A língua portuguesa e as novelas de época

Não é de hoje que as telenovelas e séries brasileiras de época entram em conflito com a língua portuguesa. Parece incrível que milhões são investidos nessas produções entre cenários, figurino, locações, fotografia, caracterização dos atores (e as produções brasileiras estão cada vez mais primorosas), mas cometem-se falhas bobas no tratamento da língua. Isso se deve, talvez, à falta de uma consultoria linguística especializada (que na planilha de custos da produção seria um dos itens menos relevantes).

Lembro-me de Lado a Lado, exibida pela Rede Globo no horário das 18 horas e premiada com o Emmy Internacional de melhor telenovela de 2013, que, no entanto, punha na boca dos personagens expressões e cacoetes linguísticos que certamente não existiam à época da Proclamação da República.

Ontem (dia 6 de janeiro) foi ao ar o terceiro capítulo da excelente minissérie Ligações Perigosas, cuja trama, originalmente passada na França do século XVIII, foi adaptada pela Globo para o Brasil dos anos 1920. Toda a reconstituição de época está impecável: móveis, roupas, calhambeques, a caneta-tinteiro, a cigarreira, as cédulas de réis, o gramofone tocando charleston… Mas eis que, numa das cenas, a câmera revela uma carta escrita pela protagonista Isabel d’Ávila de Alencar em que aparece o nome do amante de Cecília, o professor de música Felipe. E noutra cena, Cecília e Felipe encontram-se numa praia deserta, em cuja areia desenham um coração a enlaçar os nomes de ambos. Até aí, tudo muito lindo e romântico, não fosse o fato de que, até a reforma ortográfica de 1943, “Felipe” se grafava “Philippe”, com direito a “ph” e tudo! “Felipe” com “f” só em Portugal e nos países de língua espanhola. Mesmo assim, a reforma ortográfica em Portugal havia-se dado em 1911, portanto qualquer adulto nos anos ’20 só poderia ser Philippe e não Felipe ou Filipe.

E agora a Globo também anuncia a estreia de Êta Mundo Bom, assim mesmo, com acento circunflexo em “eta”, como se pode ver no logotipo da novela.

Êta_Mundo_Bom!

Para que esse circunflexo? Será que alguém em sã consciência pronunciaria “éta”? E mesmo que exista essa pronúncia (trata-se do nome da letra grega “η”), quem pensaria no alfabeto grego em se tratando de uma novela de temática caipira? Ou seja, não tem desculpa, foi erro de português mesmo!

Fica aqui a pergunta: será que a Globo não tem nenhum consultor para assuntos de língua dando assessoria aos produtores? Ou será que esses erros são propositais, cometidos por quem subestima a inteligência e a cultura dos telespectadores? Seja como for, senhores diretores da Rede Globo, se precisarem de uma consultoria linguística, estou à disposição. E faço um precinho bem camarada.

3 comentários sobre “A língua portuguesa e as novelas de época

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