A etimologia da vela

Vela em latim é candela. Que deu em português “candeia”, “candelabro”, “candelária”, e é da mesma raiz de “cândido”, “incandescente”, “candidato” e “incêndio”. Então porque chamamos vela de vela? Na verdade, esse vocábulo é um derivado regressivo do verbo “velar”, que por sua vez veio do latim vigilare, “vigiar”, isto é, ficar acordado (a vigília é o oposto do sono).

A razão do nome “vela” é que esse objeto de cera ou parafina que serve para iluminar era usado nos velórios (“velório” é justamente um coletivo de velas), nos quais se velava — isto é, se vigiava — o morto. É que o verbo “vigiar” significa não apenas estar desperto, mas também montar guarda, já que quem está encarregado de vigiar alguma coisa não pode dormir.

Mas por que vigiar um defunto? A explicação é que algumas pessoas sofrem de catalepsia, distúrbio que leva a um estado de morte aparente, da qual o indivíduo “ressuscita” após algumas horas. Assim, os antigos criaram o hábito de vigiar o corpo durante 24 horas. Findo esse prazo, o finado não voltando à vida, podia o cadáver ser enterrado sem susto. (Na prática, sabe-se que muitos já foram enterrados vivos pois só acordaram depois de vencidas as 24 horas.)

Mas o fato é que as pessoas varavam a noite em claro segurando velas, já que não havia luz elétrica, vigiando o falecido. Daí que o objeto usado para velar ganhou o nome de “vela”, isto é, “vigia”. E a reunião de pessoas vigilantes em torno do caixão passou a se chamar velório.

Uma curiosidade: no interior de Minas Gerais, velório se chama “sentinela”, termo de origem militar que traduz a mesma ideia de vigilância.

7 comentários sobre “A etimologia da vela

  1. Caro Aldo,

    Não é o lugar mais apropriado, porque este é um espaço para comentários sobre o texto acima, mas lhe agradeceria a gentileza de responder a estas perguntas, ainda que em breves linhas:

    1) É correta a impressão que tenho de que a Linguística no Brasil é consideravelmente mais avançada que em Portugal?

    2) Se sim, em geral? Se não, em que áreas é mais forte a Linguística brasileira e em que áreas é mais fraca?

    3) É correta a minha impressão de que o intercâmbio entre linguistas brasileiros e portugueses é baixo relativamente ao que seria de esperar pela circunstância de estarmos separados pela mesma língua, com o perdão do lugar-comum?

    Explico os porquês destas perguntas: é que, volta e meia, leio afirmações de linguistas de cá e de lá que parecem revelar algum desconhecimento da variação linguística do português lá e cá, e sobretudo da variação linguística do português falado, mesmo do falado culto, mas mais ainda do falado popular. A este propósito, permita-me ainda fazer esta pergunta:

    4) É consideravelmente menos desenvolvida a Sociolinguística em Portugal? (Pergunto-o porque me parece que o português europeu popular é bem menos estudado que o português brasileiro popular, e também porque, frequentemente, leio comparações entre o português brasileiro popular e a norma-padrão portuguesa, e nem estou falando da norma culta real portuguesa, que não se confunde com a norma-padrão portuguesa, por muito que as duas se distanciem bem menos do que se distanciam a nossa norma culta real e a nossa norma-padrão.)

    Dou exemplos do que me parece revelar algum desconhecimento: o Marcos Bagno afirma, na sua Gramática Pedagógica, que o PB é uma língua de sujeito realizado, e o PE, uma língua de sujeito nulo. Mas basta assistir um pouquinho à SIC para mesmo um leigo como eu concluir que essa afirmação será verdadeira, se for, se feita com ressalvas, pois, embora a frequência do sujeito nulo no PE seja mais alta que no PB, é também muito alta a do sujeito realizado onde a realização seria dispensável, de modo que, dificilmente, se poderia dizer que o PE seja uma língua de sujeito nulo do mesmo modo que o espanhol e o italiano. Encontrei uma tese de doutorado defendida na Unesp – Araraquara que, à primeira vista, corrobora a minha impressão. Na verdade, a tese em si corrobora, expressamente, a minha impressão; eu só disse “à primeira vista” porque não tenho conhecimento especializado para avaliar a qualidade da tese e para dizer se ela basta para confirmar a minha impressão.

    Outro exemplo é uma afirmação feita pelo linguista português Fernando Venâncio sobre o afastamento do PE e do PB. Num debate com galegos sobre outro tema (a situação linguística na Galiza), ele citou, como exemplo do referido (e inegável) afastamento, a possibilidade, e até a preferência, no PB, por formulações que, no PE, seriam simplesmente impossíveis, como “Onde ela mora?”, “Quando eles chegaram?”, “Para onde ele vai?”, “Onde ele vai se instalar?”, “Por que o Universo é como é?”.

    É verdade que, em PB falado, quase nunca, ou mesmo nunca, se encontrariam exemplos de “Onde mora ela?”, “Quando chegaram eles?”, “Para onde vai ele?”, “Onde vai ele instalar-se?”, “Porque é o Universo como é?”, e, mesmo em PB escrito culto, essas formulações são bem menos frequentes que em PE escrito culto; mas, e não é pouca coisa este mas, no PB falado, essas formas são muito menos comuns que “Onde é que ela mora?”, “Quando é que eles chegaram?”, “Para onde é que ele vai?”, “Onde é que ele vai se instalar?”, “Por que é que o Universo é como é?”, que me parecem ser também de longe as mais frequentes no PE falado que as formas preferenciais no PE escrito culto. Selecione ao acaso alguma entrevista na SIC e vai ouvir muitos “Como é que o senhor vê isto”, “Onde é que o senhor estudou?”, e muito raramente, se é que alguma vez, “Como vê o senhor isto?”, “Onde estudou o senhor?”, ordem que seria a mais comum, senão a única, no espanhol, que, salvo engano, não tem nada parecido com o nosso uso desse “é que”.

    Nem menciono outras formas, como “O João estuda o quê?”, que se podem ouvir tanto cá como lá (lá, inclusive quando se está fazendo esta pergunta ao próprio João; cá, só quando se pergunta sobre o João a outra pessoa); ou o uso de ele acusativo no português falado da Madeira por falantes idosos de baixa escolaridade, entre vários outros achados da variante popular do português insular, sobretudo por homens mais velhos de baixa escolaridade, que antes se supunha serem características exclusivas do português brasileiro popular.

    A propósito do português insular, uma pesquisadora da Madeira, Aline Bazenga, chega a falar do exemplo do PE Madeira como indício de um elo entre o PB e o PE continental que favoreceriam a hipótese de um continuum num mesmo sistema linguístico, o que reforçaria a hipótese da deriva em detrimento da hipótese crioulística (hipótese esta que me pareceu ter sido convincentemente abalada por críticas de especialistas em crioulística, como o sueco Mark Parkvall, por exemplo).

    Enfim, e resumindo, fica-me disto tudo a impressão de que, conquanto o distanciamento entre as duas normas do português seja bem maior que as normas europeias do inglês e do espanhol e as suas congêneres americanas, é razoavelmente menor do que muito comumente apregoa quem parece comparar registros diferentes das duas variedades (PB popular falado com PE escrito ou PE falado culto, sobretudo).

    Um abraço,
    Rodrigo.

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    1. Caro Rodrigo,
      Pergunta longa, resposta idem.
      Não sei muito a respeito das pesquisas linguísticas que se fazem em Portugal, exceto pelas informações que obtenho em eventos que reúnam pesquisadores de ambos os países. Mas, como você, tenho a impressão de que estamos mais adiantados do que eles em matéria de linguística, pois, por exemplo, as faculdades de Letras de Angola utilizam muito mais largamente bibliografia brasileira do que portuguesa, mesmo embora o português angolano se aproxime mais do lusitano que do brasileiro. O que percebo é que Angola, como país igualmente colonizado por Portugal, mas até mais recentemente do que o Brasil, tenta consolidar uma variedade linguística própria e está em permanente conflito com a norma-padrão lusitana que lhe é imposta nas escolas.
      Noto que a pesquisa é bem avançada em Portugal nas áreas de história da língua e filologia, especialmente de textos medievais e quinhentistas. Por outro lado, o Brasil está mais avançado em termos de sociolinguística, psicolinguística, linguística cognitiva, comparada, computacional, estatística e de corpus. Também nossa etimologia está à frente da deles. Mesmo assim, os estudos etimológicos em língua portuguesa, tanto lusitanos quanto brasileiros, estão atrás dos de outros idiomas europeus, como espanhol, francês, italiano, inglês e alemão. O projeto em que trabalho – e que está atualmente parado por falta de verba – visa a sanar esse atraso (confira https://nehilp.prp.usp.br).
      Há um certo intercâmbio entre Brasil e Portugal via congressos (que não são muitos nem frequentes) e uns poucos pós-doutorados feitos lá por brasileiros (o inverso é bem mais raro). Ou seja, de fato o intercâmbio deveria ser bem maior, já que falamos e estudamos a mesma língua.
      Não estou a par do nível de desenvolvimento das pesquisas sobre português europeu falado, mas concordo com você que muitas afirmações de brasileiros sobre o português europeu são “de orelhada”, isto é, de ouvir dizer. Especialmente Bagno tenta “fundar” uma língua brasileira, distinta do português, o que, a meu ver, já lhe retira boa parte da credibilidade.
      Sobre a hipótese crioula x continuum linguístico, acho que os estudos do Projeto Vertentes da UFBA, capitaneados por Dante Lucchesi, são bastante esclarecedores, na medida em que dosam todos esses fatores.
      Em resumo, há pesquisadores sérios no Brasil e em Portugal tentando compor esse quebra-cabeças que é a nossa língua multinacional, mas Bagno não é um deles.
      Um abraço.

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  2. Caro Aldo,

    Agradeço-lhe a resposta circunstanciada. Dela infiro terem fundamento as minhas impressões de leigo. E de que estas tenham fundamento deduzo que digam respeito a características salientes dessas pesquisas, porque, do contrário, eu não as teria notado ou as teria interpretado equivocadamente, por me faltar bagagem para que me fosse possível ir além do que saltou à minha vista diletante.

    Se é assim, então, admira-me ainda mais que se tirem tantas e tão taxativas conclusões sobre as origens do português brasileiro falado, seja o culto, seja o popular, à falta de mais e melhores dados sobre o português europeu falado, culto e popular.

    As perguntas que lhe fiz tinham como fio condutor precisamente a discussão sobre as origens do PB, que recorrem, como é inevitável, a comparações entre as variedades brasileira e europeia e aos crioulos de base portuguesa, para delas extrair conclusões sobre se os traços distintivos do PB, escrito e falado, nos seus diferentes registros, se podem atribuir sobretudo a deriva interna ou a contato linguístico.

    Tive muitas vezes a impressão de que a comparação era prejudicada pela relativa pobreza de dados sobre o PE, escrito ou falado, culto ou popular, que me parecia ser presumidamente identificado, como um todo, com a norma-padrão europeia (identificação que se vê, claramente, nos exemplos que citei do Fernando Venâncio, os quais salientam uma diferença sintática entre formulações de perguntas nas normas-padrão do PE escrito e do PB escrito que, todavia, desaparece no português falado lá e cá).

    Essa impressão foi reforçada quando li, num artigo da pesquisadora Aline Bazenga, que, no português falado na Madeira, sobretudo pelas pessoas mais velhas e de menor escolaridade (portanto, um português menos afetado pela norma-padrão ensinada na escola), se encontram, com alta frequência, muitos dos traços normalmente tidos como exclusivos do PB e atribuídos por alguns pesquisadores a uma transmissão irregular ou até mesmo a processos prévios de crioulização: i) ter existencial, em vez de haver; (ii) pronomes pessoais como objetos diretos; (iii) relativas não-padrão cortadoras; (iv) pronomes possessivos não precedidos de artigos definidos, entre outros.

    Achei esses indícios mais eloquentes até do que os documentos comprobatórios de que esses traços remontam ao português arcaico do século XV: são registros de PE falado, e falado ainda hoje, por idosos pouco expostos à norma-padrão, que atestam a existência ainda hoje de um continuum linguístico.

    Pergunto quanto mais não se encontraria se a sociolinguística fosse lá pujante como é aqui. E, supondo que por lá seja bem menor a variação sociolinguística, como é mesmo razoável supor, já que lá é maior a força da norma-padrão, por ter começado antes e sido mais bem-sucedida a escolarização das massas, pergunto se não conviria estudar, sistematicamente, cartas escritas por quem era pouco mais que alfabetizado em épocas anteriores ao advento da comunicação de massas em Portugal.

    Talvez houvesse uma inflexão definitiva no debate sobre as origens do PB.

    Indo muito além do que me permite o meu amadorismo, chego a apostar que essa inflexão favoreceria a hipótese da deriva: o sueco Mark Parkvall chegou a escrever um artigo sobre as origens do PB popular, a cujo estudo não se dedica precipuamemte, porque, como pesquisador dedicado à crioulística, o preocupava o uso pouco rigoroso do conceito de crioulo e semi-crioulo por pesquisadores que estudam as origens do PB popular. Segundo o Parkvall, a explicação de nenhuma das características distintivas do PB popular exige, necessariamente, que se presuma crioulização, semi-crioulização e mesmo transmissão irregular: boa parte das mudanças ocorridas no PB que se atribuem a contato linguístico ocorreu também, e até mais radicalmente, no sueco, como a redução das formas verbais de seis para uma, e certamente não foi por contato com línguas indígenas ou africanas.

    O próprio Lucchesi, que é intelectualmente muito honesto, admite que os indícios não permitem atribuir as mudanças no português que deram origem ao PB popular a um processo amplo e duradouro de crioulização prévia, mas ressalva que isso não implica que não houvesse uma transmissão irregular de tipo leve que se correlacionaria com a história sociodemográfica da colonização brasileira e da variedade popular do PB. É como se ele preterisse a hipótese forte da crioulização, à falta de indícios que a sustentem, em favor da sua reformulação fraca, em vez de se propor perguntar, o que ao Parkvall parece ser mais interessante, por que, apesar das circunstâncias sociodemográficas propícias para tanto, não parece ter havido nenhum processo de crioulização (ou mesmo de transmissão irregular) de que necessariamente dependa a explicação das características distintivas do PB, mesmo nos seus registros mais afastados da norma-padrão europeia.

    Enfim, já escrevi demais, mas quis expor-lhe o que entendi de tudo o que li a respeito do assunto, para perguntar se compreendi bem os contornos gerais do debate sobre as origens do PB.

    Um abraço,
    Rodrigo.

    P.S.: O Lucchesi é mesmo muito honesto intelectualmente, porque reconhece, mais de uma vez, não haver indícios de um processo amplo e duradouro de crioulização que explique as características do PB popular, mas receio que a sua preocupação, que ele também explicita, em valorizar o português afro-brasileiro, em si louvável, o faça insistir numa hipótese, ainda que reformulada na versão mais fraca da transmissão irregular, que me parece baseada na atribuição ao contato linguístico de mudanças cuja explicação não o pressupõe necessariamente.

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