A ontologia é a parte da filosofia que estuda o ser em si, independente de suas qualidades. Um dos primeiros filósofos a se preocupar com a questão do ser foi Parmênides, para quem “o ser é, o não-ser não é”. Essa afirmação algo enigmática pressupõe a imutabilidade do real e a inexistência do nada: a realidade é perene e eterna em sua plenitude, e a mudança que percebemos no mundo, mera ilusão.
Contrapondo-se a essa visão estática do ser, Heráclito afirmou que tudo flui e nada permanece, portanto não se pode atravessar duas vezes o mesmo rio. Estava instaurada a noção de “devir”, isto é, “tornar-se”, do latim devenire, que produziu o francês devenir e o italiano diventare.
Aristóteles procurou conciliar essas duas visões da realidade postulando a diferença entre potência e ato: a realidade é o que é, mas contém também a possibilidade do vir a ser (assim como a semente é uma árvore em potencial).
Se o ser é visto como algo estático, permanente, o devir é a mudança, o movimento. Talvez por isso os verbos que nomeiam esse processo de passar de um estado a outro (de um ser a um não ser e então a um novo ser) estejam relacionados ao deslocamento, seja de longe para perto (do ausente ao presente, diríamos), representado pelo “vir” (latim devenire, inglês become, português “vir a ser”), seja o deslocamento em torno ao próprio eixo (de costas para a frente), como algo que, ao girar, se nos apresenta.
Essa segunda concepção do devir como volta, giro, está presente no grego pélein, proveniente da raiz indo-europeia *kwel, que também deu pólos (polo, eixo), kýklos (círculo) e em latim produziu colere (revolver, cultivar), collum (pescoço), em sânscrito cakram (chacra, círculo) e em inglês wheel (roda).
Além do grego pélein, a ação de tornar-se se expressa em várias línguas com termos que significam “virar, verter”: alemão werden, espanhol volverse e convertirse, além do próprio português “tornar-se” (de “torno”) e “virar”, este último de uso popular. É como se aquilo que se transforma girasse em torno do próprio eixo e, ao completar a volta, fosse outro (como o super-herói disfarçado de cidadão comum que, ao girar rapidamente, ressurge já com sua máscara e sua capa, pronto para combater o mal).
Essa recorrência da imagem do giro como transformação espontânea é o que chamamos de metáfora cognitiva: é tão intuitivo associar mudança a movimento e a mudança de si mesmo ao giro em torno do próprio centro que muitos povos e culturas recorrem a essa concepção para nomear o devir. Talvez a própria percepção de que os movimentos do cosmos são cíclicos nos tenha levado a ver a transformação como ciclo: a realidade é um constante e eterno embate entre o ser e o devir – no fundo, um eterno retorno.