Este ano completa 450 anos de sua publicação a obra máxima da literatura em língua portuguesa, a epopeia Os Lusíadas, de Luís de Camões (ou Luis de Camoẽs, como era a verdadeira grafia de seu nome). O poema, composto de 10 cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos decassílabos, narra, de forma romanceada e misturando elementos do fantástico e do maravilhoso (como a intervenção dos deuses do Olimpo na história), a viagem de Vasco da Gama em busca do caminho das Índias. Portugal se encontrava então, como de resto toda a Europa ocidental, em pleno Renascimento. O gênero épico estava muito em voga nessa época, pois uma das características mais marcantes da Renascença foi a imitação dos gêneros artísticos greco-romanos. Naquele período, influenciados pelas epopeias clássicas – a Ilíada e a Odisseia de Homero e a Eneida de Virgílio –, muitos poetas criaram obras da mesma natureza e segundo os mesmos padrões estéticos. Podemos citar dentre eles os italianos Matteo Maria Boiardo, autor de Orlando Enamorado, Ludovico Ariosto, criador de Orlando Furioso, e Torquato Tasso, de Jerusalém Libertada, além do inglês John Milton (O Paraíso Perdido), todos eles precedidos de Dante Alighieri e sua Divina Comédia.
Mas, embora a obra de Camões seja das epopeias renascentistas a menos difundida internacionalmente, é a que mais fielmente recupera os traços do gênero épico da Antiguidade. Por sinal, a narrativa de uma viagem marítima cheia de perigos e indo ao encontro do desconhecido retoma elementos d’Os Argonautas, de Apolônio de Rodes, por exemplo. Além disso, enquanto as demais epopeias evocam temas cristãos ou medievais, Os Lusíadas estão repletos de mitologia grega e referências ao mundo clássico, tema, aliás, em que Camões tinha grande erudição.
Não vou me deter aqui nos aspectos mais propriamente literários da obra, visto que não sou especialista em literatura, nem tampouco vou falar da biografia do autor, cuja vida aventureira daria, ela própria, uma epopeia. Quero relatar a minha experiência pessoal com a obra, que desde o início exerceu sobre mim um extremo fascínio. Na verdade, desde criança eu ouvia falar vagamente de uma obra chamada Os Lusíadas, mas até então não sabia nada a respeito. Quando, nas aulas de literatura do colégio, finalmente compreendi do que se tratava e pude ler alguns excertos no livro didático que utilizávamos, foi paixão à primeira vista: corri a comprar uma edição, que tenho até hoje, publicada pela Edições de Ouro e comentada por Francisco da Silveira Bueno, além de belissimamente ilustrada com gravuras do século XIX. Li a gigantesca obra de uma lufada só, dia após dia, e a reli, no todo ou em partes, diversas vezes depois.
Mais do que isso, me aventurei a arriscar uns versos imitando o estilo do autor. Embora no século passado a epopeia já estivesse superada como gênero literário, eu quis, mesmo que de brincadeira, redigir o meu próprio poema épico – aliás, não fui o único maluco a fazer isso: Fernando Pessoa, Jorge de Lima e Cecília Meireles também se arriscaram, e com sucesso. A verdade é que meu poema nunca passou do primeiro canto; para ser bem sincero, nunca passou de um devaneio adolescente. Mas foi válido como experiência. Arrisco-me a dizer que minhas estrofes em oitava-rima (isto é, padrão de rimas ABABABCC) não ficaram nada más. Se tivesse nascido nos séculos XVI ou XVII, eu teria talvez sido até um poeta clássico razoável. Mas, por outro lado, não teria conhecido Drummond e sua poesia ácida e cética, minha grande inspiração no tempo em que eu cometia versos, também influenciado pelas letras de MPB no tempo em que letras de canções brasileiras eram verdadeira literatura.
Não sei como serão os festejos pelos 450 anos do poema que não só inseriu Portugal e a língua portuguesa na história da literatura mundial como também fixou o padrão linguístico que usamos até hoje, que se convencionou chamar de “português moderno”. Em tempos de pandemia e de Bolsonaro, é pouco provável que se dê algum relevo aqui no Brasil a essa efeméride. Já em Portugal espera-se uma grande comemoração. Se você ama poesia e literatura clássica, não deixe de ler Os Lusíadas; há boas edições no mercado e mesmo na internet.
“Os Lusíadas” são um clássico ainda insuperável de nossa língua. Sou sempre tomado por grande emoção quando leio certos trechos dele, como as duas últimas estâncias do canto I ou a estância XIX do canto II, e outras mais. É leitura imprescindível!
As comemorações no dia 12 de março, data da saída de Os Lusíadas em 1572, terão lugar online, em um congresso internacional. Veja o site http://www.camoens.pt
Obrigado pela informação.
“Já em Portugal espera-se uma grande comemoração”.
Caro Aldo, esta comemoração passou completamente despercebida em Portugal! Não houve festejos ou qualquer programa comemorativo nacional amplamente divulgado. Ficaram-se apenas pelas faculdades de letras das universidades no país, ou a talvez Biblioteca Nacional, presumo. Sabe como é que soube desta efeméride? Em passeio de fim de ano por Toledo (Espanha) ao visitar o Alcázar que alberga a Biblioteca Municipal, deparei-me com uma exposição sobre os 450 anos da primeira edição que incluía um exemplar original. Fiquei atónita e profundamente envergonhada… Triste país o meu cujos governantes desprezam a sua própria cultura, a sua própria língua.
Cumprimentos de Portugal!
Cara Ana Maria, se você lamenta o desprezo dos políticos portugueses pela cultura, imagine a nossa situação aqui no Brasil! Talvez seja um sinal dos nossos tempos. Percebo que certos valores estão se perdendo no mundo inteiro, mesmo em países desenvolvidos, cujo povo é altamente escolarizado e em que os políticos sofrem maior vigilância e cobrança por parte dos eleitores. Um abraço do Brasil!