), ao lado da pronúncia desviante de ruim, um hiato, como rúim. Outro caso também seria o gentílico piuense, do município tocantinense Pium, em que no derivado há desnasalação do u nasal; por mim seria piũense /pi-ũ-en-se/.

  2. Entendo seu rigor, caro Bizzocchi, mas, a circunstâncias excepcionais, medidas excepcionais.

    A Suíça, ao acompanhar as sanções dos demais países europeus, arranhou a sacrossanta neutralidade de que se orgulhava desde 1815. Com o argumento de que neutralidade não rima com indiferença.

    A Alemanha, cuja Constituição veda o rearmamento do país, em 48 horas deu um jeito de triplicar seu orçamento militar.

    A Hungria, cujo dirigente, Viktor Orbán, é amigão do peito de Putin, aderiu integralmente às sanções decididas por seus pares.

    E a lista podia alongar-se até o fim da página – mas vamos evitar gastar tinta, que o preço anda pela hora da morte.

    Muitos aderiram ao impronunciável “Myanmar”. Quase todos adotaram “Beijing” e se esqueceram do simpático “Pequim” (embora ninguém chame seu lulu pequinês de ‘beijinguês’). Nas raras vezes em que aparece na imprensa, o nome da cidade de “Cantão” vem irreconhecivelmente disfarçado de “Guangzhou”.

    Por que não Kyiv? Ou Quiíve (com dois ii como iídiche)?

    Centenas de voluntários estrangeiros estão se abalando do conforto de uma casa quentinha com direção à Ucrânia, sob o risco de receber no cocuruto uma bomba russa, com o único propósito de ajudar o povo daquele país. Eu, que não tenho nem a juventude nem o desprendimento necessários para essa empreitada, faço a única coisa que sei fazer: escrevo. E aproveito pra grafar o nome como os infelizes ucranianos pedem que seja escrito.

    O governo dos EUA e o New York Times já abandonaram a transliteração do russo em favor da forma ucraniana.

    Mas não sejamos ingênuos. Compreendo que insistir nessa grafia é dar murro em ponta de faca. Não vai pegar.

    No entanto, deixo aqui registrado meu protesto. Para todo o sempre! (Ou até o dia em que uma descomunal tempestade solar provocará catastrófica desmagnetização e apagará todos os registros de nossa época. Para maior garantia, acho até melhor deixar os protestos entalhados na pedra.)

  3. Caro Roger, sou obrigado a dizer que acho a grafia “Piumhi” muito esquisita e, como você, sou adepto do u com til, mas, visto que a ortografia oficial do português não prevê uso de til sobre a letra u, que, por sinal, já existiu no passado, a grafia “Piumhi” foi a única saída possível, já que “Piuí”, “Piumi” e “Piunhi” teriam pronúncias diferentes. Outra possibilidade seria “Pium-i”, mas esse hífen não se justificaria morfologicamente. Enfim, dos males o menor.

    1. Obrigado por sua resposta.

      Entendo sua explanação; eu já sabia que às vezes se usava ũ nalguns casos, como ũa(s), lũa… no caso do artigo indefinido na flexão de feminino, imagino que seria mais coerente o u com til sobrescrito, porque vem de um /ũ/ e não de umo ou ume; suponho que a língua falada não tolerou hiatos nasais como esses, daí haver as variantes uña, unha, u’a, umha, etc, antes do atual uma. Mas quem sabe a forma Piuí que o senhor citou não seja uma boa saída? Muito é nasal e não vem com o til; creio que por ser uma excrescência o dito Piumhi, nenhuma gramática ocupou-se de prescrever uma regra ou observação para o uso da consoante agá em casos tais, né? Seria mais um dígrafo, mh – a propósito, quando citam o acrônimo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, a pronúncia é “ifã”, como se a sequência ‘ph’ representasse o conhecido dígrafo ‘ph’ que evolui efetivamente pro nosso efe de muitas palavras reformadas. Neste sentido, penso ser adequado conservar o valor da consoante tal como ela é prolatada na palavra de origem da inicial, assim como acontece em Mercosul – que ninguém fala “mercozul”, ou

      Ainda a respeito do til, digo que, pra mim, as únicas saídas possíveis também seriam, apenas, cãibra e zãibo. Um acento circunflexo nesses ás contrariaria a regra de acentuação das oxítonas terminadas em a, e, o. E um último caso, a palavra que nomeia uma grande etnia indígena brasileira do tronco macro-jê: caingangue. O endônimo dessa língua e desse povo é kanhgág, conforme ortografia desenvolvida por uma missionária luterana há algumas décadas, e a transcrição fonética [ käɟɲ.ŋgəgŋ ], vogais todas orais apesar das consoantes nasais adjacentes, mais ou menos pronunciada kádjnh-NgâgN (esta segunda sílaba contém a velar nasal / ŋ / como em caNga, quase imperceptível em português, não a mais comum, dental nasal / n /). Muitos já notaram a característica travada deste idioma, que também é muito nasal vocalicamente; não seria mais cômodo escrevermos cãigangue, representando um ditongo nasal, em vez dum hiato, como aparece na primeira ocorrência do etnônimo? “kãy-gã-gui” em lugar de “ká-ĩ-gã-gui”…

      De qualquer modo, aplaudo seu trabalho e sua paciência de linguista, porque eu mesmo não tenho um olhar tão compreensivo para muitas dos usos e das mudanças que correm por aqui.

      1. A pronúncia nasal de “muito” está consagrada há séculos sem que tenha havido mudança ortográfica para dar conta dela. Já em outros casos, essa correspondência entre pronúncia e escrita é bastante prezada pela nossa ortografia. Assim, a grafia “Piuí” acabaria sendo pronunciada sem nasalização, o que certamente causaria estranheza e até revolta aos moradores da cidade. O jeito é deixar “Piumhi” mesmo.

      2. Permitam-me um comentário sobre o nome “Piumhi”.
        Essa palavra veio do tupi PI’UN ‘Y, que significa “rio dos piuns”: PI’UN = “pium” (inseto borrachudo), ‘Y = “água, rio”. (Usei N depois do U porque o computador não me deixa pôr um ~ sobre o U.) Eis a origem das palavras “pium” e “pinhum” = borrachudo (inseto).
        O H de “Piumhi” é herança da grafia do português colonial, em que se usava H para marcar hiatos ou a oclusiva glotal tupi (hoje em dia representada por apóstrofo). Por isso várias palavras de origem indígena tinham um H entre vogais na grafia antiga: Piauhy, Parahyba, Par(a)nahyba, Jahu, Tatuhy, Jacarehy…
        De acordo com a ortografia atual do português, deveríamos grafar PIUM-Í, mas o nome da cidade conservou parcialmente a escrita antiga, que com certeza era PIUMHY.
        C’est la vie.

  4. Tenho a opinião de que, se há formas vernáculas já consagradas, estas é que devem ser usadas.
    Fiquei surpreso há alguns dias quando, numa reportagem em espanhol sobre a fuga dos ucranianos para os países vizinhos, a Televisa (do México) referiu-se à cidade ucraniana de “Leópolis”. Trata-se de Lviv (Lvov em russo, Lwów em polonês, Lemberg em alemão). A forma portuguesa tradicional também é Leópolis.
    Aliás, a Wikipédia em português indica também que o gentílico é “leopolense”. Consta que a cidade foi fundada no século XIII pelo rei Daniel da Rutênia em honra a seu filho Leu, daí o nome: Leópolis, cidade de Leu.
    Sem querer ofender ninguém, creio que o espanto e o incômodo de muita gente com os nomes vernáculos e tradicionais portugueses vêm, talvez, da pouca intimidade da população com dicionários, enciclopédias e obras de referência. As pessoas parecem tender a achar que esses lugares não têm nomes em português; nem mesmo se pensa em procurar o nome, ou não se sabe como, e mete-se logo Kharkiv em lugar de Carcóvia, Wroclaw em lugar de Breslávia…
    Aliás, recentemente assisti a um filme polonês na Netflix, com dublagem em português brasileiro, cuja trama se desenrolava toda em Breslávia, chamada assim mesmo no filme! Que grata surpresa!

    1. O uso de Lviv, Kharkiv, etc., se deve exclusivamente ao desconhecimento das formas vernáculas. Eu mesmo jamais tinha ouvido falar em Carcóvia até um jornalista mais experiente apresentar esse nome na TV. É que o mundo eslavo é muito distante de nós ocidentais. Por isso, sabemos que Wien é Viena, Stockholm é Estocolmo e München é Munique, mas quase nenhum de nós jamais ouviu falar de cidades da Ucrânia outras que Kiev ou Odessa, por exemplo.

  5. Caro Aldo:

    Tinha certeza de que encontraria um artigo sobre Kiev/Kyiv e já conhecia a sua posição (do artigo sobre a Galiza), mas, como naquele caso, neste também tenho uma posição, mas gostaria de saber qual seria a melhor forma (ou a menos ruim, da sua perspectiva) para Kyiv: assim mesmo?

    1. Um colega meu defende que usemos Kyiv em solidariedade à Ucrânia. Mas penso que, além de esse tipo de solidariedade ser inútil, pois o que os ucranianos realmente precisam é de armas, ajuda humanitária e sanções contra a Rússia, a guerra é – esperemos – um evento temporário. Sou a favor de mantermos os nomes tradicionais com os quais já estamos acostumados. Portanto, minha preferência é por Kiev.

  6. As oligarquias brasileiras geralmente são atreladas ao norte e nordeste, locais onde famílias exercem o poder político e econômico há gerações sucessivas. Todavia, este não é um fenômeno reservado ao norte/nordeste. Esse tipo de perpetuação do poder através das gerações pode muito bem ser observada no sudeste, onde tais pessoas recebem denominações mais sofisticadas, como “elite empresarial”, “elite financeira”, “magnatas industriais”, mas que, de fato, correspondem às mesmas famílias que estavam exercendo o poder décadas e séculos atrás

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